Violações dos direitos dos presos seriam constantes e se intensificaram na pandemia
Nelson Bortolin
O sistema prisional do Paraná comete uma série de ilegalidades contra os detentos. Punições coletivas e torturas vêm sendo denunciadas por entidades de defesa dos direitos humanos, familiares e advogados.
O período de março de 2020 a novembro de 2021, quando as visitas estiveram totalmente suspensas, foi especialmente mais violento.
No dia 12 de agosto de 2020, na Penitenciária Estadual de Piraquara (Região Metropolitana de Curitiba), presos tiveram suas roupas queimadas e foram mantidos nus sob chuva, no frio. O caso gerou uma ação judicial movida pela Defensoria Pública contra o Estado. Detentos também teriam apanhado e recebido tiros disparados pelos agentes. Todas as fotos dessa página são desse processo.

As agressões seriam uma retaliação pela morte do agente Lourival de Souza. Ele foi baleado em casa, na capital, naquele dia, e a ordem teria partido de dentro do presídio.
O advogado londrinense Gabriel Braga Silva entrou como parte do processo da Defensoria, já que um dos agredidos é seu cliente. “A gente vê e ouve coisas que assustam. Dar comida estragada, jogar spray de pimenta nos olhos dos detentos, colocar caco de vidro na comida, tirar o preso de madrugada da cela e colocá-lo no meio de rato e água suja”, relata.
Uma situação muito comum no sistema prisional, segundo ele, é a falta do banho de sol conforme determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Aos presos deve ser assegurado esse direito por duas horas ao dia, todos os dias da semana. “Mas nenhuma unidade atende isso no Paraná. A própria Penitenciária de Piraquara admite que não tem condições estruturais para isso”, afirma o advogado.
Nem o governo do Estado nem o Judiciário, na visão dele, têm interesse em resolver o problema. “A ressocialização é um mito, mas ainda que seja um mito, é preciso buscá-la minimamente”, declara.
O coordenador da Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Curitiba, Lucas Henrique Pereira Duarte, confirma que as denúncias de maus tratos são comuns. E a situação piorou na pandemia. “Uma cadeia que não tem trânsito de pessoas do mundo externo é um local perfeito para violações dos direitos dos presos”, declara.
O Paraná foi um dos últimos estados a retomar as visitas presenciais da forma como era antes da pandemia. As visitas por agendamento voltaram em novembro. Primeiramente, apenas uma hora por semana. Depois, passaram para duas horas e, somente na última semana, voltou ao normal, sem agendamento e durante seis horas.
“Até uma semana atrás, as visitas tinham de ser agendadas pela internet. E as famílias que não têm acesso à rede ficavam sem ver os presos”, aponta Duarte.
Para ele, o governo de Ratinho Júnior não tem vontade política de melhorar a situação nos presídios. “Quando conversamos com o governo, somos atendidos de forma protocolar e com pouca efetividade.”
Segundo o representante da Pastoral, as denúncias encaminhadas pela Frente não são apuradas e o governo alega que faltam provas relacionadas a elas. “Dizem que não têm fundamento, que falta substância, nomes de pessoas. Mas quando o familiar nos procura, ele não quer ser identificado porque teme que seu parente sofra ainda mais dentro do sistema.”

Comida podre
Cristina Santos é integrante da Frente pelo Desencarceramento. Segundo ela, as denúncias diminuíram com a volta das visitas às cadeias. Mas, no auge da pandemia, o próprio marido dela foi alvo de agressão. Num desentendimento com agentes, teve o braço quebrado em dois lugares.
Ela diz que o marido precisava de uma cirurgia que não teria sido feita. “Alegaram que não tinha médico.”
A ativista diz que a qualidade da comida servidas aos presos paranaenses é a pior possível. “A marmita é horrível. É carne crua, coro de frango sangrando, carne de porco cheia de pelo, o feijão é uma água e o arroz insuficiente.”
Deppen nega irregularidades
O Departamento de Polícia Penal do Paraná (Deppen) nega qualquer tipo de irregularidade no sistema.
Em nota enviada à Rede Lume, a assessoria do órgão informa que seus procedimentos estão de acordo com a lei de execução penal (7.210) e que para o departamento “é fundamental que as pessoas privadas de liberdade tenham garantido o seu direito a assistência nas áreas sociais, educacionais, saúde, jurídica, material e religiosa”.
“Quanto a alimentação dos apenados, o Deppen, dispõe de uma equipe nutricional. Essa equipe – composta por nutricionistas e especialistas na questão alimentar —, garante que a alimentação dos reclusos seja balanceada e passe por um rigoroso controle de qualidade, com intuito de garantir seu bem-estar e saúde”, diz a assessoria.
Para realização das visitas às Pessoas Privadas de Liberdade, segundo o órgão, os visitantes devem atender às normas descritas no site. “Através de portaria, disponibilizada para consulta pelo serviço social, de cada unidade, a vestimenta dos visitantes deve diferir das cores dos uniformes dos aprisionados e dos servidores da unidade. Existe no Centro de Atendimento ao Visitante – CAV, em Piraquara, cartazes e vídeo informativo a respeito da vestimenta.”
A assessoria nega que falta funcionários preparados para fazerem a leitura dos scanners. “Através escaneamento realizado pelo BodyScan, é possível diferenciar elementos fisiológicos de elementos ilícitos. Quando identificada a necessidade de uma análise minuciosa, o policial penal, está apto e capacitado para fazer a revista de forma individualizada. Caso seja, supostamente, identificada na imagem do BodyScan a presença de artefato ilícito, a verificação, para constatação, é realizada por mais de um policial penal.”
Sobre denúncias de maus-tratos, o órgão diz que as pessoas devem procurar Ministério Público, Conselho da Comunidade ou a Ouvidoria do Departamento de Polícia Penal do Paraná. “O Deppen-Pr, reafirma, ainda, que seus canais de comunicação oficiais estão abertos aos familiares e funcionando normalmente. Os familiares que tiverem a necessidade de entrar em contato com o departamento, devem procurar os canais oficiais e endereços eletrônicos que tenham as terminações @depen.pr.gov.br.”
COMBATE À TORTURA
As respostas do Deppen contrastam com o que o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), vinculado ao governo federal, constatou no Paraná. Peritas do órgão visitaram várias unidades do sistema e confirmaram uma série de situações desumanas. Essas denúncias, documentadas por fotos, foram apresentadas em audiência pública realizada em maio na Assembleia Legislativa do Paraná.
Antes de irem ao Poder Legislativo, representantes do órgão estiveram nas seguintes unidades prisionais na região de Curitiba: Complexo Médico Penal (CMP), 1ª Delegacia Regional de São José dos Pinhais, Centro de Triagem da Polícia Civil, Carceragem da Delegacia Cidadã de Paranaguá, Penitenciária Feminina do Paraná (PFP), Casa de Custódia de Piraquara, e Centro de Socieducação São Francisco, localizado em Piraquara.
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