Trabalho desenvolvido com comunidade já rendeu ataques à instituição ligada à Igreja Católica
Nelson Bortolin
Duplamente minorizados, migrantes e refugiados LGBTQIA+ que chegam ao Brasil encontram acolhimento nas entidades-membro da Cáritas – organização não governamental ligada à Igreja Católica. A instituição tem treinado seus agentes para uma atenção específica sobre esse público.
“Sentimos a necessidade de capacitar os agentes que trabalham de forma direta ou indireta com essas pessoas acerca da temática LGBTQIA+ e fazer um atendimento especializado a elas”, conta Luiza Gagliardi, assessora de Proteção Legal da Cáritas Brasileira Regional Paraná.
O Brasil está longe de ser um exemplo no que diz respeito aos direitos humanos, mas há países piores. “Às vezes, as pessoas vêm para o Brasil porque são perseguidas no país de origem justamente por serem LGBTQIA+”, afirma Luíza.
É o caso do jovem Maiker Gutierrez. Em 2016, ele deixou a Venezuela e foi morar em Manaus, no Amazonas. “Certamente, o Brasil tem um caminho longo a ser percorrido nesse quesito (direitos humanos). Mas quando eu vou fazer uma comparação com a Venezuela, eu me sinto bem mais livre aqui”, diz ele, que hoje mora em Curitiba, onde cursa odontologia na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
“Um dia, eu estava conversando com um amigo numa praça da minha cidade (Valencia, próximo a Caracas). A gente não estava fazendo nada, só conversando. Fui abordado pela polícia. Disseram que eu estava tendo atos indecorosos. A Venezuela é um país bem mais conservador que o Brasil”, relata.
Maiker não descarta migrar novamente caso sinta que sua integridade está ameaçada. Veja no vídeo.
ATAQUE HOMOFÓBICO
No dia 16 de junho, a Cáritas Paraná promoveu um evento digital de capacitação dos seus agentes para atuarem com a comunidade LBGTQIA+. E atraiu o ódio dos conservadores. Palestras tiveram de ser interrompidas porque o espaço virtual foi invadido por pessoas que passaram a fazer xingamentos homofóbicos, racistas e xenófobos. “Começaram a abrir o microfone e fazer pequenos barulhos. Depois compartilharam vídeos e músicas, até que não conseguimos mais controlar o que estava acontecendo. Fomos para um outro link e tentamos continuar”, conta Luíza. Mas não funcionou porque os invasores seguiram atacando.
Além de xingamentos, foram ouvidos gritos de “Bolsonaro 2022”, uma referência à campanha de reeleição do presidente da República no ano que vem. Os organizadores do evento fizeram boletim de ocorrência na delegacia de crimes cibernéticos de Curitiba.
ACOLHIDA
Antes de ir para a Cáritas Paraná, Luíza Gagliardi atuou como professora de migrantes e refugiados na Cáritas de Maringá, onde a instituição mantém uma Escola de Português. “Atendemos pessoas de várias nacionalidades, inclusive de países como Egito, Síria, Marrocos”, conta a assessora. “Primeiro é feito um trabalho de acolhimento. Se a pessoa não é alfabetizada na língua materna, ela entra para um curso de alfabetização. Os já alfabetizados fazem três anos de língua portuguesa”, complementa.

Somente no primeiro semestre deste ano, a Cáritas Paraná, que tem 13 entidades-membro – todas ligadas a uma arquidiocese do Estado – atendeu 4.256 migrantes e refugiados.“Hoje, o principal movimento vem da Venezuela. Mas já tivemos momentos com a vinda mais intensas de haitianos, africanos, pessoas do mundo árabe”, conta a secretária-executiva da instituição, Márcia Ponce.
Ela considera que o idioma é uma das principais dificuldades encontradas pelos migrantes e refugiados, mesmo para aqueles que chegam de países hispânicos. “Nós não entendemos direito o espanhol.”
Mas o preconceito e a xenofobia estão muito presentes no Brasil. “Para muita gente, o migrante ainda é visto como transmissor de doenças, o que é reforçado num momento como o atual, de pandemia.”
E casos de exploração também não são incomuns. “Se os próprios brasileiros às vezes têm dificuldade de acessar moradia, imagine para o migrante. Acontece de a pessoa ter o recurso para pagar o aluguel, mas não ter garantia para oferecer a imobiliária. Acaba alugando direto de proprietários, pagando o dobro do valor normal”, relata Márcia.
Ela considera que a imagem de um “Brasil acolhedor” não é necessariamente verdadeira. “Até há pouco tempo tínhamos uma das leis mais restritivas para a entrada de migrantes.” A lei atual, número 13.445, que dispõe sobre os direitos e os deveres do migrante e do visitante, é de 2017. “Só agora é que tivemos um avanço, com uma legislação mais humanitária.”
Márcia afirma que, num futuro próximo, o mundo terá de lidar com o agravamento das ondas migratórias. “É o que a gente chama de refugiados do clima. Há grandes catástrofes já acontecendo e por acontecer.” A crescente dificuldade de acesso a recursos hídricos, de acordo com a secretária, será um dos principais fatores responsáveis por esse processo.
Foto em destaque: Jana Sabeth/Unsplash



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