1º Prêmio Tereza de Benguela, promovido pelo Coletivo Black Divas, homenageou 25 mulheres com trajetórias diversas em Londrina

Cecília França

Foto em destaque: As homenageadas com o prêmio/Cecília França

Uma noite de festa, de encontros, de identificação. Discursos agradecidos, posicionamentos contundentes contra o racismo e defesas enfáticas da potência e da beleza do povo negro – em especial das mulheres, as grandes homenageadas no 1º Prêmio Tereza de Benguela, promovido no último sábado, 30 de julho, pelo Coletivo Black Divas, em Londrina.

O evento, apresentado pela cerimonialista Valéria Soares, marcou o “julho das pretas”, assim chamado em função de duas datas importantes: o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha e o Dia Nacional de Tereza de Benguela, ambos celebrados em 25 de julho. Foram 25 as contempladas com a homenagem e os perfis delas celebram a diversidade da mulher negra: jovens, idosas, estudantes, profissionais, militantes históricas. Todas, porém, com as vivências entrecortadas pelo preconceito desde a infância.

Sandra Mara Aguilera, coordenadora geral do Black Divas, não escondeu a emoção durante o evento e relembrou o início e a motivação para a criação do coletivo. “Nos morávamos em uma casa que tinha um toalete. E as amiguinhas que moravam três quadras abaixo tinham um quintal enorme, várias casinhas, e um só toalete no quintal. Falei para o meu pai e ele decidiu falar com o dono do local. Conversando com uns amigos, disse para o ‘seu Alencar’ que íamos construir alguns banheiros e alguns tanques. Virou um trabalho coletivo e eu me lembro muito da história. E foi por isso que a gente resolveu chamar o Black Divas de coletivo”.

Durante o evento, a vereadora Lu Oliveira (PL) surpreendeu as participantes com dois Projetos de Lei, um declarando de utilidade pública municipal o Coletivo Black Divas, outro instituindo o Dia Municipal de Tereza de Benguela e da Mulher Negra (leia mais aqui). Com a declaração de utilidade pública aumentam as possibilidades de acesso a recursos e financiamentos públicos e privados.

Sandra, amiga pessoal da vereadora há décadas, ressalta a importância de parceiros antirracistas para o avanço nos direitos da população negra. “Vocês não sabem o que passamos nos bastidores até chegarmos nas comunidades. Ultimamente a gente tem levado para o nosso povo cesta básica. Queremos que nosso povo trabalhe e tenha dignidade de chegar ao mercado e que faça sua compra. Acredito que essa é uma das ações que nos fará chegar a esse objetivo. Nós mulheres negras precisamos caminhar e continuar juntas. Estamos cansadas de ver mulheres negra lutando na contar mão das pautas e demandas que nos cercam, nos oprimem. Essas ações e demandas que pautamos são para todas, e precisamos da construção do fortalecimento e só juntas conseguiremos, porque lá fora, quando a porta da luta se abre, tem muita gente batendo na mulher negra em todos os aspectos em nosso país”.

“A gente não quer só pessoas não racistas, mas antirracistas caminhando junto com a gente”, finaliza.

Mulheres negras: premiadas resgatam histórico de luta

O Prêmio Tereza de Benguela homenageou 25 mulheres com diferentes perfis. Uma delas, a artesã e militante do movimento negro Teresa Mendes de Souza, que já integrou os conselhos municipais dos direitos da mulher e da promoção da igualdade racial. Ela conta que sua caminhada na militância com a preocupação com sua filha.

“Essa caminhada que vocês viram começa quando Odara ia entrar na escola. Pensei ‘Ela vai passar tudo que eu passei?’ Então fui procurar os conselhos. A gente transforma isso em luta. Minha fala é muito política, nosso posicionamento é político, nosso corpo é político. Nós estamos lutando constantemente”, declara.

Maria Eugênia de Almeida Pinto, graduada em Ciências Sociais, militante desde a juventude e ex-presidenta do CMPIR, diz que “Ser mulher negra é levantar e seguir em frente o tempo todo”.

“Nunca perco a oportunidade de falar das mulheres da minha vida. Minha mãe veio do Nordeste. A primeira vez que ela tomou banho de banheira ficou desesperada, porque viu a água indo embora. É uma nordestina que sabe o que é a seca, o que é a fome. Elas esticavam o cabelo da gente, torciam para que a gente tivesse um companheiro branco para que os filhos nascessem mais branquinhos”, relembra.

“Eu fui entender, como militante do movimento negro, que essa coisa de ‘parecer branco’ era uma defesa.”

Maria Eugênia fez questão de reverenciar Yá Mukumbi (Vilma Santos de Oliveira, militante histórica do movimento negro e mãe de santo vitimada em uma chacina em Londrina, em 2013). “Ela, com a religiosidade, ensinou todos os dias pra gente o que é ser negro e a necessidade que nós temos de fazer o que estamos fazendo aqui”, afirma.

A enfermeira Nazilda Ventura Salviano, 60 anos, relembrou como sua indignação com o preconceito a levou à militância. “Vim de uma família de dez irmãos, meu pai tinha aquela coisa de dizer ‘estudem para nunca ser escravizados’. Meu pai dizia que não tinha que misturar raça, mas não porque era racista, e sim pelo preconceito que tinha naquela época. Ele não queria ver a gente sofrendo. Era uma forma de defesa dele”, relembra.

“Nunca aceitei essa questão do preconceito, de ser maltratada. Como pode um país querer crescer excluindo metade da sua população?”

Na escola, a indignação de Nazilda encontrou eco. “Eu sempre fui muito rebelde e eu era uma das poucas alunas negras. O professor mandava fazer trabalho em grupo já tinha aquela divisão. Nunca me conformei com isso. Preconceito é uma das causas de evasão escolar. Às vezes a criança negra tinha uma atitude de exaustão, ela simplesmente pegava o prato de sopa e jogava na cara do coleguinha, por exemplo, mas porque ela já estava exausta. A diretora mandava bilhete para casa, que não queria mais a criança na escola, mas não se interessava em saber porque. Quando eu fiz universidade era eu e mais uma negra”.

Nazilda trabalhou na construção de coletivos de defesa da causa da população negra.

A produtora cultural e estudante de relações públicas Juuara Juareza Armond Barbosa dos Santos falou sobre como a sociedade limita as possibilidades e a autoestima das pessoas negras. “Mulherada, negrada sobretudo, a gente sabe como é difícil a gente se achar bonita. Todas as vezes que eu encontrei a Sandra, a Meire, a Renata (integrantes do coletivo Black Divas), mas a Sandra, sobretudo, sempre me acolheu assim: ‘rainha’. Tudo foi feito pras pessoas brancas. Então esse evento é muito forte. Ser mulher preta é tão potente, mas as vezes a gente cansa. Não tem arrego, queremos vida para os nossos e as nossas”, declara.

“Afinal de contas, o que pode a travesti negra? Ela pode o que ela quiser.”

Rosa Maria Peixoto, faxineira, relembrou o tempo da infância. “Muitas pessoas que estão aqui não são da década de 80, mas eu fui pra escola nessa década, sofri muito bullying. Sempre tentei levar com sorriso, na esportiva”, afirma. E deixa uma mensagem:

“Nós que somos negros, vamos nos impor, vamos lutar. Deixo um recado para meninas que ainda não casaram: casem com pretos, para ter filhos pretos para ajudar na luta. Eu amo ser negra!”.

Artesã e bacharel em ciências sociais, Luciane dos Santos, completa: “Ser mulher negra é insistir e resistir sempre”.

“Sou o que sou pelo que nós somos; somos todos lindos, belos, competentes.”

Conheça as premiadas (fotos Bruno Mazzoni):

Maria Almeida de Andrade (In memorian)

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