Checamos informação que circula por aplicativos de mensagens

Cecília França

Circula por aplicativos de mensagens um texto que classifica o chamado “tratamento precoce com ivermectina e hidroxicloroquina” como responsável pelo fim das mortes por covid-19 em 52 municípios brasileiros. A mensagem, recebida por uma de nossas editoras via WhatsApp no início de junho, é assinada por grupo intitulado “Médicos pela Liberdade”. Com uso excessivo de símbolos, linguagem coloquial e apelativa, a mensagem tem características comuns a notícias falsas que circulam livremente pelas redes. A Lume checou sua veracidade.

Dentre a lista de 52 municípios, sete são paranaenses. Restringimos nossa análise aos cinco com mais de 20 mil habitantes: Foz do Iguaçu, Cascavel, Toledo, Tibagi e Loanda. Fizemos contatos com todas as prefeituras questionando sobre o uso dos medicamentos como tratamento precoce para a covid-19 e a suposta interrupção de óbitos pela doença.

Confira a íntegra da mensagem que circula nos aplicativos de mensagens:

Já são 52 cidades com zero casos de morte por vírus chinês, graças a
ivermectina e hidroxocloroquina no tratamento precoce. Queremos tratamento precoce nos postos de saúde, para nossas famílias! 👨‍👩‍👦‍👦 👨‍👩‍👦‍👦 👨‍👩‍👦‍👦 👨‍👩‍👦‍👦👨‍👩‍👦‍👦 👨‍👩‍👦‍👦 👨‍👩‍👦‍👦 👨‍👩‍👦‍👦
Cidades onde o Tratamento Precoce está sendo disponibilizado:
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01) Porto Seguro (BA);
02) Rancho Queimado (SC);
03) Búzios (RJ);
04) Porto Feliz (SP);
05) São Lourenço (MG);
06) Taquara (RS);
07) Itajubá (MG);
08) Braço do Norte (SC);
09) Toledo (PR);
10) Cristal (RS);
11) Cascavel (PR);
12) São João Nepomuceno (MG);
13) Saudades (SC);
14) Pilar (AL);
15) Uberaba (MG);
16) São Pedro dos Crentes (MA);
17) Foz do Iguaçú (PR);
18) Santa Maria (RS);
19) Itajaí (SC);
20) Vila Velha (ES);
21) Chapecó (SC);
22) Potirendaba (SP);
23) Nova Odessa (SP);
24) Campina Grande (PB);
25) Penha (SC);
26) Mirandópolis (SP);
27) Governador Valadares (MG);
28) Ipatinga (MG);
29) Jaguaré (ES);
30) Maxaranguape (RN);
31) Uberaba (MG);
32) Cacoal (RO);
33) Floriano (PI);
34) Bom Despacho (MG).
35) Coronel Fabriciano (MG)
36) Carmo do Rio Claro (MG)
37) Lupionópolis (PR)
38) NATAL (RN)
39) AREIA BRANCA (RN)
40) MOSSORÓ (RN)
41) APODI (RN)
42) PARNAMIRIM (RN)
43) PARELHAS (RN)
44) Loanda (PR)
45) São Pedro do Paraná (PR)
46) Vitória da Conquista (BA)
47) Itapetinga (BA)
48) Videira (SC)
49) Orizona (GO)
50) Tibagi (SC)
51) Taquara (PR)
52) Limeira (SP)

Vamos prefeitos, passem para o lado de Deus 🙏🏼e abandonem o PLANO DO DIABO!👹 Ainda é tempo!
AMANHÃ PODE SER VOCÊ A PERDER ALGUÉM DE SUA FAMÍLIA!
Médicos Pela Liberdade
Opinião médica livre de censura.
.
Grupo público aberto à comunidade médica, enfermeiros, alunos de medicina e pessoas diretamente ligadas à área da saúde.
https://t.me/liberdademedico
Vamos divulgar maciçamente , vamos encampar essa campanha humanitária !
Ainda dá tempo gente, vamos deixar a politica de lado e salvar o nosso povo .
Divulguem em todos os seus grupos .
Bora vencer essa guerra Brasil 🇧🇷!g

Por meio de sua assessoria de imprensa, a prefeitura de Foz do Iguaçu respondeu: “Pelo sistema municipal não é adotado o tratamento precoce”. Há iniciativas particulares de oferta das medicações do chamado kit-covid na cidade. Sobre óbitos, a assessoria diz que houve dias sem mortes, sendo o último 7 de julho. Ontem, 12 de julho, houve dois óbitos na cidade, totalizando 1.053 desde o início da pandemia.

A Secretaria de Comunicação de Cascavel também negou a informação veiculada pela mensagem: “Não é verdadeira a informação de que Cascavel ‘tem zero casos de morte por vírus chinês’, conforme mensagem compartilhada em grupos, fazendo referência à covid-19. Os medicamentos citados existem nas farmácias básicas do município e a prescrição é de decisão do médico, autoridade sanitária responsável por diagnósticos e definição de tratamentos. Não há orientação da administração municipal para adoção de protocolos específicos, que não sejam da expertise e responsabilidade de cada profissional de saúde”.

Cascavel tem conseguido agilizar a vacinação contra a doença e já tem mais de 70% da população adulta imunizada com a primeira dose contra a covid-19.

Em Toledo, município do Oeste paranaense, também houve campanhas pontuais de oferta de medicamentos do chamado kit-covid, mas, de acordo com a assessoria de comunicação da prefeitura, o tratamento precoce “não chegou a ser adotado como protocolo”. Duas semanas atrás, no entanto, a Câmara de Vereadores aprovou projeto de lei que garante a oferta da ivermectina, cloroquina, hidroxicloroquina, entre outros medicamentos em unidade de saúde destinada a esse fim.

Toledo totaliza 388 mortes por covid-19. O último dia sem óbitos foi 3 de julho.

O município de Loanda, no Noroeste do Estado, tem cerca de 23 mil habitantes e adota o tratamento precoce como protocolo desde janeiro deste ano, quando foi implantado um centro de referência para síndromes respiratórias. “Temos óbitos, mas o número de internamentos é baixo”, diz a secretária de saúde, Ana Paula Alencar. Para ela, as medicações ajudam a controlar a gravidade da doença na cidade, embora “às vezes a população procure tardiamente o tratamento”.

Loanda tem apenas 37 óbitos por covid-19, sendo o último registrado no dia 7 de julho.

A reportagem não conseguiu contato com a prefeitura de Tibagi.

Especialista alerta para ‘fake news’

A jornalista e mestre em Ciência da Informação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), Ana Paula Nascimento, aponta na mensagem características comuns às notícias falsas, dentre elas, a falta de fonte oficial sobre o tema e a ausência de dados oficiais que confirmem a informação. A especialista ressalta que é importante termos consciência da nossa tendência cognitiva de querer acreditar naquilo que reforça o que, de antemão, já acreditamos ou desejamos que seja verdadeiro. Nos estudos sobre desinformação isso é denominado “viés de confirmação”, explica ela.

“Para ‘driblar’ essa tendência, devemos sempre fazer a verificação das informações em sites especializados de checagem e comparar diferentes fontes de informação, observando com atenção a credibilidade das fontes citadas nas notícias”, alerta. Além disso, estamos vivendo uma “crise de credibilidade”, adiciona Ana Paula, em que as pessoas especialistas em determinado assuntos são consideradas menos competentes para opinar do que os leigos, que muitas vezes compartilham a desinformação de forma intencional ou não.

“No caso da notícia específica em análise aqui, já causa certo estranhamento que nenhuma fonte oficial foi consultada para confirmar a informação em destaque e não há a divulgação de nenhum dado oficial sobre o tema. Devemos levar em consideração que a mensagem, aparentemente, surgiu em um serviço de mensagem espontânea que se caracteriza pela troca de opiniões entre leigos, mas isso não minimiza a necessidade de haver dados confirmados do esclarecimento que os autores da mensagem se propõem a fazer”, reforça.

Para a especialista, não há como manter um olhar ingênuo diante do atual contexto desinformacional e “nunca foi tão urgente desenvolvermos nosso senso crítico e conseguir controlar o impulso de repassar as mensagens falsas que chegam até nós”. “A desinformação – intencional ou não – pode ter um alto custo social, prejudicando diretamente a manutenção da vida”, finaliza.

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