Marcos e Débora compartilharam a foto do nascimento do filho Noah em suas redes sociais e foram bombardeados por comentários racistas na internet e nas ruas

Mariana Guerin

Fotos: Arquivo Pessoal

Em 19 de agosto de 2021, o casal Marcos Davis, 30 anos, e Débora da Silva Vieira, 25, celebrou o nascimento do filho Noah, em Goiânia (GO), com uma publicação em suas redes sociais. Qual não foi a surpresa deles ao receber comentários racistas, questionando a cor de pele do recém-nascido, que é mais clara que a dos pais, que são pretos.

O pastor evangélico e a esposa receberam mensagens como: “Tenho minhas dúvidas se o menino é filho deles”, “O menino foi trocado na maternidade”, “Não tem cabimento pais negros gerarem filho branco” e “Estranho a cor do garoto em relação aos pais”.

Marcos chegou a responder alguns seguidores, lembrando que o filho deles é um presente de Deus à família. “Gostaria de conscientizar aqueles que fizeram tais comentários que racismo é crime, machuca, deixa marcas profundas nas pessoas”, disse o pastor, na época.

Incomodado com o ato racista, o casal publicou uma nota de repúdio três dias depois de ter compartilhado a foto do filho com os seguidores e a postagem foi destaque nas mídias nacionais e internacionais. Segue o que diz a nota:

“Não imaginávamos passar por isso, mas infelizmente estamos nos pronunciando com o coração partido para expor uma situação muito desagradável que está acontecendo conosco. Desde quinta-feira 19/08 quando nosso filho nasceu e fizemos uma postagem em nosso feed para compartilhar a chegada dele estamos recebendo alguns comentários ofensivos no post e mensagens sarcásticas no privado.

Mensagens e comentários do tipo:

“Tenho minhas dúvidas se o menino é filho deles”

“O menino foi trocado na maternidade”

“Não tem cabimento pais negros gerarem filho branco”

“Estranho a cor do garoto em relação aos pais”

1-Estamos casados há 7 anos

2-Sou marido de uma só mulher e a @deboradavisoficial esposa de um só homem

3-Como pai, participei de todos os procedimentos desde a entrada na maternidade até a alta ocorrida ontem meio-dia

4-Aos que comentaram: se vocês pesquisarem sobre genes e genética irão entender que isso não é impossível acontecer. Há alguns casos no mundo em que pais negros tiveram filhos brancos

5-A criança pode nascer com a pele clara e mais na frente escurecer. Um dos sinais de que isso pode acontecer é a cor dos testículos do bebê serem mais escura (é o caso do nosso filho)

Enfim, não queríamos nos expor e expor nosso filho dessa forma. Mas isso é inadmissível, é desrespeitoso, é desumano. Se você não tem empatia, tenha pelo menos respeito pela vida e família dos outros. Não use suas mãos, os seus dedos e sua boca para ferir, para atacar os outros através de comentários ridículos como esses. Se é branco, negro, pardo, se os olhos são azuis, verdes, castanhos claro ou escuro não é problema seu. Não somos nós quem definimos isso. Até o momento não abrimos nenhum processo contra essas pessoas que fizeram esses comentários, até porque os perfis provavelmente são fakes. Mas se isso continuar, se outras mensagens aparecerem; iremos tomar as providências necessárias para que essas pessoas sejam achadas e recebam a punição cabível conforme as leis. Que esse tipo de situação não aconteça com outras famílias.”

Atos racistas são criminosos

Davis procurou a Rede Lume para expor a questão neste 20 de novembro, data tão significativa à causa negra. Segundo ele, os ataques na internet cessaram, mas presencialmente o casal ainda tem que lidar com pessoas “inescrupulosas e cruéis” nas palavras dele.

“‘O bebê não é pretinho assim como os pais’ disse uma mulher de cor branca e cabelos claros numa hamburgueria em Goiânia. Posteriormente, num shopping, um casal olhando fixamente para nós, disse: ‘Negros não deveriam nem existir’”, comenta Marcos.

Ele reforça que tem vivenciado outras situações de preconceito que prefere não expor. “Em todos os casos, minha vontade é retaliar, mas em respeito à minha esposa e meu filho, e por minha reputação como pastor, decido fechar meus olhos para esse tipo de situação, que acontece constantemente em lugares públicos.”

“É difícil brigar por uma causa que nem mesmo a lei sustenta as punições. Quem ataca sabe que não terá problemas caso a justiça seja acionada”, completa o pastor.

O crime de racismo está previsto na Constituição de 1988 e é inafiançável e imprescritível. Da mesma forma, a injúria racial está prevista no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal, que estabelece a pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la.

Segundo Marcos, quase 70% dos processos por racismo são vencidos pelos réus. “Quem pratica um crime de racismo no máximo ‘ficaria’ preso por três anos. Mas não fica preso. Aqui, o racista fica impune na área criminal. E na esfera cível, o Poder Judiciário condena com indenizações mínimas; não pesa no bolso deles.”

“Na semana em que celebramos o Dia da Consciência Negra, venho a público novamente pedir eficiência nas investigações dos processos relacionados ao racismo/injúria racial para localizar os criminosos e ajudar os processos chegarem até o final.”

“Até quando isso será normal? Até quando continuaremos sofrendo ataques? Até quando teremos nossa liberdade de ir e vir privada? O racismo precisa ser levado a sério, e as punições devem ser mais severas e cumpridas à risca”, finaliza o pastor.

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2 respostas para “Casal sofre com atos racistas por ter filho de pele mais clara”

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