Presas em Londrina relatam a dor do afastamento dos filhos: “Sei que vou sair e abraçar eles, sentir o cheirinho

Cecília França

Foto ilustrativa em destaque: Cecília França/fevereiro 2021

Quando expliquei o motivo da minha presença na Cadeia Pública Feminina de Londrina na manhã do último sábado (7), os olhos das mulheres da primeira cela em que paramos encheram-se de lágrimas. Ouvi-las como mães, era este o meu objetivo. Tive minha entrada liberada junto a voluntárias da Pastoral Carcerária, que fariam, naquele momento, a entrega de lembrancinhas de dia das mães para as 182 encarceradas no local.

Segundo dados do Departamento de Polícia Penal do Paraná (Deppen), 1.623 mulheres encontram-se privadas de liberdade no Estado; 78% delas são mães. No primeiro cubículo, como são chamadas as celas, Maria, Valdete e Joana* me contam há quanto tempo não vêem os filhos – e choram. “Ontem recebi uma foto. Minha mãe me mandou um sedex, veio uma blusa branca, uma foto da minha irmã e, do outro lado, vi meu filho. Beijei bastante ele, falei para Deus abençoar”, conta Valdete, 43 anos.

A foto é de um de seus três filhos, que têm 27, 22 e 18 anos. Ela não os encontra pessoalmente há três anos, mesmo tempo que Maria, 46 anos, também não vê os filhos de 27 e 18 anos. Um está preso e o outro, casado, mora com a esposa fora de Londrina. “Sei que vou sair e abraçar eles, sentir o cheirinho. Mesmo já adultos, cheiro de filho não muda”, emociona-se.

Para Joana, 52 anos, a possibilidade de ver os filhos está ainda mais distante. “O mais velho não vejo há seis anos. Nunca mais vi porque ele está preso também. O mais novo vinha me ver, mas agora também está preso. E minha filha está em São Paulo”, relata.

*Os nomes foram trocados para preservar as identidades das entrevistadas

Mãe de duas meninas, de 9 e 10 anos, Eliete está presa há 5 anos e 4 meses e lamenta o tempo perdido. “Um dos piores processos da minha vida é esse, ficar longe dos filhos. E eu perdi as melhores fases, elas já estão quase mocinhas”, conta, comovida. Aos 34 anos, ela garante que a passagem pelo sistema prisional mudou sua forma de ver o mundo e faz planos para quando sair.

“Espero ter um olhar diferente da sociedade, que me dê oportunidade. Confesso que eu ia em um lugar, dois lugares (procurar emprego), ouvia não e já desistia. Hoje vejo o amor de Jesus por mim, acredito que colocar ele na frente vai me proporcionar um resto de vida bom pela frente, com minhas filhas”.

Tereza divide a cela com Eliete e se prepara para sair neste mês, após 1 ano e 10 meses presa. “Não vejo a hora de abraçar meus filhos (de 17, 14 e 11 anos) e dizer que não vou mais sair de perto. Nunca mais quero saber desse lugar. Tanta coisa que eu não dava valor lá fora…”, lamenta.

‘Única coisa que faz a gente se manter forte’

Eduarda, de 29 anos, divide a cela com Maria, Valdete, Joana e outras oito detentas. Com o trabalho na costura e os estudos ela acumula possibilidades de remição. Mãe de duas meninas, de 7 e 10 anos, Eduarda responde como se sente afastada das filhas.

“Me sinto um nada. Ao mesmo tempo, é a única coisa que faz a gente se manter forte”, acredita. Ela não vê as filhas há mais de um ano. Uma vive com o pai e a outra com uma tia. Na última sexta-feira (6), quando a unidade foi aberta para mães e pais, Eduarda recebeu a visita inesperada da mãe, que não via desde que foi presa, dois anos atrás.

“Ela não apoia (minha vida). Para ela me mandar uma carta demorou 1 ano e 7 meses. Ontem ela veio de surpresa”, emociona-se.

‘Às vezes ela me grita’

Cláudia, 50 anos, tem cinco filhos e uma delas, de 28 anos, encontra-se também detida na Cadeia Pública. Mesmo assim, ela diz que os encontros são raros. “A gente não se vê, não se fala. Às vezes ela me grita. Só no Natal que eu pedi, deixaram eu ir no pátio com ela. Ontem eu pedi de novo e a diretora deixou, por causa do dia das mães”, conta. O encontro aconteceria na tarde deste sábado.

Cláudia é uma das poucas presas que recebe a visita frequente do companheiro, com quem vive um de seus netos, de 3 anos. “Não dá pra explicar (o que sinto), principalmente longe do meu neto. Meu marido vem me visitar e fala que ele quer vir também, isso me acaba”.

Bruna, de 43 anos, tem duas filhas e dois netos que não vê pessoalmente há um ano e seis meses. “Todo dia penso em desistir, mas aí penso lá fora, nos netos e filhos, e dá força”, garante. Como a família mora em outra cidade, as visitas são apenas virtuais e ela também recebe notícias por carta.

“Dá um alívio, mas dá uma saudade também quando recebo”, diz. “Quero aproveitar cada instante, cada minuto quando sair”.

‘Nosso sonho enquanto Pastoral não é um mundo de cárcere’

Cristina Coelho, Valéria Récio, Alice Claus e irmã Carla, integrantes da Pastoral Carcerária, entregaram um kit de shampoo e condicionador – itens indisponíveis no sistema penitenciário – para cada uma das presas como uma lembrança pelo dia das mães, conversaram e entoaram cânticos religiosas. “Estamos aqui em nome da Igreja Católica e ela está em todos os espaços, principalmente onde estão as pessoas que não têm condição de chegar para participar das celebrações, dos momentos celebrativos”, explica Cristina, assistente social aposentada que atuou por décadas no sistema.
As datas comemorativas são momentos sempre lembrados pela Pastoral, por aflorarem a saudade da família e as lembranças. “Normalmente a gente dá uma ênfase nessas datas porque são datas que nós, enquanto seres humanos, valorizamos muito. Então é um momento que lembra família, que lembra o ajuntar-se, estar próximo um do outro, da partilha. Trazemos aqui para dentro também esse momento especial, de relembrar, de falar o quanto é importante que elas estejam lá fora para estar com seus familiares”, reforça Cristina.
A Igreja Católica tem diversas pastorais e a Carcerária atua em todas as unidades, mas com um olhar diferenciado para as unidades femininas. “Hoje, a nível nacional, a pastoral tem uma preocupação especial com a mulher porque ela é mais vulnerável no sistema. Ela é abandonada dentro do sistema porque a nossa sociedade é muito machista, enxerga a mulher como aquela que não pode cometer delitos. Então a Pastoral vem também um pouco cumprir essa função de olhar para esse ser humano que está aqui e que é um ser humano como qualquer outro e merece toda atenção”.
‘Aqui com as mulheres nós olhamos: quais são as necessidade delas para que o dia seja melhor, para que elas possam se reeguer nessa socidade. Porque nosso sonho enquanto pastoral não é um mundo de cárcere, nosso sonho é que elas estejam aqui fora e possam se reconduzir dentro da nossa sociedade’, finaliza Cristina.
Cristina Coelho

Planos para a liberdade

“Eu era cabeleireira, manicure. Pretendo fazer estética quando sair, mas o que vier lá fora eu vou pegando”, garante Eduarda, sobre planos para o futuro. Maria aprendeu o ofício de costureira dentro da cadeia e pretende trabalhar com ele quando sair, e com o sucesso no último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tem planos ainda mais ambiciosos.

“Eu pretendo cursar faculdade, fazer psicologia”, revela. “Eu tenho vontade de voltar minha profissão, de vendedora”, diz Valdete. “Muambeira”, brinca uma colega de cela. As duas riem.

Leia também: Por dentro da Cadeia Pública Feminina de Londrina

Perfil das mulheres privadas de liberdade no PR

Segundo dados do Departamento de Polícia Penal do Paraná (Deppen), 1.623 mulheres estão privadas de liberdade no Estado; 89% delas têm entre 18 e 45 anos e 78% são mães. Quanto à escolaridade, 31% têm ensino fundamental incompleto, 24% fundamental completo, 18% médio incompleto e 14% médio completo.

Quando uma gestante é detida as consultas e exames de pré-natal ocorrem em um hospital credenciado da rede pública de saúde, onde também acontece o parto. Assim que recebem alta, após o parto, a lactante e o filho vão para a Penitenciária Feminina do Paraná, onde há uma ala materno infantil. Segundo o Deppen, não há desligamento entre mãe e bebê antes dos seis meses.

“Durante a permanência do bebê na unidade, ele fica integralmente na companhia da mãe, na ala materno infantil. Por orientação da Vara da Infância do município, essa permanência do bebê na unidade deve ser durante o período mínimo que assegure a amamentação (por volta de seis meses). Após isso, a guarda provisória é conferida a pessoa indicada pela mãe. Raramente ocorre o desligamento entre mãe e filho. Normalmente a mãe é liberada antes dos seis meses.”, informa o departamento.

A advogada Paula Vicente, da Advocacia Humanista, colunista da Lume, explica os direitos de mães que são presas. Segundo ela, antes de uma eventual condenação, durante a prisão preventiva, mães com filhos menores de 12 anos têm direito a prisão domiciliar.

“As grávidas, mães de menores de 12 anos, responsável por crianças ou pessoas com deficiência terão a preventiva convertida em domiciliar. Essa alteração é de 2018 na Lei 13.769”, detalha. No caso de condenação as mães só têm direito a prisão domiciliar se o regime for o semi aberto; para regime fechado não há o benefício.

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