Conhecemos Vanessa e “Catarina” em atividade do Consultório na Rua no Morada de Deus, em Londrina

Cecília França

Foto em destaque: Maria de Fátima Florentino, a “Catarina”, cozinhando no Morada de Deus

Entrevistar pessoas que estão ou estiveram em situação de rua é sempre um mergulho em história intensas. Ontem tivemos a oportunidade de conhecer mais algumas delas durante atividade do Outubro Rosa promovida pela equipe do Consultório na Rua no acolhimento feminino Morada de Deus, em Londrina. Composta por médico, enfermeira e psicóloga, a equipe ouviu e sanou dúvidas de saúde e distribuiu kits de higiene para as dez mulheres acolhidas no local.

Vanessa Janisley Vieira, 30 anos, era uma das mais questionadoras. Em meio às perguntas, revelou o desejo de ser mãe. Depois, contou mais à Rede Lume: “Morro de vontade de ser mãe. Acho que o sonho de toda mulher é ser mãe um dia. Eu já perdi dois filhos para as drogas, não segurei a gestação”, lamenta.

Vanessa foi parar na rua aos 12 anos, após uma briga com a mãe. A psicóloga do Consultório na Rua, Sara Gladys Toninato, lembra-se de tê-la encontrado dormindo na calçada aos 13 anos. “Minha mãe brigou comigo, me expulsou de casa e aí aconteceu que eu fui pra rua. Isso faz 18 anos já”, relembra Vanessa.

Ela está no Morada de Deus desde o início do ano, após 11 meses em uma comunidade terapêutica. Retomou os estudos e quer se tornar assistente social. “Quero ajudar os outros da mesma forma que me ajudaram”, explica.

Vanessa Vieira no Morada de Deus. Fotos: Cecília França

Vanessa diz que só conseguiu superar a situação de rua quando teve força de vontade. “Eu me determinei que eu não quero mais. Ninguém consegue ajudar se você não quiser. Eu quis mudar de vida, eu quero mudar de vida e estou firme no propósito”, garante.

Conseguir exercer a profissão escolhida faz parte do plano de superação. “Ainda vou ajudar um monte de gente, o povo que eu já usei droga, que eu já pedi na rua, vão olhar pra mim – ‘Olha, é a Vanessa?’ – e não vão acreditar. Vou surpreender muita gente”.

Ruptura familiar

Enquanto a conversa corria entre os profissionais do Consultório na Rua e as acolhidas, o almoço começava a cheirar na cozinha do Morada de Deus. Maria de Fátima Florentino, 50 anos, ou “Catarina”, como era chamada na rua, era quem manejava as panelas. Ela não sabe precisar quanto tempo viveu em situação de rua, mas sabe que foram muitos anos.

“Me expulsaram da minha casa, tomaram tudo que era meu, eu tive que ir para a rua. Não foi por opção, foi por precaução, de poder viver”, diz ela. No passado, Maria trabalhou com reciclagem, fez salgado e comida para vender. Na rua, passou a cuidar de carros. Mas um problema grave de saúde a obrigou a procurar ajuda.

“Quase que eu ‘bati as botas’, tive AVC (Acidente Vascular Cerebral). Perdi os movimentos do corpo, eu não andava mais. Os outros me davam banho – isso depois que eu fui para o abrigo. Fiz a cirurgia, fui embora com os meus filhos, mas meu irmão tinha me levado sem autorização médica, ele fez me trazer de volta. Aí voltei para a rua”, relembra ela.

Maria quando vivia embaixo de um viaduto. Foto: Sara Gladys Toninato

Da doença, ficaram as sequelas: “Eu ando hoje, eu faço as coisas, mas eu não sinto meu corpo mais”, afirma, dando pequenos apertos no braço.

Camaradagem na rua

Maria diz que é preciso um ajudar o outro para sobreviver na rua e relembra do tempo em que dividiu o espaço de um antigo viaduto com outras 10 pessoas. “Eu fazia comida, mas a gente se ajudava para comprar o álcool e a mistura, porque a cesta básica a gente ganhava”.

Quando precisou voltar para a rua, já doente, Maria acabou conseguindo amparo em uma casa de família, onde ficou por um período. Agora está há mais de um ano no acolhimento. “A gente aqui é como uma família”, afirma.

Ela, porém, tem planos de voltar a viver com os filhos, após alta médica. Para a rua Maria não retorna. “Falta a gente ter força de vontade, porque se não tiver não chega a lugar nenhum. Foi por mérito e por questão de saúde que eu saí da rua. Aquilo não era vida para mim”, resume.

*O Morada de Deus é conveniado com o município, mas os recursos não suprem todas as necessidades. Quem quiser contribuir com produtos ou financeiramente, fale com Danilo, assistente social: (43) 98445-5159

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