Promulgado em 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente é um marco, mas ainda carecemos de transformações institucionais e sociais

Por Conselho Tutelar de Londrina

Foto em destaque: Agência Brasil

Inicia-se a reflexão fazendo um balanço histórico desde a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, onde muitas proposições pensadas na época foram atingidas como pode-se observar nos relatórios da UNICEF, que apontam a queda nas taxas de mortalidade infantil e também do trabalho infantil, e ainda mostram resultados positivos quanto ao acesso à educação e permanência em escolas. Tais consecuções só reafirmam a importância de uma legislação que garanta a proteção integral de crianças e adolescentes, bem como demonstram a eficiência de políticas públicas voltadas a tal garantia para crianças adolescentes e suas famílias.

Pensando ainda em um balanço, pode-se dizer que se tem um saldo, com avanços, sendo que muito do que foi estabelecido e pensado em 1990 foi atingido, contudo, ainda existe muito a avançar. Então pode-se dizer que nesses 32 anos teve-se como consequência muitos ganhos, mas também frustações e retrocessos.

Pensando ainda historicamente, na Constituição Federal de 1988, lá pelo artigo 227 e 228, e também no ECA em 1990, houve um pacto nacional pelos direitos da criança, resultante de uma mobilização social muito grande, que possibilitou a aprovação por unanimidade desses dispositivos legais.

O pacto acima mencionado, significou um compromisso da nação dos vários segmentos ideológicos, sociais, enfim, da sociedade em geral, em torno dos direitos de crianças e dos adolescentes, entretanto ao longo do tempo foi possível perceber que aquilo que foi pactuado, não significou efetivamente uma concordância de todos as pessoas envolvidas à época no que refletia o próprio conteúdo do Estatuto da Criança e do Adolescente, que garantia, regulamentava os direitos postos na constituição e previa, em última instância, a possibilidade de todas as crianças e adolescentes do Brasil terem seus direitos garantidos. Todavia, para sua efetivação far-se-ia necessário uma mudança de sociedade, transformações institucionais, sociais e hoje, em 2022, isso ainda não vem acontecendo da forma como era inicialmente previsto.

A história nos mostra ainda que a primeira década após a aprovação do Estatuto foi um período de muito esforço dos vários níveis institucionais no Brasil para implementação do mesmo. Na época todos trabalhavam pela implementação dos conselhos de direito, conselhos tutelares e nas redes de suporte ao atendimento à criança e ao adolescente. Na virada dos anos 2000 a situação já não era mais tão favorável, existia de um lado uma divergência em algumas medidas, das próprias pessoas QUE TRABALHAVAM EM TORNO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE sobre concepções de interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente e do que deveria ser prioridade e o que não deveria ser prioridade no campo da implementação do ECA.

Isso torna-se muito claro especialmente na área de adolescentes envolvidos em situação de violência, onde se observou a partir dos anos 2000 um certo rechaço aos adolescentes, tornando-os culpados de muitos dos problemas que envolviam violência e criminalidade e iniciou um processo de criação de emendas da constituição que tratavam da redução da maioridade penal, que até já aconteciam antes dos anos 2000, porém, foram intensificadas nesse período, entendendo que os adolescentes que estavam envolvidos em atos infracionais seriam diferentes daquelas tantas outras crianças e adolescentes junto as quais havia um pacto na garantia de direitos.

Desde então há um esforço muito grande dos pesquisadores e trabalhadores da área para um convencimento e resistência nacional a essas emendas da constituição que buscam a redução da maioridade penal, especialmente demonstrando que os adolescentes são sim responsabilizados a partir de um sistema de responsabilização própria do ECA, sendo esse sistema bastante rígido no que se refere à nossa realidade nacional, visto que começa essa responsabilização, diferente de outros países, aos 12 aos de idade, e também de que essa responsabilização possibilita aplicação de medidas socioeducativas de internação, o que significa privação de liberdade.

Nesses 32 anos muitas denúncias foram feitas juntamente à Corte Internacional dos Direitos Humanos, várias medidas foram feitas na afirmação de garantir direitos desses adolescentes, então não se trata de que os adolescentes não são responsabilizados ou até mesmo violados em seus direitos nesse sistema.

No último período, o que se observa é um retrocesso em direitos sociais, o que culmina com o crescimento da mortalidade de adolescentes, e tal mortalidade pode significar um indicador de um sistema protetivo ou socioeducativo violador de direitos, na medida em que a morte de um adolescente significa que nós adultos, sociedade, família, Estado não conseguimos proteger aquele sujeito a ponto de ele vir a morrer.

No Brasil tem -se enfrentado hoje um processo de precarização da vida, que leva a morte, ou o também conhecido como juvenicídio, o que tem se intensificado especialmente falando de jovens negros, jovens de periferia, jovens vivendo em situações precárias, sem perspectiva de vida, sem perspectiva de construção de um projeto de vida adulta com dignidade.

No momento atual, onde ainda vive-se os efeitos da pandemia, que incidem sobre a violação de direitos, e a redução de conquistas sociais, onde a desvalorização dos jovens em seus direitos se intensificou, percebe-se um grande esforço dos operadores dos direitos da criança e do adolescente em resistir para que não haja ainda mais perdas de direitos. Nesse contexto, fica evidente a necessidade de novos pactos pela infância, assim como aconteceu lá atrás na época da constituição ou quando da promulgação do ECA.

Um país que se busca civilizado, onde entende -se que deve crescer enquanto nação, precisa ampliar oportunidades, igualar os acessos, precisa estender seu Status Social para todas as crianças e adolescentes, e é isso que ainda não se conseguiu fazer em larga escala. Muito se avançou decorrente do trabalho de inúmeras pessoas, mas ainda precisa ser feito esse Pacto Nacional de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes e evitar em última instância a mortalidade de jovens na intensidade que ela vem acontecendo.

Considerando essa retrospectiva histórica, o Município de Londrina, não fica muito diferente do restante do pais, também conta com história de avanços e retrocessos. É importante nesses 32 anos de ECA refletir-se, enquanto cidadãos, o que de fato pode-se fazer para mudar, implementar, aprimorar todos os atendimentos voltados a nossas crianças e adolescentes trazendo para a prática o princípio da prioridade absoluta, previsto no artigo 227 da Magna Carta, que determina que crianças e adolescentes sejam tratados pela sociedade, e, em especial, pelo Poder Público, com total prioridade pelas políticas públicas e ações do governo.

O Conselho Tutelar de Londrina dentro dessa perspectiva, tem desempenhado um papel fundamental alinhando fluxos juntamente com a Rede de Proteção, pensando metas e estratégias de ação no plano coletivo, participando ativamente dos espaços de discussões, apropriando-se daquilo que de fato é sua atribuição com o grande desafio de ao final do mandato entregar para a sociedade um Município melhor do que recebeu, em termos de estrutura de atendimento a criança e ao adolescente.

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