Além da infraestrutura precária, moradores da ocupação em Londrina reclamam de difamação promovida pela mídia e pelo poder público
Nelson Bortolin e Cecília França
O Flores do Campo virou sinônimo de violência e bandidagem no imaginário do londrinense. O estigma, que em outras épocas marcou bairros como o União da Vitória e o Novo Amparo, agora recai sobre os moradores da ocupação da zona Norte. Discriminação e preconceito são queixas mais recorrentes no local que a própria falta de infraestrutura.
“Bandido tem em todo lugar, inclusive na Gleba Palhano. Aqui a maioria é trabalhador. As pessoas saem 5 e meia da manhã para trabalhar e voltam 7 e meia da noite. Estou muito triste porque estou vendo tudo isso acontecer”, afirma a moradora Ana Tércia Santos, que tem uma pequena venda no bairro.

O Flores do Campo é um residencial do programa Minha Casa Minha Vida, cuja construtora faliu durante a obra. A área pertence à Caixa Econômica Federal, que move uma ação de reintegração na Justiça. Estima-se que 500 famílias vivam atualmente na ocupação, cujas casas estavam em diferentes estágios quando as obras foram paralisadas. Há unidades praticamente acabadas e outras que ainda nem contam com reboco e janelas.
A infraestrutura local é muito precária. Não há asfalto, nem serviços básicos como escola, saúde, coleta de lixo e transporte público.
“Se o ônibus entrasse aqui embaixo era tranquilo”, afirma Ana Tércia, que mora com o marido, uma tia idosa e dois dos quatro filhos no bairro. “Minha filha trabalha num xerox perto do Catuaí (shopping) e praticamente se mudou para a casa de uma amiga. Não tem como vir do trabalho de ônibus à noite, atravessar o matagal para chegar em casa. É muito perigoso”, reclama ela, que foi uma das primeiras a ocupar o local. “Vim para cá porque estava desempregada, não tinha como pagar aluguel”, conta.

A possibilidade de despejo atormenta os moradores. “Não tem como eu ir para a rua. Minha tia tem 78 anos e nem consegue mais andar”, afirma Ana Tércia. Questionada sobre o movimento da venda, ela diz que “dá para sobreviver”.
Outra moradora, que está há cinco anos no Flores e preferiu não se identificar, reclama que a mídia “generaliza” os moradores do bairro como bandidos. Para ela, há uma intenção das autoridades em sujar a imagem da ocupação. “Ficam falando que aqui é perigosíssimo, que só tem criminoso. Se ninguém presta, eles podem jogar a gente na rua. Ninguém vai ficar com dó”, alega.
Antes de se mudar para o Flores, ela vivia no Conjunto Violin, onde pagava R$ 650 de aluguel. “Não aguentei mais”, conta. Uma das propostas recentes do Poder Público para retirar as famílias do local foi o pagamento de um auxílio aluguel no valor de R$ 300. “Onde a gente vai conseguir morar com esse valor?”, questiona a moradora.
Segundo moradores, a situação piorou depois que um corpo foi encontrado em um chiqueiro da ocupação, no mês de maio. Com o estigma de lugar perigoso, as doações de roupas e alimentos despencaram.
A moradora que preferiu não ser identificada diz que a discriminação é um dos piores problemas da comunidade. “Se você vai procurar um emprego e diz que é do Flores você não consegue. Se entra numa loja e fala onde você mora, te olham torto. Não somos bandidos, somos pessoas honestas.”
Pequena Venezuela
Mais recentemente o Flores do Campo começou a receber inúmeras famílias venezuelanas, que vêm para Londrina em busca de oportunidades. Fugindo de uma situação pior na terra natal, eles se dizem bem contentes, ao contrário dos moradores brasileiros.
“Aqui é muito melhor. Na Venezuela, a gente passava fome, não tinha escola para os filhos, não tinha direito à saúde, não tinha medicamento”, conta Bárbara Corina, que chegou à cidade há pouco mais de um ano e trabalha com carteira assinada como faxineira numa clínica veterinária.

“Quando chegamos aqui nos doaram muita coisa. Fomos muito bem recebidos”, alega. O risco do despejo também angustia os refugiados. “Estão falando que vão tirar os moradores daqui, sobretudo os da Venezuela”, declara.
Bárbara vive no local com o marido e a filha de 9 anos e tem como vizinhas a sogra e uma cunhada, que diz ser a primeira venezuelana a chegar na ocupação, há cerca de dois anos. Sobre perspectivas de retorno para a terra natal, Bárbara diz que dependeria muito da melhoria da situação econômica e social da Venezuela.
Morte de bebê
Na última quarta-feira (15), um bebê de apenas quatro meses, filho de pais venezuelanos, morreu no Flores do Campo. Moradores apontam o frio como causa, já que a família havia chegado há poucos dias no bairro e tinha poucos pertences. No laudo, a morte consta como de causa não identificada.
A tragédia gerou uma onda de solidariedade para com os moradores, que passaram a receber muitas doações. Uma casa desocupada no bairro foi escolhida para armazenar as roupas e alimentos recebidos. A necessidade é constante e quem puder contribuir, pode procurar a Silvana Mariano: (43) 98846-6649.
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