Observatório de Feminicídios e Frente Feminista promovem manifestação durante júri de Donizete Alves Pereira, acusado da morte de Márcia Aparecida dos Santos, sua esposa, em 2015

Cecília França

Seis anos após a morte de Márcia Aparecida dos Santos, será julgado nesta terça-feira (25), no Fórum da Comarca de Londrina, Donizete Alves Pereira, denunciado pelo Ministério Público por seu feminicídio. Márcia morreu aos 36 anos, após ser atingida por uma roçadeira, em sua casa, na zona rural do município de Tamarana. A tragédia aconteceu no dia 1 de maio de 2015 diante de dois filhos do casal, de 9 e 11 anos na época. O Néias – Observatório de Feminicídios Londrina e a Frente Feminista realizam um ato por justiça, às 12h30, para chamar atenção para o caso.

A morte de Márcia não teve repercussão na imprensa ao longo desses seis anos. Pereira, preso no dia 2 de maio de 2015, permanece encarcerado. Ele alega que houve um acidente. A roçadeira teria quebrado após bater em uma pedra e atingido Márcia. No processo, os depoimentos dos dois filhos confirmam a versão. Uma testemunha, no entanto, diz que os menores teriam sido coagidos a reiterar o depoimento. Outra, sigilosa, afirma ter visto Pereira atingir Márcia com o instrumento.

Segundo Meire Moreno, integrante do Observatório e da Frente Feminista, as organizações defendem “um sistema de justiça que respeite a memória das vítimas, sem revitimização das mulheres e sem condescendência com valores machistas que supostamente justificam a conduta do réu”. “Ao quebrar o silêncio social com o qual muitas vezes esses julgamentos são realizados, queremos ecoar a voz de Márcia, cuja vida foi ceifada aos 36 anos de idade”, completa.

O Neias diz esperar da Justiça uma resposta adequada, com pena justa que considere todas as qualificadoras denunciadas pelo Ministério Público, como meio cruel, motivo torpe e condição feminina. “Por meio do júri popular, a sociedade pode dizer que esse tipo de violência não tem justificativa e reiterar essa prática como crime hediondo”, afirma Meire.

A advogada Jéssica Hannes, integrante do Observatório e uma das responsáveis pelo Informe produzido pela entidade sobre o caso, lembra que a Lei do Feminicídio foi criada apenas em 2015 e que somente neste ano, 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional a tese da legítima defesa da honra. Mesmo com isso, ela alerta que essas teses podem surgir “disfarçadas” durante o julgamento.

“A gente não pode mais tolerar esse tipo de conduta. A mulher não pode mais sofrer um feminicídio ou uma tentativa de feminicídio por ter brigado com o marido, por exemplo. Nenhum motivo é capaz de justificar. Olha quanto tempo a gente precisou para o STF reconhecer isso”, diz a advogada.

Para Jéssica, está entre os objetivos do Observatório dar visibilidade às nuances do caso, para que os jurados tenham ciência de que qualquer alegação que tente justificar a atitude do réu não devem ser aceitas. Outra questão importante é dar um “rosto” para Márcia.

“Quantos casos em Londrina não estão aí sem a gente saber quem é, como se deu esse feminicídio. Londrina precisa conhecer esses casos e essas vítimas precisam ter suas histórias reconhecidas e expostas em algum lugar”, argumenta.

Defesa alega acidente

Ao longo destes seis anos em que permanece preso, Donizete Alves Pereira teve todos os pedidos de habeas corpus negados. O advogado do réu, Marco Antonio Busto de Souza, sustenta que a morte de Márcia foi um acidente – versão apresentada por Pereira em seus depoimentos e endossada pelos filhos que presenciaram a cena.

“Ele estava com uma roçadeira, tirando o mato do quintal, e essa roçadeira bateu numa pedra e acertou a Márcia. O Donizete desde o primeiro momento alegou essa versão e os menores dele também sustentaram isso. Essa versão não foi admitida por um único motivo: o Donizete tinha tido um outro problema com a justiça.
Esse primeiro caso criou uma desconfiança muito grande da polícia”, alega o defensor.

Souza refere-se ao homicídio de um homem com quem Márcia havia se relacionado anos antes. Pereira foi julgado duas vezes por esse crime e acabou livre por ter sido aceita a tese de legítima defesa. Poucos dias após o arquivamento do processo ocorreu a morte de Márcia.

O defensor acredita que a tese do acidente será provada no tribunal do júri e ressalta que, ainda que o réu seja condenado, já permaneceu preso tempo suficiente. “O tempo que ele ficou na prisão já é mais que o tempo que ele poderia ficar em regime fechado”, ressalta. Segundo ele, a testemunha sigilosa que alega ter visto Pereira atingindo a esposa com a roçadeira, na realidade, não teria como ver.

“Ela estava em um ponto da casa onde era impossível ver o que tinha acontecido”, diz Souza.

O julgamento começa às 9h e terá transmissão pelo Youtube do Tribunal de Justiça do Paraná. A concentração para o ato do Observatório e da Frente Feminista está marcada para as 11h30 e a manifestação pública começa às 12h30.

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