O que é o queer? Queer é aquele que cansou de dar murros em pontas de faca. Cansou de tentar responder a um padrão que nunca coube. Cansou de sofrer pra entrar naquela roupa que nunca lhe caiu bem, que apertava, expulsava sua banha pra fora, espremia, amassava, limitava seus movimentos. O queer é aquele que cansou de sofrer, de ouvir nãos.

– NÃO!

– Aqui não te serve, não te enquadra, não te desejamos!

– Aqui, não!

– Esse emprego, não! Neste lugar, não! Deste jeito, não!

– Aqui você não pode! Aqui você não cabe! Aqui você não é bem-vindo!

– O que você está fazendo aqui?

– Se enxerga!

– Se toca!

– Se liga!

E na consciência da sua anormalidade o queer é aquele que se libertou das tentativas de se encaixar. Descobriu que os caixotes que o sistema sexo/gênero e outros caixotes e outras normalizações eram/são verticais, impostos ao seu corpo, que sofria para caber naquele padrãozinho, naquele sutiã, naquela calça jeans, naquele sapato 37, que o pai de Raul Seixas comprou para ele, quando na realidade, seu pé era bem maior. O queer é a liberdade dos loucos, dos anormais. Subverte as lógicas impostas e por isso ameaça.

Quando um queer toma consciência da potência que é ser

Anormal

Fracassado

Bixa

Sapatão

Estranho

Mulher macho

Homem viado

Defeituoso

Louco

Escória

E outros adjetivos tais…

Ele dá um nó no que o oprimia, pois perde o sentido da lógica regulatória social. Dá uma martelada no padrão.

FODA-SE:

O padrão

Os encaixes

Os caixotes

O bom gosto

O limpinho

Os ajustes

As regulações

As disciplinarizações

Os binarismos…

Foda-se esse mundinho limitador identitário em que tentam nos enquadrar.

Foda-se o gueto para o qual tentam nos empurrar.

Sou livre! Somos livres! Somos livres?

Ser livre e em alianças é o que desejam as multidões queer, dos anormais e dos desencaixados. Subvertemos as lógicas capitalísticas neoliberais, rimos da sua “santidade”, do seu bom gosto, do seu casamento “feliz”, da sua promoção, do seu carro novo, da sua nova joia… damos uma banana pro seu cranberry, pros seus bons modos, pras suas cintas modeladoras de apertar barriga, pro seu sutiã apertado.

SIM! Somos punidos por isso! Perseguidos, ameaçados. Pagamos o preço, muitas vezes, com a nossa própria vida, por escancarar o ridículo normativo. Somos valorados como vidas não vivíveis.

Nossa existência multidão queer denuncia hipocrisias, falsidades, aparências, infelicidades.

Nosso mau comportamento – multidão de anormais – joga na cara da sociedade, por trás dos refinamentos, das etiquetas e do seu bom perfume francês…

– Atchim!

(como é doce o seu perfume francês – chega a me dar alergias)

Por trás do seu bom cheiro, há, no fundo, no meio da sua bunda, tem um furo, que insiste em denunciar o seu mau cheiro. Somos o cu do mundo!  O cu que denuncia que cheiramos todos mau. Somos perigosas multidões queer, multidões cuir, multidões cu, que saem peidando na cara da sociedade. Não temos obstruções intestinais ou prisões de ventre. Somos multidões que cagamos pro sistema, pro cis-tema. Pra menos soluços – aqueles que choramos a vida inteira – pra substituir por soluções com nossas risadas frouxas, fracassadas, dissidentes, diz-sonantes.


*Régis Moreira, Comunicólogo Social e Gerontólogo, doutor pela ECA (USP) em Ciências da Comunicação, docente do Depto de Comunicação da Universidade Estadual de Londrina (UEL), onde atua como pesquisador na área de comunicação, envelhecimento e gênero. Pesquisador do Observatório Nacional de Políticas Públicas e Educação em Saúde.

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