Por Régis Moreira*
Junho é o mês em que se convencionou chamar de Mês do Orgulho LGBTIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Intersexuais, Assexuais e outres mais). Desde a revolta de Stonewall, que ocorreu em 28 de junho de 1969, em que um grupo liderado pelas travestis Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera lideraram um levante contra os regimes de opressão, em Nova York, nos Estados Unidos. O levante de Stonewall não foi exclusivamente LGBT, mas reuniu pautas fundamentais de luta como o Movimento Sindical, os Panteras Negras, o Movimento Contracultural, entre outros. Uma ampla aliança política por aqueles que vinham sendo mortos e oprimidos pelo capitalismo necropolítico de extermínio. Não dá para pensar em avanços das pautas LGBTIA+, sem considerarmos as interseccionalidades das pautas que atravessam os corpos, os direitos, as vidas, as políticas. Os processos de higienização e extermínio, calcados nos padrões colonizadores, estigmatizadores, higienizadores.
As causas que saem nas ruas contra governos fascistas, negacionistas, genocidas, devem reunir a pluralidade de pautas, que contemplem todas as vidas, principalmente as mais vulnerabilizadas, por ameaças de retrocessos e direitos que haviam sido conquistados com muitas lutas. Vidas que sofrem perseguições por ideias falsas como a ideologia de gênero, escola sem partido e a proibição do ensino de gênero, sociologia, artes… tudo que faz pensar, que provocará mudanças. Querem criar máquinas reprodutoras do sistema, para que a produção seja intensificada, sem questionamentos ou transformações na ordem estabelecida pelos dominadores, que se consideram soberanos. Um estado de normalidade ou “novo normal”, como vem sendo chamado, em que os corpos das minorias, principalmente das travestis e mulheres transexuais, são exterminados. Elas ainda possuem uma expectativa de vida na casa dos 35 anos de idade. E desde quando podemos normalizar essas aberrações? Até quando puniremos minorias com destituições de diversas ordens?
Quais corpos importam? Quais são considerados diz-sonantes, dissidentes, sem valor, sem direito à vida em sua plenitude, à uma vida dignamente vivível? Quais corpos são incessantemente violentados e classificados como inumanos, monstruosos? Quais corpos são ou não contemplados por políticas públicas? Quais tem seus acessos e direitos negados, como a saúde integral, que possibilite condições cidadãs na educação, mercado de trabalho formal, moradia, vida afetiva, participações sociais? Sobre quais corpos o sistema tenta classificar, disciplinar e negar? Quais são os corpos que sofrem com essa determinação estrutural de uma morte social em vida, e, sem culpa são cegados, exterminados, assassinados, com formas violentas, brutais e punitivas? O grito Fora Genocida, que a população manifestou nas ruas em plena pandemia, vem engasgado de tudo isso! É muito sangue escorrendo, muita fome, muita destruição, muitas mortes.
O Brasil é o país que mais mata a população LGBTIA+ no mundo, geralmente com crimes de intolerância, fúria e LGBTIA+fobia. O país acumula o ranking de ser o que mais mata a população de travestis e mulheres transexuais, geralmente por crimes de ódio, de violências explícitas, de transfobia. O Brasil é o país que mais assassina ativistas sociais, que se colocam na luta pelos direitos humanos e direitos dos seres do meio ambiente, para além dos humanos. É um dos países que mais mata mulheres, por crimes de feminicídio, além de ser o país que mais mata negros periféricos, geralmente crianças e jovens. Em todos esses crimes acumulados pelo país, as identidades sexuais são interseccionadas por questões raciais e de classe. Cerca de setenta por cento dos assassinatos são cometidos contra pessoas negras.
Nosso grito urge ser ouvido!
Está tudo errado, disse minha mãe de quase 80 anos, depois de olhar pra contas do mês, que distribuiu numa mesinha, conferiu mil vezes e abismou-se, diante da mísera pensão sem reajuste que recebe. Desconfiou estar sendo roubada, depois da lenta e minuciosa análise. No que eu, assistindo a cena, reforcei: Está tudo errado mesmo, mãe! Diante destas e outras contas que nos endereçam repetidamente e vão atualizando os processos de servidão a um sistema produtor de mortes e vazio de sentidos.
É uma luta diária de não conformismo. O que chamam de exagero, de vitimismo, de mimimi, são disrupturas discursivas de ações necessárias para subverter a ordem estabelecida. Outros mundos são possíveis! Outras lógicas são urgentes, necessárias! Basta! Não dá mais pra normalizar tantas mortes! Não dá mais pra naturalizar o genocídio! Chega! Basta de nos matar!
Sigamos nas lutas, das diversas bandeiras, das diversas causas, que se interseccionam. Não há como salvar algumas vidas e deixar que outras penem, se arrastem, morram de fome, de balas endereçadas aos corpos que consideram diz-sonantes, de crimes bárbaros e horror, ameaças desespero. A resistência é um dispositivo de produção de vidas. Mas a pergunta que me vem sempre é: como produzir vidas nas frestas, nas rachaduras dos imperativos devastadores sobre nossos corpos? Na perspectiva dos fracassados, dos queers, daqueles que são considerades escória, insetos minúsculos e sem importância. Talvez estejamos cada vez mais conscientes de que nossas potências também podem brotar de nossas fragilidades e para além de nossas precariedades temos uma usina de força revolucionária de beleza rumo à utopia. Um outro mundo é possível, um outro Brasil é possível. O movimento das ruas está dizendo disso. Mudanças são urgentes e necessárias! Não podemos esperar mais! Conscientizemo-nos de nossas potências vagalume, que iluminam com luz própria. Não nos debatamos em volta das lâmpadas, que nos atraem e capturam, mas que nos levam à morte. É possível transformar o rumo da história com nossa potência de multidão vagalumes!
Domingo (6) agora acontece o evento que é considerado a maior Parada do Orgulho LGBT do mundo: A 25ª Parada de SP. Este ano o evento terá oito horas de duração e será novamente remoto, mas não sem a força das redes na construção das diversidades, para além das causas identitárias. Que estejamos envolvidos, inspirados pelo primeiro levante de Stonewall, que deu origem a todo o movimento das Paradas LGBTIA+, somando causas, formando alianças plurais, com diversos movimentos e todas as corpas! O tema do evento deste ano será ”HIV/Aids: Ame + Cuide + Viva +”. A transmissão acontece a partir das 14h, pelo canal oficial do youtube: https://www.youtube.com/paradasp
Avante!
*Régis Moreira, Comunicólogo Social e Gerontólogo, doutor pela ECA (USP) em Ciências da Comunicação, docente do Depto de Comunicação da Universidade Estadual de Londrina (UEL), onde atua como pesquisador na área de comunicação, envelhecimento e gênero. Pesquisador do Observatório Nacional de Políticas Públicas e Educação em Saúde.
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