Ô abre alas que eu quero passar pela Inconfidência como confidente, junto com “…Joaquim José/Que também é/Da Silva Xavier…”, mas não é primo do santo. Liberdade, liberdade, com asas abertas sobre todos nós, pois a voz do povo é a voz de Deus!
Este ano não vai rolar em fevereiro, ninguém vai passar. Não vai passar nem a Lira, nem Rosa de Ouro. Não adianta pedir passagem, esse ano não será igual ao que passou. Não tem Banda de Ipanema, Cordão da Bola Preta, não tem Orquestra Voadora, não tem Monobloco, quanto mais Stéreobloco. Não vamos subir para Santa porque As Carmelitas ficarão enclausuradas, rogando aos céus que tudo se resolva aqui na Terra. Não tem Simpatia; o amor se perdeu no estandarte da angústia e da solidão.
O Sovaco de Cristo – saudades do chorinho no Suvaco, assim com ‘u’ mesmo, de Cobra da Penha Circular – será somente o Redentor em sua ‘tarefa hercúlea’ de zelar pela Cidade Maravilhosa, com tantos rotos inconsequentes e esfarrapados irresponsáveis que a transformaram num jardim das perdidas ilusões, como os velhos blocos de sujos que nunca tiveram fantasia. Eles, os blocos, assim como o ‘futebol das piranhas’, pelo menos, traziam alegrias ao povo, uma espécie de Garrincha carnavalesco.
O Baixo Gávea também não é mais igual, mesmo se estivéssemos em festa já não teríamos o chope no Hipódromo e o sorriso do Sassá. Se perderam na multidão, Minas não há mais. Não teríamos o Me Beija que eu sou Cineasta. Já não se beija como d’antes na Santos Dumont. Com as máscaras já não se beija mais em lugar algum. Saudades daquele beijo que, o inesquecível Tavito, tascou em sua amada Celina; virou até música. Então, ninguém leva a mal: o beijo estará liberado no Carnaval, mas só com máscara negra!
Quero matar a saudade num corso ou numa marcha-rancho, perdido em eternas ilusões.
E os bate-bolas, Clóvis suburbanos multicoloridos, genial genuína cultura carioca, onde estarão? Como Vincent Rosenblatt vai registrá-los em prosa e alegria. Como Evandro Teixeira fará contraluzes sensacionais, em preto e branco, naqueles incríveis planos abertos?
Os ensaios nos barracões em retalhos de cetim, purpurina salpicada, escondem as fantasias entornadas pelos chãos. Madureira chorou. Chora de dor, “…Mil paetês salpicando/O chão de poesia/A vedete principal/Do subúrbio da Central foi a pioneira…”.
Este ano seremos palhaços das perdidas ilusões, num Carnaval que não existirá, ou na transgressão, acontecerá duas vezes como em 1892 e 1912, com máscaras negras de pesar pela festa que acabou e o povo sumiu drummonianamente. Meno Male! Quando fevereiro passar as polêmicas em relação às fantasias politicamente corretas ou incorretas dos nomes de blocos ofensivos e das músicas e marchinhas de conteúdo homofóbico, misógino, sexista, racista e preconceituoso não inundará às redes sociais com acaloradas discursões. Bailarina pode? Pirata então…
Vou de Pierrô e ela de Colombina, não pode? Mas é Carnaval, não me diga quem é você, seja o que Deus quiser. Peter Pan e Sininho, podem? O que pode afinal?
Também não seremos testemunhas de quantos blocos os amigos seguiram. Não haverá postagens nem mensagens de onde cada um está. É bem capaz de que assistiremos a bailinhos residenciais em lives intermináveis, algumas delas chatíssimas, blocos e mais blocos com o lema “concentra [na sala] mas não sai” e retiros espirituais nas varandas e jardins de casa. Vai ser um “oṃ maṇi padme hūṃ” uníssono e vibrante anunciando o fim da pandemia.
As marchinhas andarão pelas JBLs da vida. Qual será o grande sucesso? É ano de eleição! Oremos! O Sambas-enredo e as temáticas brasileiras sergioportianas. “…Assim se conta essa história/Que é dos dois a maior glória/A Leopoldina virou trem/E dom Pedro é uma estação também/Oô, oô, oô, o trem ‘tá’ atrasado ou já passou”. Vão tonitruar? O trem passou na história, perdemos o bonde.







A Passarela da Sapucahy estará iluminada em homenagens, luzes especiais, uma avenida sem o colorido das fantasias.
Pista e arquibancadas formando o bloco da solidão. Somente o surdo de marcação repleto de banzo, melancólico, triste, angustiado e misantropo. Mesmo com o palco iluminado, apagado pela soturnidade, a apoteose se mostrará infinita e as estrelas brilharão nos céus.
Também não terá a célebre frase anual, justificativa da espera para negócios e acontecimentos e da mornaça dos dois meses que abrem o ano. “O ano só começa [comercialmente falando] depois do Carnaval”.
Agora é que Momo chora, se não temos folia, o ano não começará? Frase de efeito talvez. Haja vacina no braço, haja Carnavais, haja fôlego.
E quarta-feira, um ano inteiro em cinzas, mas 2023 logo chegará, com muita vacina no e sem pandemia. Deixa o dia raiar, amanhã voltará tudo ao novo normal. A águia altaneira da Portela será Phenix, ressurgirá dessas cinzas, o conde, fantasia de plumas azuis. Batam palmas, aplaudam quem sorri, independente se você vai na pista ou na galeria, a Tabajara do Samba estará lá!
Nos restará chorar um rio de lágrimas, derramar nossas mágoas pelo Rio que passou em nossas vidas, nos guardando para quando o Carnaval de 23 chegar e botarmos nosso bloco na rua com ginga e gemedeira.
Porque o Carnaval deste ano, dizem, será Tiradentes, temática de tantos enredos. Será? ‘Tô’ me guardando para quando ele chegar! Abril é logo ali porque o lema é “fazer amor, não a guerra”! Eu ‘tô’ putim com o Vladmir. Sai da frente que eu quero botar meu bloco na rua cheio de paz e alegria.
E agora José Pereira, para onde?
*Carlos Monteiro é cronista, jornalista, fotógrafo e publicitário carioca. Flamenguista e portolense roxo, mas, acima de tudo, um
apaixonado pela Cidade Maravilhosa.
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