Em discurso no assentamento Eli Vive, ex-presidente ressaltou necessidade de combater a pobreza: “Fome é uma doença que não dói aos olhos de quem não sente”
Cecília França
Foto em destaque: Lula em evento no Eli Vive, em Lerroville/Filipe Barbosa
Combater a fome, recuperar a soberania nacional e derrotar o fascismo são prioridades apontadas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para um eventual novo mandato. Lula abordou os temas ontem (19), em discurso no assentamento Eli Vive, em Lerroville, distrito de Londrina, durante o evento Jornada de Solidariedade: Rumo aos Comitês Populares, iniciativa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em apoio à sua candidatura.
O evento reuniu cerca de 7 mil pessoas, segundo o MST. Acompanharam a visita a presidente nacional do PT, deputada federal Gleise Hoffman; o ex-governador Roberto Requião, recém-filiado ao PT e pré-candidato ao governo do Paraná; o dirigente nacional do MST, João Pedro Stédile; o economista Eduardo Moreira e a chef de cozinha, apresentadora e ativista da alimentação saudável Bela Gil.
Foi a primeira visita de Lula ao Paraná desde que ele saiu da prisão, dois anos e quatro meses atrás. Em seu discurso, o ex-presidente lamentou a volta da fome e o aprofundamento da insegurança alimentar entre os brasileiros.
“O Paulo Freire dizia que toda criança que come fica inteligente. Porque se a criança não come ela não tem sequer capacidade de desenvolver a sua inteligência. E toda pessoa que come fica bonita. Toda pessoa que está com fome não pode ficar bonita porque a fome é feia e a gente não pode se acostumar com a fome. A fome é uma doença que não dói aos olhos de quem não sente. É uma das coisas mais bárbaras que a humanidade deixou acontecer com ela. E é mais grave porque a gente tem capacidade de produzir alimento para todos os seres humanos e, mesmo assim, ainda tem 900 milhões de seres humanos que vão dormir todos os dias sem comer. E só no Brasil, além de 19 milhões de pessoas que estão passando fome, você tem mais 116 milhões de pessoas que estão com problema de insuficência na sua necessidade de segurança alimentar”.
O ex-presidente destacou que a crise alimentar ocorre pela queda ou falta de renda, porque “não tem dinheiro para as pessoas comprarem”. “Todo mundo adora entrar no supermercado e comprar com fartura tudo aquilo que ela precisa, levar para casa para sustentar a si, sua família e, quem sabe, guardar um pouquinho para quando a gente passear lá e visitar vocês”.

Lula criticou Jair Bolsonaro (PL) e o ex-juiz e pré-candidato à presidência Sérgio Moro (Podemos), que, de acordo com ele, desconhecem a realidade brasileira.
“Essa gente, me desculpem, não está preparada para cuidar desse país, porque a primeira coisa que tem que fazer é entender: entender como é que vivem as pessoas, entender a alma de cada um quando está desempregado. Porque na vida da gente, quando está tudo bem, é maravilhoso, mas quando as coisas estão ruins, às vezes as pessoas desaprenderam a ser solidárias, as pessoas foram perdendo a sensibilidade. O humanismo está perdendo para o algoritmo. Nós que temos alma, pensamento, sentimento; nós que deveriamos ter só afeto, estamos perdendo para os algoritmos”, declarou.
“Nós temos uma fábrica de mentiras nesse país, contando mentira todo dia, 24 horas por dia. O Bolsonaro conta sete mentiras todo santo dia. E quando não está contando mentira está fazendo desgraça, vendendo o país, quebrando o país. Esse cara não visitou uma família que morreu de covid; esse cara não teve uma palavra de afeto para ninguém que morreu; esse cara desrespeitou a ciência; esse cara montou uma verdadeira quadrilha no Ministério da Saúde para comprar vacina, mesmo negando a vacina”.
Para o ex-presidente, tanto o atual governo quanto o Congresso Nacional estão alinhados com pautas “anti nacionais” e “anti povo”. Ele releva planos de retomar a política externa adotada em seus governos anteriores.
“Nós precisamos recuperar a soberania brasileira. Um país soberano cuida do seu povo; um país soberano cuida da educação, cuida da saúde; num país soberano o governo decide tomar conta da suas fronteiras, das suas riquezas minerais, das suas florestas, das suas águas, dos seus alimentos. Um governo soberano é aquele que cuida do seu povo em primeiro lugar e depois fica quiet, ou vai tentar ajudar os outros que precisam mais do que ele. É por isso que tenho vontade de recuperar aliança na América do Sul, voltar a ter uma relação com a África, porque o Brasil pode ajudar o povo africano, o Brasil tem uma dívida histórica de 350 anos com o continente africano, 350 anos de escravidão e a gente ainda vive nos dias de hoje o preconceito igual a gente via 100 anos atrás”, lamentou.
Sobre a política econômica, Lula afirmou que os mais pobres serão o centro. “Eu tenho tentando simplificar porque você não pode dizer tudo que vai fazer (em política econômica), se disser você não faz. Então eu tenho dito o seguinte: a solução nossa vai ser, primeiro, colocar o pobre no orçamento. E a gente vai, em contrapartida, colocar o rico no imposto de renda. Ele vai ter que pagar de acordo com o que ele ganha”.





‘Povo vai dar um golpe no fascismo’
Lula conclamou a militância a unir esforços para eleger não apenas ele para a presidência e Roberto Requião para o governo do Estado nas eleições de outubro, mas também para renovar o Congresso Nacional com deputados federais e senadores alinhados com suas pautas.
De acordo com ele, seu programa de governo será construído junto com a sociedade. “Por isso, tenho certeza que no dia 2 de outubro o povo vai dar um golpe no fascismo, o povo vai dar um golpe nesses milicianos e a gente vai restabelecer a democracia e o prazer pela vida nesse País. A gente vai voltar a falar de amor, de solidariedade; a gente vai voltar a falar de fraternidade; a gente vai fazer distribuição de livros, vai acabar com essa venda de armas que só interessa a fascista nesse País. As crianças não precisam aprender a atirar, elas precisam aprender a estudar, como aprendem aqui nas escolas dos assentamentos sem terra”.
Em nova crítica ao ex-juiz Sério Moro, Lula enfatizou seu desconhecimento sobre a realidade brasileira. “O que ele entende de povo, o que ele entende de pobreza, o que ele entende do mundo do trabalho, o que ele entende da exploração do povo? Nada! Ele mal e parcamente aprendeu a ler e decorar o Código Penal. Mesmo nos meus processos ele mentiu, porque não teve como me condenar. Então, gente, eu quero voltar porque eu quero provar para mim mesmo que eu poderia ter feito muito mais quando eu governei. E te confesso que não fiz porque, muitas vezes, a gente não sabia como fazer e muitas vezes a gente não tinha uma correlação de força favorável para fazer”, afirmou.
“Não será uma luta fácil. Estamos lutando contra o que há de pior na política brasileira. Estamos brigando contra pessoas com pensamentos fascistas. Nós temos que consertar o País. Eu não tenho problema de fazer o que tiver que fazer”.
Filiado ao PT na noite anterior, durante evento em Curitiba, Roberto Requião confirmou pré-candidatura ao governo do Estado e disse estar “movido pela indignação”. “A indignação quando vejo mulheres ‘assaltando’ carros de lixo para alimentar suas famílias; indignação quando vejo açougues que descartavam ossos inventando ossos de primeira e de segunda para vender aos esfomeados brasileiros, sem salário, sem possibilidade de emprego e de crescimento social. O que eu faço aqui? Sou movido a indignação, mas me alegra quando vejo o MST das ocupações, da energia, da força pela terra, voltado, na crise brasileira, à solidariedade, unindo forças para alimentar o nosso povo e a nossa gente”.
Durante a pandemia da covid-19 o MST tem promovido campanha permanente de distribuição de alimentos nas áreas urbanas periféricas. No Paraná, cerca de 900 toneladas de alimentos e mais de 100 mil Marmitas da Terra já foram partilhadas. O assentamento Eli Vive participa ativamente das mobilizações de solidariedade e faz nova entrega, neste domingo (20), de mais de 60 toneladas de alimentos nas quatro regiões de Londrina.
Criado no primeiro mandato de Lula, o Eli Vive completa 13 anos de existência e abriga, hoje, 501 famílias.
Leia Mais:
Pandemia evidencia caráter solidário do MST
Famílias mais pobres enfrentam o medo de não ter comida
Professoras relatam agravamento da fome e da pobreza entre alunos
‘Comida é ferramenta muito poderosa de transformação’

A apresentadora, chef de cozinha e ativista Bela Gil destacou a importância da alimentação saudável como garantia de exercício pleno da cidadania.
“A comida é uma ferramenta muito poderosa de transformação, política, econômica, social, ambiental, cultural, nutricional. Comer é um ato político. A gente faz política com a comida, para o bem ou para o mal. E para isso acontecer é muito importante que todos e todas tenham a oportunidade de escolher o que comer, a oportunidade de escolher não colocar veneno no prato, a oportunidade de escolher uma alimentação mais saudável”.
Bela lembra que essa escolha está inacessível em um País onde 19 milhões de pessoas passam fome e aponta a democratização da terra como essencial para superarmos a insegurança alimentar. “Acho fundamental pensar no combate à fome para a gente fazer que todas as pessoas tenham acesso a uma alimentação saudável. Para isso acontecer tem que pensar na reforma agrária, a gente tem que combater o mal pela raiz. Porque a gente sabe de onde vem nossa comida: ela vem da terra. E a gente vive num país onde a concentração de terra é enorme, 47% da terra no Brasil está ma mão de 1% da população fundiária. Isso é um absurdo”, finalizou.
Deixe uma resposta