Aposentada, a técnica em química Silvia Borba realiza o sonho de se tornar cantora e realiza lives para captar recursos para gravar seu primeiro CD
Por Mariana Guerin*
Ouvir Silvia Borba cantar é reconhecer em si uma humanidade guardada a sete chaves. É desnudar lembranças e ressignificar tristezas do passado pela melodia. Não à toa, suas interpretações de clássicos do cancioneiro nacional nos fazem parar e admirar. Estar presente para refletir e só depois retomar a dura rotina.
Viúva, mãe de três filhos, um deles morto aos 19 anos, Silvia Borba cresceu em Recife há 58 anos, em uma família de muitos filhos: ela tem três irmãos por parte do pai e sete por parte da mãe. “Minha infância foi muito sofrida, de muitas privações e muita necessidade”, lembra a técnica em química, que sempre viveu no bairro Mangueira, na periferia da capital pernambucana.
Por conta da dureza da realidade, o relacionamento familiar nunca foi muito bom. E hoje, morando em Londrina, ela se vê ainda mais afastada dos irmãos depois da morte da mãe. “Meus irmãos não falam comigo porque minha mãe escolheu vir morrer comigo”, confessa.
“Meu relacionamento ruim com a minha família degringolou de vez com a morte da minha mãe há dez anos. Meus irmãos ficaram com raiva de mim e cortaram relações porque a minha mãe escolheu vir morrer aqui comigo, sozinha. Minha mãe estava com câncer de pulmão, era fumante. Ela fumou 65 anos e estava bem debilitada com câncer e me pediu para ir buscá-la e eu fui. Desmontei a casa, vendi tudo que ela tinha e a trouxe para cá, sabendo que ela não ia voltar. Ela também sabia. E os meus irmãos ficaram muito magoados com isso.”
Apesar da vida dura na periferia, Silvia teve uma adolescência tranquila. “Eu era uma adolescente muito quietinha. Eu era aquela adolescente que fazia tudo que a minha mãe mandava, absolutamente tudo. Gostava muito de ajudar. Dos filhos da minha mãe, eu era é a única que gostava de estudar. Não saía, até porque minha mãe não deixava, e porque eu era muito obediente”, conta a cantora, que só foi namorar depois dos 18 anos e por insistência da própria mãe. “Segundo ela, na época, as pessoas estavam falando mal porque eu não arranjava namorado, então ela me orientou a arranjar um.”


Fotos: Arquivo Pessoal
Aos 19 anos, Silvia tomou uma decisão transformadora: “Fui criada pelo marido da minha mãe, que é uma pessoa por quem tenho altíssima consideração, mas, por várias razões que agora não adianta contar, eu resolvi procurar o meu pai biológico. O encontrei e isso mudou a minha vida completamente. Mudou, inclusive, meu nome, que antes era Sílvia Pereira dos Santos. Só depois de encontrar o meu pai biológico eu passei a me chamar Silvia Borba da Costa”.
Depois de conhecer seu pai, Silvia realizou outros tantos sonhos. Criou os dois filhos que sobreviveram “dentro de uma educação de honestidade e ética, que eu tenho orgulho de dizer, e me sustentei”, cita ela, confessando que, atualmente, seu sonho de ter reconhecimento como cantora está se tornando realidade. “Agora, nessa idade, eu estou perto de gravar um CD. Estou correndo atrás disso nesse momento e espero ter êxito.”
Nas horas vagas, além de viajar, conhecer pessoas e conversar, Silvia gosta de ler e ouvir músicas. “A música está em todo momento da minha vida”, revela a cantora, destacando que a cultura é o que dá identidade a um povo. “Sem cultura não tem povo, não tem identidade, não tem nada. São pessoas soltas no mundo, tipo vírus, microrganismos. O que dá identidade ao povo é a cultura.”


Silvia e os filhos/Arquivo Pessoal
“Eu me lembro de quando eu tive essa consciência. Foi na época do segundo grau, quando eu fiquei estarrecida de saber que o povo judeu passou quase mil anos vagando pelo mundo sem ter um país, sem ter um chão, e o que manteve esse povo unido com características e identidade foi a cultura”, justifica.
Silvia trabalha com promoção cultural em Londrina há mais de 15 anos e seu processo de trabalho com a música é de pesquisa, estudo, de procurar aprender sempre. “Eu descubro coisas que eu não sabia e é um impacto muito grande, muito maravilhoso. E eu quero que as pessoas sintam isso, eu quero muito que as pessoas sintam esse mesmo impacto”, diz.
“Por conta disso, eu fui trabalhar com pesquisa e inscrição de projetos de promoção de cultura. Eu fiz o projeto da Araci de Almeida, que foi um mergulho na vida dela e foi maravilhoso. Eu fiquei muito impactada quando comecei a estudar a história da Araci de Almeida, principalmente porque eu não conhecia essa figura, eu sabia que cantava, mas não conhecia a importância dessa figura como cantora. Eu fiquei muito maravilhada e queria que as pessoas ficassem maravilhadas desse jeito também”, diz.
Ela reforça que todos os seus projetos musicais foram realizados a partir da pesquisa. “Foi assim com o João Nogueira, que eu fiz com cadência sincopada, foi assim com o Geraldo Pereira. Eu vivi em Londrina trabalhando desse jeito, com cultura popular também. Eu já trabalhei Noel Rosa, num projeto da Juliana Barbosa. Então eu sempre fui de estudar, de pesquisar e de tentar passar para as pessoas aquilo que eu descobri.”
Agora, Silvia segue no processo de captação de recursos para gravar seu primeiro CD. “Estou fazendo vendas antecipadas para quem estiver disposto a investir na gravação do CD. É só me procurar nas redes sociais”, informa a cantora, destacando que tudo fica mais difícil ainda na pandemia.
“Meu projeto era começar a trabalhar na gravação de um CD depois de me aposentar e me aposentei no meio da pandemia. Então as coisas foram tomando curso. A produtora Socorro Lira me procurou e eu aceitei o desafio”, comenta a técnica em química, que atuou 27 anos na Universidade Estadual de Londrina (UEL).
“É meio frustrante porque o contato que a gente tem com as pessoas é só por rede social e fica mais difícil de trabalhar divulgação e captação de recurso”, avalia Silvia, que gostaria de buscar o apoio de empresas locais. “Por outro lado, a exposição nas redes sociais faz chegar mais gente. As pessoas têm mais facilidade de saber do seu projeto”, comemora a cantora, que tem realizado lives semanais em seu Instagram.
“Foi um processo interessante e inusitado. Você está em casa, trancada, não pode sair, mas foi o momento que a minha arte mais se expandiu no Brasil e até fora do Brasil”, destaca Silvia, comentando que as lives têm sido uma forma “maravilhosa” de ocupar o tempo. “Não me deixar pirar porque a gente está vivendo uma situação difícil de se digerir.”
“Está muito complicado viver e isso afeta muito a cabeça, então o que eu posso fazer agora é me dedicar à música em casa e isso tem me ajudado bastante a respirar”, sinaliza a cantora, que resume sua trajetória se apropriando de uma frase de Cartola: “Quem me vê sorrindo pensa que estou alegre”.
Para assistir as lives e contribuir com o projeto de gravação do CD da artista, siga a página dela no Instagram: @silviaborbac.
*Mariana Guerin é jornalista e confeiteira em Londrina. Adoça a vida com quitutes e palavras. Siga @bolachinhasdamari
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