“Juventudes e Participação” é resultado de uma pesquisa que busca entender como os agentes do SNI e da CIA vigiaram, investigaram e silenciaram opositores da ditadura militar no Paraná

Mariana Guerin

Fotos: prints do documentário exibido no lançamento da exposição Juventudes e Participação

Nesta sexta (12), o país celebra o Dia Nacional dos Direitos Humanos. A data foi instituída em homenagem à trabalhadora rural Margarida Alves, que foi assassinada em 12 de agosto de 1983, aos 50 anos, em sua casa, na frente do único filho e do marido. Ela era símbolo da luta pelos direitos das mulheres trabalhadoras do campo no Brasil.

Esta semana foi marcada ainda pela leitura da “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito”, elaborada pelo curso de Direito da Universidade de São Paulo (USP), que já conta com mais de 1 milhão de assinaturas.

O 11 de Agosto foi marcado pela mobilização nacional em defesa da democracia, mas em Londrina também foi o dia do lançamento, na Universidade Estadual de Londrina (UEL), da exposição “Juventudes e Participação”, que traz documentos inéditos dos arquivos do Sistema Nacional de Informação (SNI) e desclassificados da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos, a CIA, que contemplam o período da ditadura militar no Brasil.

As imagens permanecerão expostas até 2 de setembro, na Réplica da Primeira Catedral de Londrina, localizada no campus da universidade, e são parte de um trabalho do Laboratório de Estudos sobre as Religiões e Religiosidades (LERR) em parceria com o Projeto de Extensão Práxis Itinerante e o Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UEL.  

O material é resultado de uma pesquisa a respeito do projeto Opening the Archives, da CIA, e busca compreender como os agentes de informação brasileiros e representantes norte-americanos vigiaram, investigaram e colaboraram com o silenciamento das pessoas que fizeram oposição à ditadura militar no Paraná, especificamente dos participantes de movimentos sociais, como o estudantil, dos Direitos Humanos, em favor da reforma agrária, da cultura popular e da democracia.

Para o coordenador da pesquisa, o professor Fábio Lanza, associado do Departamento de Ciências Sociais da UEL, este trabalho é um “exercício de valorização da vida”. “Expor alguns documentos, que agora são públicos, nos permite preencher uma lacuna da história.”

Segundo ele, 1046 ossadas de pessoas desaparecidas na ditadura ainda esperam identificação. “Parte da população brasileira participa da construção da nossa sociedade e quer mudanças estruturais.”

Lanza explica que os resultados da pesquisa permitirão a produção e curadoria de exposições itinerantes audiovisuais em locais públicos e coletivos, alcançando a comunidade externa além do meio acadêmico.

Também possibilitará a organização e sistematização de repositórios temáticos digitais abertos, disponibilizados pelo Núcleo de Documentação e Pesquisa Histórica da UEL, para estimular futuras pesquisas.

O projeto permite, ainda, a disseminação de trabalhos científicos em eventos e em periódicos nacionais e internacionais e a organização de um e-book com todos os trabalhos desenvolvidos e as novas metodologias de pesquisa digitais abertas entre Brasil e EUA.

Exposição terá duas instalações temáticas

O pesquisador José Neves Júnior, da Unicamp, é colaborador do trabalho, que teve início em 2015. Conforme ele, foram analisados cerca de 7 mil documentos que relatavam estratégias de perseguição e coerção no Paraná durante os chamados “Anos de Chumbo”.

“A ideia foi criar um catálogo de fontes temáticas para facilitar a pesquisa sobre o assunto”, diz o pesquisador, citando que de 12 mil documentos compartilhados pelo SNI com o aval da CIA por meio do projeto Opening The Archives, 452 são relativos ao Paraná.

De acordo com a pesquisadora Flávia Passa, do departamento de Ciências Sociais da UEL, a exposição terá duas instalações temáticas: uma em homenagem aos movimentos sociais, no Calçadão da UEL, que simula uma prisão, e a outra são fotos de pessoas públicas que foram perseguidas durante a ditadura, além de poemas com temática da época.

“Queremos mostrar que a história não está tão longe da gente, está nos nomes e endereços conhecidos pelos quais cruzamos diariamente em Londrina aos quais não damos importância. É emocionante sentir tudo isso”, declara Flávia.

O professor André Lopes Ferreira, membro da Comissão da Verdade da UEL, informou que o grupo está redigindo um relatório final sobre ações da Justiça de Transição, que dá conta da violação sistemática de direitos em períodos de guerras ou ditaduras.

“No Cone Sul existem alguns programas na Argentina e no Chile que buscam essa reparação. No Brasil, o programa de Justiça de Transição começou apenas em 2011. Isso é perturbador”, avalia Ferreira.

Para ele, houve “uma demora inexplicável em tomar esse terreno repisado da ditadura, que diz mais sobre como lidamos com nossas feridas históricas”.

Ferreira destaca ainda que a criação de Comissões da Verdade nos municípios é uma tentativa de acessar a memória daquela época e dar dignidade às pessoas violadas na ditadura. “Durante audiências públicas da Comissão da Verdade no Paraná o nome da UEL começa aparecer. Pessoas contando sobre os anos de chumbo na UEL. Por causa de muitos relatos, em 2015 a universidade instituiu a sua própria Comissão da Verdade.”

Os trabalhos, explica o professor, só foram possíveis por conta dos arquivos públicos disponibilizados pelo SNI. “Em duas dúzias de entrevistas com docentes, estudantes e funcionários ficou claro que muitas pessoas tiveram seus direitos violados dentro da UEL na ditadura. O resgate é da memória.”

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Uma resposta para “Exposição sobre direitos humanos na UEL revela arquivos dos ‘anos de chumbo’”

  1. […] Alguns dos documentos sobre o golpe estão expostos na réplica da Igreja Matriz de Londrina, na UEL… […]

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