Ativistas vêem aumento como um reflexo da política armamentista do atual governo que deixa em maior risco as vítimas de violência doméstica
Cecília França
Foto em destaque: Pixabay
Em 2020, quando o Brasil registrou 1.354 feminicídios, dados do Anuário Brasileiro da Segurança Pública mostravam que 26,1% haviam sido cometidos com uso de armas de fogo. Em 2021, quando o registro de casos caiu para 1.341, o índice de uso de armas subiu para 29,2%. Em números totais, foram 352 feminicídios cometidos com armas em 2020 e 391 no ano passado.
Feminicídios típicos costumam ser cometidos com emprego de armas brancas e estas continuam sendo usadas em metade dos casos. O aumento percentual do uso de armas de fogo, no entanto, pode ser reflexo da política armamentista do atual governo federal e deixa em ainda maior risco as vítimas de violência doméstica.
“Como a maioria dos feminicídios acontece no âmbito doméstico/familiar entendia-se este como uma explicação para o menor uso de arma de fogo contra as mulheres. Porém, é notório e indiscutível que a presença muito mais disseminada da arma de fogo de posse de um grande número de pessoas facilita muito o seu uso em qualquer ambiente, como a própria casa. Qualquer discussão em que afloram sentimentos de ódio, ressentimento, vingança podem levar a ações violentas e ter uma arma de fogo à disposição nestas horas gera uma condição de maior gravidade, de impossibilidade de defesa para a vítima, acabando em crimes fatais”, destaca Carmem Regina Ribeiro, representante da sociedade civil no Conselho dos Direitos da Mulher do Paraná.
Dados trazidos pelo Anuário mostram que, de 2018 a 2022, cresceu 473,6% o número de registros ativos de caçadores, atiradores e colecionadores, os chamados CACs. O documento estima que existam 4,4 milhões de armas em estoque particulares, sendo que a cada três registradas, uma está irregular.
“Os agressores estão sendo encorajados por uma política que dissemina o ódio e a violência, e mais, têm a chancela para fazer uso de armas”, completa Fátima Beraldo, gestora municipal de Promoção da Igualdade Racial em Londrina.

A antropóloga Martha Ramirez, integrante de Néias-Observatório de Feminicídios Londrina, lembra que organizações especializadas no estudo da violência já previam esse movimento quando iniciou-se a política de estímulo e flexibilização do acesso a armas no país.
“Organizações como o Instituto Igarapé apontam que ter armas de fogo no âmbito doméstico aumenta de maneira alarmante os riscos de agressão contra mulheres, risco ainda maior quando há um histórico de violência”, pontua.

Martha destaca, ainda, questões culturais que permeiam as relações. “Isso sem adentrar numa discussão, que precisamos fazer de maneira mais apronfundada e cautelosa, em relação a uma masculinidade que se percebe ameaçada diante da procura de autonomia por parte das mulheres, que, em muitos casos, parece se afirmar com a violência e, mais ainda, com o porte de armas de fogo”.
Amanda Gaion, da Rede Feminista de Saúde, não tem dúvidas de que os estímulos para armar a população aumentam a propabilidade de incidência de crimes principalmente contra as mulheres e outros grupos considerados em vulnerabilidade social.
“Importante salientar que no momento de uma discussão entre um casal heterossexual, por exemplo, sem campanhas de sensibilização e conscientização em relação à violência contra as mulheres, principalmente por parte do poder público, esse homem estando armado, a possibilidade dele usar essa arma contra sua parceira é imensa”, constata.
Fátima Beraldo acrescenta que o país vive um momento de estímulo àqueles “que já guardavam um desejo de promover violência, atuar na desordem”, oprimir e matar mulheres. Ela acrescenta o impacto da precarização econômica e social do país no crescimento da violência, especialmente contra mulheres negras.
“São fatores que, somados ao arrocho econômico, altas taxas de desemprego, contribuem para aumentar o risco de vida das mulheres brasileiras. Pois veja: dados apontam que 77,8% das pessoas em extrema pobreza, hoje, no Brasil, são negras (PNAD – COVID-19). As margens do rio estão cada vez mais sendo alargadas quando se trata de desigualdades sociais e raciais neste país”, lamenta.
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