Manifestação Nacional pela Valorização da Enfermagem terá apoio local com protesto saindo do Moringão que deverá reunir mais de 200 pessoas em passeata e carreata
Mariana Guerin
O Coletivo de Enfermagem de Londrina realiza nesta quarta-feira, às 10 horas, uma Manifestação pela Valorização da Enfermagem. O evento local faz parte de uma campanha nacional que visa melhores condições de trabalho para enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e parteiras. Segundo os organizadores, mais de 100 pessoas a pé e outras 100 pessoas em motos e carros são esperadas na manifestação, que terá como ponto de partida o estacionamento em frente ao Ginásio Moringão.
Para evitar aglomerações e promover a segurança de todos os participantes, os organizadores recomendam que os manifestantes participem, prioritariamente, de carro ou moto. Para quem estiver nos veículos e para quem estiver a pé é recomendado o uso de máscara, preferencialmente PFF2/N95. Quem participar da caminhada terá de manter 2 metros de distância do manifestante mais próximo, utilizar roupas brancas e levar cartazes ou faixas sem cunho político. Álcool 70 será distribuído durante todo o percurso, que deve terminar no Aterro do Lago Igapó.
A manifestação é em prol da aprovação do PL 2564/2020, que visa instituir o Piso Salarial Nacional da Enfermagem. Outra reivindicação é pelo projeto de lei engavetado pelo Congresso Nacional que estipula 30 horas semanais para a enfermagem, além de quantitativo de profissionais de enfermagem obrigatório por instituição e obrigatoriedade do espaço físico para descanso.
A Federação Nacional dos Enfermeiros propôs 30 de junho como data limite para a mobilização nacional para que o setor tenha visibilidade, voz e vez na mídia e mostrar que a enfermagem está alerta e unida e que precisa da aprovação desse PL para ter melhores condições de trabalho, remuneração digna e respeito.
Segundo o enfermeiro Laio Preslis Brando Matos de Almeida, 24 anos, que iniciou sua residência no Hospital Universitário (HU) de Londrina no ano passado, a classe profissional, apesar de ser regulamentada por lei desde 1986, ainda não tem garantidos direitos fundamentais para o exercício da profissão, como o piso salarial. “O que afeta de forma mais impactante o setor é o piso salarial porque impacta na renda do trabalhador, o que faz com que ele adquira dois, três empregos, e é aí que ele perde sua saúde.”
“Longas e excessivas jornadas de trabalho relacionadas à baixa remuneração, sem o piso, deixa o profissional à mercê das instituições, principalmente as privadas, que tendem a pagar menos, de acordo com uma política de mercado”, comenta Almeida.
Conforme ele, para adquirirem uma renda minimamente digna, os profissionais têm que exercer dois ou mais empregos. “Isso afeta tanto na qualidade de assistência que é prestada para o próprio paciente quanto para a qualidade de vida e lazer do profissional, que não tem tempo para cuidar da própria saúde.”
Ele destaca que os profissionais de enfermagem, por trabalharem excessivamente em longas jornadas de 12, 18 e 24 horas para mais, deveriam, por lei, ter garantido no local de trabalho um espaço físico para descanso mínimo de uma hora. “Não encontramos isso nas instituições de saúde do País atualmente.”
“Aliado à baixa remuneração, o duplo vínculo empregatício sobrecarrega demais esse profissional, o que acarreta o desenvolvimento de doenças não só de ordem física, como doenças osteomusculares, problemas de coluna e de lombar, dores crônicas, mas também o adoecimento de ordem mental, como depressão, crises de ansiedade e de pânico, síndrome de Burnout, e de patologias psicossomáticas. É o caso do workaholic, que é o profissional que está tão patologicamente atrelado ao trabalho, que desempenha sua função de forma compulsiva e excessiva”, alerta o enfermeiro.
Ele tem trabalhado na linha de frente ao combate à pandemia desde os primeiros casos da Covid-19 em Londrina, em março de 2020. “Estive em trabalho dentro das unidades de pronto atendimento, da UTI de referência para Covid, executei diversas funções tanto em nível assistencial, que é o cuidado e tratamento direto dos pacientes, como em nível gerencial, que é a elaboração de protocolos e rotinas, que é o foco da minha especialização em Londrina”, conta.
Durante um ano e meio ele e os colegas vivem com medo. “Não estamos livres do medo, ele nos acompanha constantemente na rotina de trabalho, medo da contaminação, da incerteza do que será o amanhã. Quando a pandemia surgiu, era tudo desconhecido.”
Ele destaca que 50% da força de trabalho do Sistema Único de Saúde (SUS) são de profissionais da enfermagem, e que muitos afastamentos por contaminação e adoecimento durante a pandemia foram de colegas de profissão, potencializando o medo. “Mas em momento algum ouviu-se dizer da enfermagem abandonar o posto de trabalho.”
“Com a chegada do Covid-19, os profissionais da enfermagem tiveram suas angústias históricas potencializadas. Foi um dos únicos momentos que esses profissionais foram vistos dentro do panorama histórico desse país. Por décadas, a enfermagem tem lutado por melhores condições de trabalho e só agora, diante da morte de mais de 760 profissionais da enfermagem no País, nossos problemas foram evidenciados. Agora nos colocaram como heróis e heroínas dessa pandemia, mas, na verdade, é só um desvelar de coisas que já vivenciamos há décadas”, desabafa Laio Almeida, para quem a enfermagem “foi a profissão que mais trabalhou no enfrentamento da pandemia e a que mais morreu por conta da Covid-19”.
Segundo ele, nunca vivenciamos a paralização de nenhum serviço de enfermagem no País porque a classe tem comprometimento e visão de responsabilidade social e profissional, “mas chegou a hora da reivindicação ser mais acirrada”. A enfermagem soma hoje 2,5 milhões de profissionais ativos no Brasil. “Chegou o momento dessa maior classe trabalhadora ser vista, ter vez, voz, visibilidade nas redes sociais, não só reconhecidos como heróis, mas como cidadãos passíveis de direitos fundamentais.”
Para a categoria, as expectativas não são as melhores. Conforme Almeida, pesquisas mundiais apontam para um déficit de cerca de 9 milhões de profissionais de enfermagem até 2030 e essa conta vai afetar a sociedade brasileira diretamente. “Essa manifestação é para que a sociedade veja que estamos presentes em todos os níveis da saúde, que a enfermagem está olhando para o próximo, cuidando do outro, mas esquecendo de si e isso não irá mais acontecer, a enfermagem tem buscado engajamento social e político para defender suas pautas.”
Laio Almeida explica que o profissional de enfermagem é o único que acompanha o indivíduo, o paciente, sua família, a sociedade como um todo, desde o momento que ele nasce até o momento da morte. “A enfermagem é a única que acompanha o paciente 24 horas do seu dia. A todo momento que o paciente estiver numa UBS ou num hospital ele pode sentir falta da presença de qualquer outro profissional, mas ele nunca vai sentir a falta de um profissional de enfermagem. É uma das premissas da nossa profissão: a continuidade do cuidado e o cuidado integralizado.”
Após um ano e meio de pandemia, a classe ainda vivencia os mesmos medos e angústias relacionados à profissão devido à elevada quantidade de mortes de profissionais de enfermagem no Brasil, que foi considerada a maior do mundo. “Ainda tememos por nós, pelos nossos familiares. A maioria das enfermeiras são mães e temem por seus filhos e temem tanto em contrair a doença quanto em transmitir aos familiares.”
Desde o início da pandemia, Almeida teve pouco contato com seus familiares, porque seus pais são idosos do grupo de risco, e isso fez com que ele se isolasse em casa. “É um processo de vivência bastante dolorido. Estar longe do nosso contato social para cuidar do outro e ver que hoje a sociedade não toma todos os cuidados necessários para a prevenção da Covid. Muito triste ver um país que não vacinou nem 15% da população já não adere ao uso regular e obrigatório da máscara.”
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