Em debate promovido pela Lume, imprensa e Judiciário falam sobre como enfrentar fake news nas eleições de outubro
Nelson Bortolin
Foto em destaque: (da esq. para a dir.) o juiz Maurício Boer, o advogado Arthur Strozzi, e os jornalistas Fábio Silveira e Ana Paula Nascimento/Ricardo Maia
Como enfrentar os impactos da desinformação no processo eleitoral. Este é um dos maiores desafios para a democracia brasileira em 2022 e foi tema do debate promovido pela Rede Lume, com apoio da Rádio UEL FM, Portal Verdade e Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Norte do Paraná, nesta terça-feira (7), Dia Nacional da Liberdade de Imprensa.
Durante cerca de duas horas, participantes do evento discutiram conceitos de fake news, legislação, medidas tomadas pela Justiça Eleitoral, entre outros assuntos, no auditório do Centro de Letras e Ciências Humanas (CCH) da UEL, com transmissão ao vivo pela Rádio UEL e pelo canal do YouTube da universidade.
Mediado pela editora da Rede Lume, a jornalista Cecília França, o debate teve a mesa composta pelo juiz da 41ª Zona Eleitoral de Londrina, Maurício Boer, o jornalista especializado em política Fábio Silveira, a jornalista mestra em ciência da informação Ana Paula Nascimento, e o advogado e representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Subseção Londrina Arthur Strozzi.
A íntegra do debate pode ser vista clicando aqui.
Durante sua apresentação, a jornalista Ana Paula lembrou que as fake news foram fartamente utilizadas na eleição do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e na votação que decidiu a saída da Inglaterra da União Europeia, ambas em 2016. Mas são fenômenos aos quais estudiosos se dedicam há muito mais tempo.
“Os autores que pesquisei consideram que a desinformação é um guarda-chuva conceitual que abarca as fake news”, afirma a jornalista.

O termo desinformação como arma política também não é nada recente e, segundo Ana Paula, ganhou força durante a Guerra Fria (1947 a 1991), como forma de os oponentes (EUA e União Soviética) tentarem se enfraquecer.
Segundo a jornalista, a desinformação é “quase um risco cognitivo” ao qual todas as pessoas estão sujeitas. “Com tanta informação a que temos acesso, às vezes a gente guarda apenas a parte que achou mais importante. Alguns autores dizem que a desinformação faz parte do ser humano. O problema é quando ela vai além de uma falha cognitiva.”
Na psicologia, segundo ela, esse fenômeno é chamado de viés de confirmação. “Tendemos a acreditar naquilo que a gente previamente concorda. Para lutarmos contra as fake news, precisamos exercitar nossa desconfiança.”
A verdade factual
O jornalista e professor da UEL Fábio Silveira ressaltou que o “embate das fake news também é um embate” contra o jornalismo e os jornalistas. “Vivemos uma escalada de ameaça a jornalistas num nível que não tivemos desde o processo de redemocratização (1985).”
Silveira também salienta que a desinformação é uma discussão antiga e cita que a primeira tese acadêmica sobre jornalismo – ainda no século 17 – tratava da preocupação de que a profissão retratasse a realidade.
As fake news, nas palavras de Silveira, são uma transformação na forma de mentir e tem como um dos pontos mais característicos a tentativa de disfarçar a autoria da desinformação. “Geralmente as mensagens são passadas como se fossem jornalismo.”
O lado bom, segundo ele, é que, atualmente, há conhecimento acumulado para enfrentar a disseminação das notícias falsas muito mais que em 2018, quando o presidente Jair Bolsonaro foi eleito, e que em 2016, quando o processo eleitoral nos Estados Unidos e o Brexit tiveram como elemento surpresa a disseminação organizada de fake news. “(Hoje) Sabemos o risco e como enfrentar o problema.”
Silveira citou o conceito da filósofa Hannah Arendt sobre verdade factual. “Nós não estamos falando em jornalismo na verdade religiosa. Não vamos chamar de fake news alguém que diz que um sujeito chamado Moisés apontou o cajado e abriu o Mar Vermelho. O que sobra para nós jornalistas é discutirmos a verdade factual dos acontecimentos.”
Ela ressalta que, segundo Arendt, a verdade factual precisa estar fora do templo político e que cabe a instituições como o Poder Judiciário, a academia e a imprensa resguardarem a verdade dos fatos. E são justamente essas as instituições mais atacadas no processo de desinformação. “A verdade factual é importante, mas é frágil frente ao poder. Estamos vendo isso na prática.”
O caso Francisquini
O representante da OAB Arthur Strozzi abordou o caso do deputado estadual Fernando Francisquini, cassado por disseminação de notícias falsas nas eleições de 2018. Nesta terça-feira (7), a segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF) havia derrubado a decisão monocrática da véspera, do ministro bolsonarista Nunes Marques, que havia devolvido o mandato ao paranaense.
“No dia 7 de outubro de 2018, dia do primeiro turno das eleições, faltando 22 minutos para o término da votação, o então deputado fez uma live no Facebook dizendo que haviam sido identificadas duas urnas fraudadas ou adulteradas”, relembra.
Francisquini disse que dispunha de documentos para comprovar que as urnas não permitiam o voto no então candidato a presidente Jair Bolsonaro. “O deputado disse que quem votava em Bolsonaro nessas urnas tinha o voto computado para o Haddad (Fernando Haddad, candidato do PT derrotado por Bolsonaro no segundo turno).”
Ao final da votação, a perícia mostrou que de 150 votos válidos para presidente naquelas urnas, 115 foram para Bolsonaro e apenas três para o adversário petista. “Uma fake news quando direcionada a uma pessoa, ela pode resultar num processo criminal ou num direito de resposta. Mas quando a vítima da fake news é a própria democracia?”, questiona o advogado.
Ele lembrou que o mandato de Francisquini foi cassado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por 6 votos contra 1. Outros três parlamentares foram cassados pelo mesmo motivo.
Confiança no sistema
O juiz da 41ª Zona Eleitoral de Londrina Maurício Boer destacou que a Justiça Eleitoral tem grande preocupação com as notícias falsas que induzem o eleitor a não acreditar no sistema eleitoral. “Na medida em que não confiam que nosso sistema é seguro, a própria Justiça eleitoral vai estar desacreditada.”
Nos últimos anos, a instituição vem buscando meios para informar a população sobre a confiabilidade do sistema eleitoral e combater quem desacredita o processo.
“Especificamente em meados de 2019, o TSE passou a tomar medidas para combater a desinformação com um programa de enfrentamento com foco nas eleições municipais de 2020. Fizemos parcerias com plataformas digitais, com WhatsApp, Facebook, Instagram, para tentar monitorar o que trafega nessas redes, identificar notícias falsas e excluí-las.”
No ano passado, esse programa tornou-se permanente. O juiz ressaltou que o site do TSE tem espaço no qual o eleitor pode checar se a informação é verdadeira ou boato.
Ele lembrou que nesta terça-feira e quarta-feira (7 e 8), o TSE realizou o encontro “Plataformas Digitais e Partidos Políticos: o enfrentamento à desinformação como instrumento de promoção da democracia”.
Boer disse que o Telegram, rede social internacionalmente considerada mais refratária ao combate de fake News, acaba de anunciar medidas inéditas que serão implantadas primeiramente no Brasil com objetivo de monitorar conteúdos falsos.
O magistrado também falou sobre a preocupação do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Paraná, que criou o projeto de checagem Gralha Confere – do qual a Rede Lume faz parte e pelo qual os eleitores podem tirar dúvidas sobre informações relacionadas às eleições.
O juiz lembrou que a Justiça Eleitoral na cidade foi vítima recente de fake news. Informações de que idosos teriam de renovar seus títulos de eleitor circularam nas redes sociais causando tumulto no final do prazo para regularização eleitoral, dia 4 de maio.
“Pessoas de idade que trabalham na lavoura perderam dia de trabalho e pegaram condução para vir a Londrina achando que precisavam regularizar seus títulos. Foi uma ação criminosa”, contou.
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