Cor das roupas e interpretação errada de imagens do scanner são os principais motivos para familiares serem barrados na unidade, segundo Frente pelo Desencarceramento
Nelson Bortolin
A Frente pelo Desencarceramento tem ido pelo menos um final de semana por mês acompanhar as visitas na Penitenciária Estadual de Piraquara (Região Metropolitana de Curitiba), e tem ajudado familiares que desconhecem as regras do sistema carcerário. “Depois de dois anos sem visita presencial, muita gente que viaja de longe para ver os presos não consegue entrar na unidade”, afirma integrante da Frente e coordenador da Pastoral Carcerária em Curitiba, Lucas Henrique Pereira Duarte.
Um dos motivos que fazem as visitas serem barradas são as cores e os tipos de roupas que vestem. Segundo o site do Departamento de Polícia Penal (Deppen) do Paraná, nenhum visitante pode entrar nas cadeias “vestindo roupas no modelo e cor dos uniformes cedidos pela administração penitenciária”. Não há uma lista que especifique o que pode e o que não pode, o que faz muita gente perder a viagem.

Para ajudar os visitantes, a Frente passou a levar roupas a Piraquara para emprestar a essas pessoas. “Camisas brancas e calças alaranjadas são proibidas para que as visitas não sejam confundidas com os presos, que usam uniformes dessas cores. Se fosse só isso, seria compreensível. Mas há uma série de outras cores proibidas. Só para você ter uma ideia, roupas azuis só são permitidas num determinado tom”, alega Duarte.
Outro problema comum, de acordo com ele, são as visitas serem barradas nos scanners, que substituem as antigas revistas pessoais. Os funcionários que fazem a leitura das imagens geradas por esses equipamentos não teriam capacitação para interpretá-las do modo correto. “Até mesmo fezes e gazes nos intestinos das visitas são confundidas com objetos ou drogas”, conta o representante da Frente. “Por causa disso, é comum que as mulheres fiquem sem comer durante muito tempo antes de irem para a visita. Muitas saem de lá mortas de fome”, complementa.
Duarte está há 10 anos na Pastoral Carcerária, que integra a Frente pelo Desencarceramento. A pastoral já tem 50 anos em âmbito nacional. Ele se envolveu com esse trabalho quando ainda estudava para ser padre em São Paulo. “Foi um pedido do meu superior para que eu visitasse as pessoas na cadeia”. Ele acabou desistindo de ser padre, mas continuou com a Pastoral. “É um compromisso de fé e vida, um compromisso com Jesus Cristo”, define.
Mas nem toda a sociedade entende o trabalho da Igreja com os presidiários. Parte das pessoas, de acordo com ele, “perdeu a vergonha de afirmar que bandido bom é bandido morto”. O cenário político favorece essa crença. “Temos uma pessoa na Presidência da República que se orgulha de falar isso.”
Deppen nega irregularidades
O Departamento de Polícia Penal do Paraná (Deppen) nega qualquer tipo de irregularidade no sistema.
Em nota enviada à Rede Lume, a assessoria do órgão informa que seus procedimentos estão de acordo com a lei de execução penal (7.210) e que para o departamento “é fundamental que as pessoas privadas de liberdade tenham garantido o seu direito a assistência nas áreas sociais, educacionais, saúde, jurídica, material e religiosa”.
“Quanto a alimentação dos apenados, o Deppen, dispõe de uma equipe nutricional. Essa equipe – composta por nutricionistas e especialistas na questão alimentar —, garante que a alimentação dos reclusos seja balanceada e passe por um rigoroso controle de qualidade, com intuito de garantir seu bem-estar e saúde”, diz a assessoria.
Para realização das visitas às Pessoas Privadas de Liberdade, segundo o órgão, os visitantes devem atender às normas descritas no site. “Através de portaria, disponibilizada para consulta pelo serviço social, de cada unidade, a vestimenta dos visitantes deve diferir das cores dos uniformes dos aprisionados e dos servidores da unidade. Existe no Centro de Atendimento ao Visitante – CAV, em Piraquara, cartazes e vídeo informativo a respeito da vestimenta.”
A assessoria nega que falta funcionários preparados para fazerem a leitura dos scanners. “Através escaneamento realizado pelo BodyScan, é possível diferenciar elementos fisiológicos de elementos ilícitos. Quando identificada a necessidade de uma análise minuciosa, o policial penal, está apto e capacitado para fazer a revista de forma individualizada. Caso seja, supostamente, identificada na imagem do BodyScan a presença de artefato ilícito, a verificação, para constatação, é realizada por mais de um policial penal.”
Sobre denúncias de maus-tratos, o órgão diz que as pessoas devem procurar Ministério Público, Conselho da Comunidade ou a Ouvidoria do Departamento de Polícia Penal do Paraná. “O Deppen-Pr, reafirma, ainda, que seus canais de comunicação oficiais estão abertos aos familiares e funcionando normalmente. Os familiares que tiverem a necessidade de entrar em contato com o departamento, devem procurar os canais oficiais e endereços eletrônicos que tenham as terminações @depen.pr.gov.br.”
COMBATE À TORTURA
As respostas do Deppen contrastam com o que o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), vinculado ao governo federal, constatou no Paraná. Peritas do órgão visitaram várias unidades do sistema e confirmaram uma série de situações desumanas. Essas denúncias, documentadas por fotos, foram apresentadas em audiência pública realizada em maio na Assembleia Legislativa do Paraná.
Antes de irem ao Poder Legislativo, representantes do órgão estiveram nas seguintes unidades prisionais na região de Curitiba: Complexo Médico Penal (CMP), 1ª Delegacia Regional de São José dos Pinhais, Centro de Triagem da Polícia Civil, Carceragem da Delegacia Cidadã de Paranaguá, Penitenciária Feminina do Paraná (PFP), Casa de Custódia de Piraquara, e Centro de Socieducação São Francisco, localizado em Piraquara.
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