Familiares e amigos de jovens que teriam sido mortos em confrontos com a PM se reúnem em ato ecumênico na Zona Norte de Londrina para fazer do luto um momento de luta
Mariana Guerin
Fotos: Mariana Guerin
De um lado, um projeto de morte que vem sendo colocado em prática, hoje, no Brasil, e que tem idade, cor e endereço: jovens, em sua maioria negros, das periferias. Do outro, dor que se transforma em indignação, força e energia para mudar essa situação. Essa é a mensagem que familiares e amigos de pessoas mortas em ações das forças de segurança querem levar à sociedade londrinense.
Eles se reuniram, na tarde desta sexta-feira (15), num ato ecumênico realizado na praça da Rua Jubilino Barbosa Cabral, no Conjunto Parigot de Souza, na Zona Norte. O ato “De Luto em Luta” foi organizado por Marilene Ferraz da Silva Santos, mãe do jovem Davi Gregório Ferraz dos Santos, de apenas 15 anos, que foi morto há exato um mês durante uma ação policial na Vila Portuguesa.
A reunião começou por volta das 18 horas, quando parentes e amigos das vítimas empunharam cruzes, em representação a seus mortos, e acenderam velas, que iluminaram o momento de solidariedade e indignação. Cartazes revelavam pedidos de justiça e orações e canções foram entoadas em lembrança aos jovens.
“Hoje faz um mês da morte do Davi, então reunimos a família para fazer uma oração em homenagem a ele. Convidamos outras famílias que também perderam seus filhos porque queremos dar visibilidade à nossa dor e mostrar quantos jovens estão morrendo pelas mãos dos policiais”, declarou Marilene. Em entrevista à Lume, ela explicou por que acredita que o filho foi executado por policiais. Leia aqui.
“Achamos o laudo do IML (Instituto Médico Legal) inconclusivo, então entramos na Justiça pedindo a exumação do corpo e estamos aguardando o resultado. Quero saber a verdade sobre como meu filho tombou.”
“Ele tinha dois rasgos no peito que pareciam duas saídas de bala. Acreditamos que ele foi pego fumando maconha, correu de medo e foi alvejado pelas costas”, completou Marilene. Ela lembrou que o filho cumpriu medida socioeducativa, mas que estava cursando o ensino técnico e que “queria trabalhar para ajudar o pai”.

Ato une corações despedaçados
Liliane Colli perdeu o irmão Angelo Gabriel Colli, de apenas 25 anos, há cerca de dois anos. Ele estava a caminho da casa da namorada quando teve seu veículo interceptado pela polícia. “Aconteceu às 23h05, mas ficamos sabendo em torno das 2 da manhã. Só vimos o corpo no outro dia. Minha mãe fez o reconhecimento no IML”, relembrou Liliane.
Segundo ela, o caso foi arquivado porque a família não conseguiu provas de que não houve confronto com os policiais.
“Ele foi morto a tiros. A polícia diz que houve um suposto confronto, mas na realidade a gente sabe que não. A justificativa que eles deram é que avistaram um carro suspeito e que o veículo deu fuga e eles foram atrás, mas a gente sabe que não foi isso.”
“Fomos atrás de câmeras e a gente viu que não foi isso que aconteceu, mas a pessoa não quis fornecer as imagens, com medo”, lamentou Liliane, reforçando que o irmão estava desarmado e “não teria como reagir a quatro policiais armados”.
“O sentimento que fica é medo, dor. Ouvindo as histórias, hoje, a dor volta. A gente parou de viver, o trauma fica. Minha mãe está doente, fora o psicológico. Eu mesma tive um monte de transtornos”, desabafou Liliane, contando que, nos últimos dois anos, ficou sem dormir, perdeu o emprego e se acidentou de moto. “É um genocídio da população periférica.”
Para ela, o ato desta sexta-feira é importante para sensibilizar a sociedade de que as pessoas estão sendo mortas em confrontos, mas ninguém fala sobre isso. “Eles estão fazendo o que eles querem e não tem ninguém que pare eles. Mas o papel da polícia é prender, não é matar.”
As esposas e filhos de Paulo Ricardo Aparecido da Silva, 31, e Caio Dias Melo, 23, mortos em uma ação da PM na Rua Nelson Rodrigues, no Conjunto Vivi Xavier, na Zona Norte, no dia 22 de junho deste ano, também participaram do ato.
Segundo informações do boletim de ocorrência, Paulo e Caio tinham mandado de prisão em aberto: Caio por homicídio qualificado e Paulo por receptação e homicídio. Eles estavam em um automóvel Jetta preto quando foram abordados pela Rotam, em frente à casa de Paulo.
De acordo com as informações da PM, eles portavam duas armas de fogo, teriam reagido e acabaram mortos. A família tem outra versão. “Eles pararam o carro em frente da casa da minha irmã e a polícia parou logo atrás e chegou atirando”, contou Kawana Cristina Bernardino, esposa de Caio.
Conforme ela, os rapazes teriam tentado sair do carro, mas foram alvejados por vários disparos. Paulo teria sido atingido primeiro. “Eles viram que meu marido ainda estava respirando e deram mais tiros nele, na frente da minha irmã.”
“Falaram que eles tinham drogas e armas, mas não tinha nada. Não teve reação”, comentou Kawana. Ela afirma que a família vinha sendo perseguida pela polícia e que, por isso, se mudou para a casa da mãe com os quatro filhos e não estava no local, no momento do crime.
Ela relatou, ainda, que em outra ocasião, o marido teria sido abordado por policiais enquanto estava com um dos quatro filhos. “Ele conseguiu fugir, mas deixou meu filho no carro, com o celular pronto para ligar no meu número. Quando cheguei, peguei meu filho no colo do PM.”
Kawana disse que abriu medida protetiva contra a polícia. “Minha irmã viu tudo. Ela pediu para eles deixarem eles vivos, mas eles gritavam ‘vagabundo a gente mata, vamos mandar todo mundo pro saco, desde o menor até o mais velho’.”
“Por que fazer isso se tem a cadeia para a gente visitar? Imagina o que seria do meu filho se ele visse o pai dele sendo morto na frente dele?”, questionou Kawana.
Justiça por almas
Esta semana, familiares de jovens mortos pela polícia em Londrina criaram o perfil @justicaporalmas no Instagram, com o objetivo de reunir mais pessoas que perderam parentes e amigos em supostos confrontos com forças policiais e pressionar o Ministério Público a investigar e elucidar os casos. O grupo começou com pouco mais de 300 seguidores, em 7 de julho, e já está com mais de 1,5 mil. Leia mais aqui.
O 5 Batalhão da Polícia Militar de Londrina considerou a manifestação dos familiares legítima, mas optou por não se pronunciar sobre os casos, informando, apenas, que são consequência do trabalho preventivo realizado pela corporação nas ruas.
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