Lançado pelo Ministério da Saúde, documento prevê investigação de meninas e mulheres que realizarem aborto e será debatido nesta terça (28) em audiência pública
Cecília França
Foto em destaque: @malvestida/Unsplash
No início de junho, o Ministério da Saúde lançou um manual sobre aborto que, entre outras medidas, prevê a investigação de mulheres e meninas vítimas de estupro que realizarem o procedimento de forma legalizada. O manual também orienta que haja uma idade gestacional limite para o procedimento e cria uma confusão jurídica ao afirmar que “todo aborto é ilegal, salvo nos caos em que há excludente de ilicitude”. O documento será debatido em audiência pública nesta terça-feira (28).
Empenhadas em revogar o documento, dez entidades criaram a campanha “Cuidem de nossas meninas”. Assinam a iniciativa: Rede Feminista de Saúde, Mapa do Acolhimento, Anis-Instituto de Bioética, Cravinas, Fórum Aborto Legal RS, Católicas pelo Direito de Decidir, Centro Feminista de Estudos e Assessoria, Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia), Curumim e movimento Nem Presa Nem Morta.
De acordo com o DataSUS, mais de 17 mil garotas de até 14 anos foram mães apenas em 2021. Para as entidades que assinam a campanha, “criar um mecanismo de criminalização das meninas e mulheres que realizam o aborto só fará com que esse número aumente, gerando insegurança nas vitimas e nos profissionais de saúde que atuam nos casos”.
O caso da menina de 11 anos que teve seu acesso ao aborto legal dificultado pelo Poder Judiciário, em Santa Catarina, reacendeu a discussão nacionalmente e mostrou o quanto posturas políticas e ideológicas ainda influenciam em um debate que deveria ser sobre saúde pública. Em Londrina, matéria publicada pela Lume mostra que, em 10 anos (2010-2019), 346 meninas foram mães.
Carmem Regina Ribeiro, integrante da Rede Feminista de Saúde e do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, considera que a publicação do manual, por si só, causa estranhamento. “Já é um fato estranho, desnecessário, pois o MS tem portarias sobre o tema muito boas e instrutivas e válidas. Parece mais uma atitude para chamar a atenção do público que se alia às posições conservadoras com finalidade de ganhos eleitorais junto a esse público”, avalia.
Carmem destaca que o documento traz diversas informações equivocadas e que contradizem até mesmo a legislação. “Os inúmeros documentos que foram elaborados pelas defensorias públicas trazem dados e argumentos com base na legislação vigente e na realidade. A portaria contradiz fatos e a legislação. Preocupa, entre outros pontos, a criminalização mesmo de quem faz o aborto legal (vítima e profissionais), pois propõe investigação policial para confirmar o estupro. Vasculhar a privacidade da vítima, seu prontuário e sabe mais o que”, conclui.
Isso é ilegal, é tortura, é desrespeitar a mulher/menina e seu sofrimento e amedrontar os profissionais.
Carmem Ribeiro
Segundo Carmem, apesar de não ter imposição de lei, há movimentos para retirada de circulação do manual, pelos prejuízos que pode causar. “As portarias são orientativas, não têm efeito de mando. O prejuizo maior é justamente a desorientação que causa. Os profissionais ficam inseguros, diante de orientações díspares e tendem a negar o atendimento. Além disso, talvez caiba uma ação judicial visando retirar esta portaria de circulação. Já existem recomendações administrativas do Ministério Público neste sentido”.
Carmem ressalta que o controle dos corpos femininos é o objetivo principal da política que se divulga como “pró-vida”. “Se tivessem amor pela vida não defenderiam apenas a vida do feto! Estariam preocupados com aqueles que nasceram, que precisam de comida, cuidado, saúde, escola, família amparada e tudo o que nós sabemos ser necessário para a vida”, conclui.
A audiência pública ára discussão do manual ocorre nesta terça, das 8h às 15h, no prédio do Ministério da Saúde, em Brasília, com transmissão ao vivo pelo Youtube.
Erros do manual anti-aborto
A Anis-Instituto de Bioética analisou todas as imprecisões do documento (veja abaixo algumas delas e acesse a íntegra aqui).
O arquivo mostra que o manual erra em diversos pontos, como: desprezar o aborto como causa de morte materna; afirmar que “não existe aborto legal”, quando há casos previstos em lei; deturpar conteúdos de tratados internacionais de preservação da vida assinados pelo Brasil; afirmar que profissionais de saúde estão amparados por lei ao denunciarem casos individuais de aborto em decorrência de estupro.





Deixe uma resposta