Manifestação fez parte de um ato nacional que pediu justiça pelo indigenista Bruno Araújo Pereira e pelo jornalista inglês Dom Phillips, mortos no Vale do Javari, no Amazonas
Mariana Guerin
Fotos: Filipe Barbosa
A greve geral de servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) por justiça pelo indigenista Bruno Araújo Pereira e pelo jornalista inglês Dom Phillips Bruno mobilizou diversas lideranças indígenas em todo o território nacional nesta quinta-feira (23). Em Londrina, o ato reuniu o Coletivo de Jovens Nen Ga, da Terra Indígena Apucaraninha, por volta das 15 horas, no Calçadão.
O movimento, organizado pela Associação dos Moradores da Terra Indígena Apucaraninha, lembrou ainda a questão do Marco Temporal, que seria retomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta, mas foi retirada de pauta. Pelo critério do Marco Temporal, indígenas só podem reivindicar a demarcação de terras que já eram ocupadas por eles antes da data de promulgação da Constituição de 1988.
Para o secretário da associação, Ivan Bribis Rodrigues, esta medida é inconstitucional. “A gente vem há muito tempo questionando, desde a PEC 215, das condicionantes de Raposo Serra do Sol que criaram no SFT, essa inconstitucionalidade que nós, povos indígenas, analisamos com relação ao Marco Temporal.”

“O Marco Temporal nada mais é que nós, indígenas, teríamos que estar naquele momento da promulgação da Constituição, em 1988, nas terras. Correto, até concordo. Mas como, se algumas comunidades foram retiradas pela mão do Estado. O Estado foi e retirou e aldeou elas em outras terras indígenas. Como essas pessoas iriam estar presente em suas terras em 1988?, questiona.
“Isso é inconstitucional, por isso nós, povos indígenas do Brasil todo, estamos mobilizados. Não podemos compactuar com algo que o Estado cria e depois quer, através da própria Constituição Federal, distorcer”, declara Ivan, citando os casos das aldeais paranaenses YwY Pora, em Abatiá, e Boa Vista, em Laranjeiras do Sul.
“Focamos também a questão do Vale do Javari, as mortes de Bruno e Dom. Isso é grave: um servidor da Funai licenciado e um repórter que fazia uma cobertura para um grande jornal europeu. Isso é inadmissível. A responsabilidade tem que ser apurada e, se existe culpado, essa pessoa tem que ser penalizada exemplarmente”, diz Ivan.
Segundo ele, a imprensa focou nas mortes violentas de Bruno e Dom porque o caso envolveu um repórter de uma mídia internacional, “mas existem várias mortes indígenas que nem chegam ao conhecimento da sociedade brasileira”, denuncia.
“A questão da mineração, a questão madeireira, avançam pela Amazônia e isso, para nós, povos indígenas, tem que ter um limite. E o limite é a consulta a esses povos. E dificilmente existe um que concorda”, completa o líder Kaingang.
Para o coordenador do Coletivo de Jovens Nen Ga, Anilton Ayn My Lourenço, o Marco Temporal não representa um projeto indígena. “Conseguimos vir fazer nosso ato aqui, hoje, em meio a uma mobilização no Brasil inteiro. Nós estamos fazendo a nossa parte na região de Londrina. Esse projeto Marco Temporal não nos representa. Nós estamos nessa luta.”
“Sei que os apoiadores indígenas são inocentes. Sei que são pessoas que querem ajudar a nossa causa. Sei que eles têm um coração indígena que quer ajudar, mas o poder político tem a sua parte no desaparecimento deles, que não quer que os brancos ajudem os indígenas. Eles também nos representavam nessa luta”, comenta Anilton, sobre a morte de Bruno e Dom.





Servidores da Funai exigem demissão do atual presidente
Além de pedirem o esclarecimento dos assassinatos do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, os servidores de pelo menos 39 regionais da Funai também exigiram, na greve geral desta quinta, a demissão do atual presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva que, segundo os funcionários da entidade, vem implementando uma política de ódio contra os povos indígenas.
“Por uma Funai indigenista e para os povos indígenas! Pela proteção das/os indigenistas, dos Povos Indígenas e de suas lideranças, organizações e territórios! Convidamos as/os parceiras/os indígenas, indigenistas e da sociedade em geral para o Ato Nacional de Greve da Funai!”, diz nota da Fundação Indigenistas Associados (INA).
PF já prendeu três pelas mortes de indigenistas
Nesta quinta, um homem se apresentou à Polícia Civil de São Paulo e afirmou ter participado da morte de Bruno e Dom, desaparecidos no dia 5 de junho, na região do Vale do Javari, no Amazonas.
A Polícia Federal do Amazonas trabalha com a hipótese de cinco suspeitos investigados no desaparecimento dos indigenistas. Até o momento, três pessoas foram presas temporariamente por 30 dias.
Um laudo de peritos da Polícia Federal confirmou que Bruno e Dom foram mortos a tiros, com munição de caça. Segundo a análise, Bruno foi atingido por três disparos, dois no tórax e um na cabeça. Já Dom foi baleado uma vez, no tórax.
Os restos mortais foram encontrados no dia 15 de junho, no Amazonas. Os corpos das vítimas teriam sido esquartejados e enterrados.
Em nota divulgada na sexta-feira (17), a PF informou que as investigações apontam que não houve mandante ou organização criminosa envolvida no crime. Segundo o texto, a apuração continua e novas prisões podem ocorrer, mas o inquérito aponta “que os executores agiram sozinhos”.
Segunda maior terra indígena do País, o Vale do Javari é palco de conflitos típicos da Amazônia: desmatamento e avanço do garimpo.
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