Por Carlos Monteiro*

Alguns dos meus onze leitores fiéis, como já era de se esperar e por não terem mantido morada em Portugal, não perceberam patavina do texto da crônica “Noutras Palavras”. Para a felicidade geral da nação desses meus devotados legentes, vai aqui a tradução. Somente Pasquale, Romildo, Sônia, Chicô e a Manoela. Esta última não conta; é minha diletante d’além-mar, nascida em terras lusas especialista em gambas. Para os outros seis a versão para a “Flor do Lácio” brasileira.

Hospedado num apartamento, em algum lugar de Lisboa, numa parte da cidade muito especial, com pequeno aluguel e pagamentos em dia a um proprietário para lá de legal, apartamento de cobertura com quatro quartos, com a vantagem de não estar colado a outro prédio e não ser térreo, tendo confortáveis banheiros e ricamente forrado por carpetes, camas com abajures de mesa e belos candelabros de teto, especiais antiguidades do século XVI, passei o verão de 2019. Com vista para a foz do Tejo, apreciava meu café da manhã composto de pãezinhos frescos com crosta crocante, uma xícara de chá com açúcar mascavo, um café com leite fresco, uma cafezinho quente, suco de limão cheio de energia, uma água sem gás natural, caquis, nêsperas, nêsperas (são duas qualidades sem tradução no Brasil) sem sementes, abacaxi, açorda (originária de um prato árabe chamado tharid – à base de pão e água, alho e azeite, coentros e ovo típica), sanduíche ‘francesinha (sanduíche típico do Porto – lembra o nosso ‘bauru’), um misto-quente, presunto comprado no açougue da esquina, compota, pastel de natas adquiridas na padaria, omelete com orégano, cebolinha e salsa, bife e um (vinho do) porto apanhado na adega. Tudo sobre jogos americanos vindos da Madeira. Pela manhã, temos mais olhos que barriga, mas não jogamos o baralho todo! Expressões portuguesas que querem dizer que somos gulosos, mas não malucos.

Uma boa volta por Lisboa, em Monsanto, a passear o cachorro farejador – ‘Cão d’água português’ (raça) – limpo de carrapatos, evidentemente com coleira e focinheira, para que todos possam fazer carinhos e afagos, estando liberto para passear no gramado. Vou de patinete com meus tênis modernos, calçados com meias coloridas e cadarços novos, macacão e camisa do Porto. Fones de ouvidos com “Xutos & Pontapés”, “The Gift” e Abrunhosa (bandas e cantor português) bela trilha sonora. Sento-me para leitura rápida do Correio (‘da Manhã’ – jornal português) e ver as novas, especialmente, a história em quadrinhos.

Volto à casa, deixo o cachorro com a babá e me preparo para ir à academia. Opto por partir a dirigir o conversível vermelho que não é lata-velha, sendo absolutamente confiável, estando sempre com os faróis baixos ligados. Dou carona a uma moça vizinha, menina transmontana; de graça é sempre melhor. Bonde, ônibus, trem, metrô e táxis demorarão; estamos na hora do hush, abasteço com diesel, deslizo pelo asfalto muito bom até ao primeiro pedágio da A1 (Via de Lisboa como a Linha Amarela do Rio). Caramba, este trânsito não está a andar. Já estou de saco cheio com isso! Acho chato ir à academia, mas é preciso pela saúde. Troco as calças jeans e a camiseta por cação no vestiário, deixo-as no armário tipo ‘loker’ de aeroporto. A casa está cheia de playboys que mal largaram a mamadeira e só usam gírias. Cá é necessário cuidar para não me machucar nos exercícios. Um arranhão e um band-aid, comprado na farmácia, tudo resolvem.

Às doze badaladas no sino da Sé de Lisboa, enfim, é hora do almoço. Vou a um bar tradicional da Alfama (bairro de Lisboa conhecido pelos restaurantes e bares), peço o cardápio. Para as entradas, bolinhos de bacalhau, pataniscas, punhetas, (típicos feitos com bacalhau) um caldo de grelos (tipo de verdura parecida com os brócolis), santolas, sapateiras e gambas (frutos do mar – tipos de caranguejos e camarão). Para o prato principal, abobrinha recheada com kani-kama e pimentões temperados com pimenta e alho-poró, espaguete com um mix de embutidos especiais: alheira, belouro, butelo, cacholeira, chouriço, farinheira, maranho, morcela e salpicão (tipos de enchidos), todos defumados. Tudo isso junto a um pátio de um pátio lindo, com louça “Cia. das Índias” (porcelana chinesa do século XIV normalmente com desenhos em azul), acompanhados de um fado tradicional nas guitarras-portuguesas chorosas e de uma caneca, um fino ou um imperial (tipos de chopes conforme a região). Para a sobremesa, um sorvete de medronhos (fruta como a marula que deixa a pessoa bêbada) sobre uma torta, um café, uma água com gás gelada, um whisky e uma bala para adoçar. Finalmente, estou bem, menos os camarões que tinham gosto de isopor grampeado.

Uma volta para a digestão apreciando as vitrines e os pedestres pelos passeios da rua do Comércio e da Augusta. Compro um bicho de pelúcia e um casaco de pele, vindo das Caraíbas, numa pessoa jurídica (loja) de varejo para presentear. Aproveito as liquidações.

Durante à tarde, aciono o controle remoto e assisto, na tela ao vivo, as quartas de final do campeonato. Aprecio o esporte nacional. Meu Porto (time português) está a liderar. O treinador escalou um time de primeira linha. A equipe dos Dragões (apelido do time), vestida com camisas azuis, faz história. O goleiro, sempre atento para não permitir gols, está a cuidar bem das traves, não há escanteio. Os  tiros de meta e de escanteio são todos bem defendidos. Final 2 a 0. A torcida está em festa. Agora vamos à semifinal. Abro uma cerveja, para comemorar, utilizando um abridor moderno, presente de um amigo.  Ando a beber demais.

À noite, após uma ducha aquecida pelo boiler, e umas ligações pelo celular – alô? Alô! Fui…-, me preparo ‘becado’. Não posso ficar cafona nem brega, não me quero de mau gosto. Estou quase metido a conquistador, vestido com um terno de linho bege vindo de Moscou. Confiro se estou com o RG e a carteira de motorista (em São Paulo, carta de motorista), levo um guarda-chuva, passo no caixa eletrônico para levantar dinheiro e no cofrinho para uns centavos, vou aos copos (expressão como ‘tomar umas’) com a turma beber umas cervejas. Por motivos óbvios não uso o carro nem a caminhonete, pego um táxi e vou de no banco do carona. Além das ruas com paralelepípedos escorregadios, não há muitos estacionamentos pela cidade. Sou averso a confusões. Estudo na cartilha ou apostilha da Lei.

Na casa de espetáculos uma banda em turnê faz uma apresentação espetacular, todo mundo a aplaudir. Encontro uma moça bonita, com um grande coque e unhas pintadas em grená. Vestida com grifes num roteiro de Luís Carvalho (estilista português), maquiagem irretocável sem nenhum defeito nem manchas. Arrisco uma paquera…? Melhor não, isso dará em águas de bacalhau (expressão portuguesa – não vai dar em nada). Bela menina, tem ares de aeromoça, intensa, simpática e agradável, educada e gentil. Sensacional!

É tarde, não quero ficar todo cego nem apanhar uma cabra (expressões para dizer que está bêbado). Vou basar (expressão para dizer que já vai – vazar). Continuação (expressão que serve para qualquer coisa finalizando uma frase).

Talvez…

*Carlos Monteiro, 62, é cronista, jornalista, fotógrafo e publicitário carioca. Flamenguista e portolense roxo, mas, acima de tudo, um apaixonado pela Cidade Maravilhosa.

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