Indira Chirinus, que vive em Londrina, conta sua história em roda de conversa do Maio Furta-Cor

Nelson Bortolin

Foto: Indira, ao centro da foto, com camiseta cinza; a seu lado esquerdo, Ericarina Marchan

Segundo a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), existem mais de 5 milhões de refugiados e migrantes venezuelanos espalhados pelo mundo, boa parte no Brasil. São pessoas que fogem da crise humanitária na qual o país vizinho está mergulhado. Trata-se de um dos maiores movimentos migratórios da atualidade.

Olhando desse ponto de vista, a história da jovem Indira Chirinus poderia ser mais uma entre tantas. Mas a série de adversidades que ela enfrentou para chegar a Londrina, em dezembro do ano passado, daria um filme.

Cerca de um ano depois de ter sofrido violência obstétrica ainda na Venezuela, ela contratou um coiote para trazê-la junto com os filhos (um bebê e uma menina de 10 anos) até o Brasil. Foi roubada na cidade venezuelana de Santa Elena, onde daria início à entrada ilegal no Brasil.

Na hora da travessia, perdeu-se da filha. Foi sequestrada ao chegar a Roraima e, já em Londrina, vivenciou assédio moral no primeiro emprego que encontrou.

Indira, que mora na Ocupação Flores do Campo, zona norte de Londrina, contou sua história durante uma roda de conversa na sede da Cáritas, no dia 24 de junho – atividade que faz parte da programação do Maio Furta-Cor.

Ela chocou os demais participantes ao relatar cenas de horror vividas num hospital venezuelano durante o parto do segundo filho. Acometida de pré-eclâmpsia, Indira relatou ter visto outras mulheres morrerem ao seu lado numa sala de parto sem as mínimas condições de atender dignamente nenhuma das pacientes. A própria jovem pensou que iria morrer e ouviu dos médicos que o filho não sobreviveria, prognóstico que felizmente não se confirmou.

Após a roda de conversa, ela resumiu à Rede Lume como foi sua viagem de migração e como tem sido sua vida no Brasil.

O caminho tortuoso da mudança

“Eu estava enfrentando problemas com meu ex-marido e além disso passávamos fome na Venezuela”, disse ela, justificando a mudança.

Após ser roubada na rodoviária de Santa Elena, ela passou 14 dias no local com as duas crianças. Ali acabou conseguindo recuperar parte do dinheiro roubado e contratou o serviço do coiote. Foram R$ 350. “Nos despertaram às três da manhã para atravessarmos para o Brasil. Estávamos sem comida e sem dinheiro”, recorda.

A viagem foi feita debaixo de chuva numa escuridão total. “Perdi minha filha no meio das outras pessoas que estavam atravessando. Não podia chamar por ela porque o homem mandava ficar quieto. O bebê já nem chorava de tão fraco que estava.” A menina logo foi encontrada. Mas o tormento continuou.

Sequestro e cárcere

Em Pacaraima (RR), um homem brasileiro bem mais velho se ofereceu para abrigá-la. “Era uma pessoa de dinheiro que me levou para casa, dizendo que eu iria cuidar da mãe dele”, explica.

O homem desenvolveu uma paixão doentia por Indira e não a deixou sair da casa por dois meses. Ela conta que foi a própria família dessa pessoa que a ajudou a fugir para um abrigo de Boa Vista (RR). “O homem foi atrás de mim e tentou me tirar à força de lá.”

Promessa cumprida

Neste abrigo, onde permaneceu por seis meses, a jovem conheceu o atual companheiro, também venezuelano.  O namorado decidiu vir para Londrina em busca de emprego e prometeu mandar dinheiro para ela e os filhos irem encontrá-lo. “Não acreditei que ele faria isso.” Mas dessa vez a vida foi mais generosa com a venezuelana. O namorado cumpriu a promessa e um mês depois ela tinha as passagens para viajar ao Paraná.

Assédio moral

Indira arrumou emprego de faxineira numa das padarias mais tradicionais de Londrina. Os patrões, segundo ela, eram bem generosos. Mas o gerente, um carrasco. Na empresa, foi acusada pelo chefe de roubar restos de doce que ele próprio a havia autorizado a levar para casa.

A venezuelana afirma ser uma mulher forte, que tem ciência de seus direitos como migrante e trabalhadora. Pensou em processar a confeitaria, mas alega temer prejudicar os patrões. Atualmente, cuida dos filhos e vive com benefícios do governo e ajuda da Cáritas. O marido espera ser contratado por uma grande rede de atacarejo.

Apesar do assédio moral que sofreu, a venezuelana se considera bem recebida pelos brasileiros. No local onde mora, no entanto, tem problema com os vizinhos brasileiros. “Eles têm ciúmes porque às vezes recebemos mais doações.”

Tida como líder dos refugiados, Indira passou a se expor menos na comunidade, com medo de ser perseguida.

Efeitos do desabastecimento

A história da venezuelana Ericarina Marchan, moradora do Novo Amparo (zona norte), é menos traumática, mas também sofrida. Na terra natal, sua família só conseguia comer uma vez por dia. E, devido ao desabastecimento generalizado, tinha de levantar de madrugada para entrar na fila do supermercado e tentar comprar fraldas para as crianças.

“Nem sempre conseguia.” O marido é formado em jornalismo na Venezuela, mas aqui trabalha com reciclagem, sem carteira assinada.

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