Donizete Alves Pereira estava preso desde 2015 após ser acusado pelo Ministério Público da morte de Márcia Aparecida dos Santos

Cecília França

Após cerca de oito horas de sessão no Fórum da Comarca de Londrina, ontem (25), Donizete Alves Pereira foi inocentado pelo júri popular da acusação de feminicídio contra sua então esposa, Márcia Aparecida dos Santos. Márcia morreu em 1 de maio de 2015, em Tamarana, após ser atingida por lâminas de uma roçadeira que estava sendo manejada pelo marido. A defesa de Pereira defendeu a tese de acidente e os jurados acolheram a versão. O agricultor, que estava preso preventivamente há seis anos, foi condenado por homicídio culposo e cumprirá pena de um ano convertida em prestação de serviços à comunidade.

A denúncia do Ministério Público acusava Pereira de ter atirado a roçadeira contra Márcia, causando os ferimentos que a levaram a sangrar até a morte. Ela chegou ao hospital já sem sangue circulante. Dois filhos que presenciaram a tragédia endossavam a versão do pai em seus depoimentos, mas uma testemunha sigilosa afirmava ter visto o homem cometer o crime. Essa testemunha não compareceu ao julgamento de ontem.

Filhos e outros familiares de Pereira se manifestaram em frente ao Fórum pedindo a liberdade do agricultor. Do outro lado da avenida, o Néias – Observatório de Feminicídios e a Frente Feminista promoveram um ato em memória e por justiça para Márcia.

Após o julgamento, o advogado de Pereira, Marco Antonio Busto, declarou à TV Tarobá que a desclassificação do feminicídio para homicídio culposo atende ao que “a defesa do Donizete sempre argumentou”. “Foi apenas um acidente, ele não teve a intenção de atingir a esposa”. De acordo com Busto, um perito retificou depoimento prestado à época reconhecendo que a versão de acidente seria possível.

“Ele (Pereira) conseguiu recuperar a sua liberdade, após sofrer um prejuízo imenso”, declarou o advogado, levantando a possibilidade de uma ação contra o Estado pelos seis anos de encarceramento.

“Julgamento arcaico”

O Observatório de Feminicídios emitiu nota de repúdio sobre a condução do julgamento. Na opinião da organização, houve apagamento da vítima. “Alguém que assistiu ao julgamento sabe quem foi Márcia? Qual era o histórico da relação entre a vítima e o réu? Em que contexto aconteceu a morte de Márcia? Alguém viu pelo menos uma foto com o rosto de Márcia?“, questiona a nota.

O Observatório informa que a Corte Internacional de Direitos Humanos vem difundindo uma abordagem que se chama “vitomologia”, o que representaria uma guinada no sistema criminal ao tirar a vítima do papel de coadjuvante.

Dar visibilidade à vítima é uma condição para a promoção da justiça. É preciso compreender a origem dos fatos que colocaram aquela pessoa na condição de vítima. Para isso, a vítima deve ganhar destaque no processo criminal. Ela deve ser compreendida em diferentes planos, como social, psicológico, econômico e jurídico. Esses aspectos permitem a compreensão do contexto produtor da violência e o posicionamento da vítima e do agressor.

O que hoje assistimos foi um julgamento nos moldes de um sistema criminal arcaico, centrado no transgressor e empenhando em passar o recado de que a vítima nem existe ou existiu. O Néias – Observatório de Feminicídios Londrina lamenta que julgamentos com esses contornos sejam realizados nos dias de hoje.“, finaliza a organização.

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