Aos 15 anos, Davi Gregório levou vários tiros em uma ação policial em Londrina na semana passada
Cecília França
Foto em destaque: O adolescente Davi Gregório/Arquivo da família
“Parece que meu coração está rasgado e pingando, é uma dor que dá falta de ar”, define Marilene Ferraz da Silva Santos, mãe do adolescente Davi Gregório Ferraz dos Santos, de 15 anos, morto em uma ação da polícia militar na última quarta-feira (15). O caso, divulgado como confronto, ocorreu na Vila Recreio e até hoje Marilene e o esposo, Reginaldo, não tiveram acesso aos pertences de Davi, nem ao boletim de ocorrência e ao laudo do Instituto Médico Legal (IML), que pode comprovar quantos tiros vitimaram o adolescente.
O irmão mais velho de Davi, João Victor, e outro parente chegaram a vê-lo antes do velório e contaram entre 10 e 11 perfurações no corpo. “Eles disseram que tinha dois rasgos no peito, próximo aos mamilos, de saída de bala. Os outros furinhos no abdomen, 8 ou 9, eram de entrada. No sepultamento a mão dele estava bem enfaixada também”, relata a mãe.
Apesar da dor da perda do filho ela espera ter acesso aos detalhes da ocorrência. Ela e a família não acreditam na versão de que Davi tenha apontado uma arma para os policiais após correr para dentro de uma residência. “Meu filho não tinha arma. Ele pode ter ido lá para adquirir droga, a gente não sabe. Meu marido diz que Davi não tem capacidade para empunhar uma arma”, acredita Marilene. “Também não tinha informação de tiros que ele tenha dado, atingiu quem?”.
No relato enviado à imprensa, intitulado “Confronto armado”, a PM relata que: “A equipe deslocou até o local para averiguar uma denuncia de tráfico de drogas, no local a guarnição se deparou com dois indivíduos os quais empreenderam fuga para o interior da residência, sendo que um deles se evadiu pelos fundos do imóvel, o outro já no interior da residência veio a apontar uma arma de fogo em direção aos policiais, que imediatamente revidaram a eminente e injusta agressão. O indivíduo foi alvejado e na sequência foi acionado o siate, onde foi constatado o óbito no local.”
Parte da imprensa chegou a divulgar que “um homem” havia morrido em confronto, mudando depois para “adolescente”. Em um programa de televisão, Davi foi descrito como um criminoso e sua morte foi motivo de zombaria, o que causou revolta na família.
“Eu estou falando com você agora porque estou obstinada a propagar a boa imagem dele. Foi um escárnio o que fizeram. Eles chocaram muito. Mesmo que não faça retratação, tenho certeza que meu filho não é um criminoso”, desabafa Marilene.
“Magoou muito nosso coração ver a maneira como ele foi exposto. É uma tentativa de defender a imagem do meu filho. Também para ser ouvida, para chegar a muitos lugares, para que autoridades, a mídia, todos possam ouvir. A intenção é diminuir a injustiça. Não desejo que nenhuma mãe passe por isso”.
À Lume o IML informou que o laudo encontra-se em fase de elaboração e deve ser concluído até o fim desta semana.

Adolescente era estudioso e frequentava a igreja
Davi foi criado na religião católica, frequentou a catequese e atuou como coroinha até agosto de 2021, quando pediu para se afastar da função. Ele chegou a manifestar interesse em ser padre quando tinha 11 anos. Marilene faz questão de contar a trajetória do filho com orgulho e assume que, durante a pandemia, notou mudanças no comportamento dele. Um dia, ele lhe contou que estava fumando maconha.
“Ele falou ‘Mãe, estou muito diferente?’ Eu disse: ‘Está muito respondão’. Ele falava que queria conversar, mas deixava para amanhã. Ele falava ‘Você vai chorar’. Um dia ele escondeu o rosto no travesseiro e falou que fumou maconha. Eu cheguei a levar ele para consultar no posto, o médico deu umas orientações, conversou com ele”, relembra a mãe.
“Ele sempre foi muito estudioso, conseguiu uma sala no ensino técnico na escola estadual dele. Senti um orgulho muito grande porque ele teve notas muito boas, na média do 5 ao 9 ano. A Unopar também sorteou uma bolsa na Unopar do Piza, ele ganhou e estava gostando”, conta Marilene.
No final de 2021, Davi foi abordado por policiais com uma quantidade de maconha. Ele tentou se desfazer da droga, mas acabou flagrado e encaminhado para cumprimento de medida socioeducativa. Com a sua morte, a ocorrência, que deveria ser sigilosa por sua condição de adolescente, foi tratada como antecedente criminal por veículos de imprensa.
“Gostaria que o advogado pudesse acompanhar para ter o laudo do perito, gostaria que ficasse provado que ele não tinha arma, não tinha pólvora na mão. Apesar de muito duro, quero detalhes do acontecimento, saber onde o corpo dele estava exatamente. Eu quando estive na beira do corpo dele, eu peguei no braço, eu não tenho certeza como estava o braço dele. Queria entender a faixa na mão. Saber porque a roupa dele foi incinerada, o celular onde está”, questiona Marilene.
Mortos em ações policiais em Londrina
Londrina registra altos números de mortos em supostos confrontos com as forças policiais. Em 2021 foram 32 mortes, contra 58 no ano anterior e 36 em 2019. Os dados são contabilizados pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). As principais vítimas no Paraná são jovens de até 29 anos e negros (não há estatísticas locais).
Menos de seis horas após a morte de Davi, outro jovem, de 25 anos, foi morto em confronto em Londrina.
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