Escrever para crianças, um desafio maior do que podem supor os que não escrevem para crianças. Por isso os especialistas mais sérios condenam a expressão “livro infantil”. O livro não é infantil, no sentido de ser inocente, sem conhecimento ou cultura. Infantilizado tem uma conotação exatamente contrária à do bom livro para crianças. E, creiam, os pequenos leitores são muito exigentes – talvez mais do que os grandes –, e por isso essa escrita desafia os melhores escritores.

Yolanda Reys, colombiana que conheci num evento literário em Belo Horizonte, é sempre citada quando se fala em literatura para bebês. Anos de pesquisa resultaram na convicção de que o bebê se acostuma a ouvir uma história quando o seu cérebro está ainda em formação. Não há melhor receita para se introduzir o gosto pelos livros do que dedicar alguns minutos de qualidade lendo e descrevendo as ilustrações a uma barriga de grávida. Dentro há um futuro leitor e, sendo leitor, um cidadão, um ser capaz de construir seus próprios caminhos.

No Brasil, bons livros são reconhecidos pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) todos os anos. O selo é disputadíssimo pelas editoras e é concedido por dezenas de leitores votantes, profissionais qualificados, aqueles que já leram praticamente todos os melhores livros para crianças publicados no país e sabem o quão é difícil atingir o ponto. Falo desse encantamento inerente a uma obra literária, capaz tanto divertir o pequeno leitor quanto de mostrar, de forma delicada, como a vida é, seus espinhos, as suas agruras.

O livro para crianças não precisa fugir de tema algum. E justamente por isso é comum ser banido de algumas escolas incapazes de compreender a capacidade de aprendizado das crianças. Falar de morte, por exemplo, como em Amigo-peixe-pássaro, de Jalmelice Luz, publicado pela Páginas Editora – a história de um menino apaixonado pelo peixinho de estimação e que se vê obrigado a conviver com a perda quando ele aparece morto no aquário. Outro livro dedicado ao tema, Para onde vamos quando desaparecemos, de Isabel Minhós Martins, pergunta para onde vão as meias sem par, a areia da praia levada pelo vento, o barulho quando tudo fica em silêncio e… nós, quando morremos. O assunto sexualidade, então, é o preferido da censura, e merece um texto à parte.

A literatura tem um poder imenso de introduzir os assuntos mais delicados e importantes na vida de nossos filhos, sobrinhos, netos. Então, dê livros de presente, faça a sua parte. Ainda que, por incrível que possa parecer, as escolas estejam censurando e queimando livros em pleno terceiro milênio.

Voltando aos pequenos, quem quer aprofundar o assunto pode ler As crianças e os livros – reflexões sobre a leitura na primeira infância, das pesquisadoras Érica Lima, Fabíola Farias e Raquel Lopes. Disponível gratuitamente em pdf pela Prefeitura de Belo Horizonte (basta uma pesquisa on-line para encontrar o arquivo).

*Leida Reis é autora de oito livros publicados – dentre eles o romance “A invenção do crime” pela editora Record e “A casa dos poetas minerais” -, sendo três para crianças. Criadora do Clube do Livro Infantil Solidário (Clis) e da Mercearioteca (biblioteca comunitária em BH), fundadora da Páginas Editora, com experiência em curadoria de eventos literários e jurada de prêmios. É também jornalista formada pela UFMG, com 27 anos de atuação.

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