Brasilianista norte-americano James Naylor Green analisa semelhanças da política do Brasil e dos Estados Unidos

Nelson Bortolin

Frustrada com sua situação econômica-social, parcela da classe média é que sustenta a expansão do discurso de ódio da extrema direita no mundo. São pessoas que buscam “bodes expiatórios” para justificar seu insucesso. Essa é a opinião do brasilianista norte-americano e docente da Brown University (Rhode Island) James Naylor Green.

Estudioso da ditadura militar brasileira (1964-85), ele esteve na Universidade Estadual de Londrina (UEL) na última sexta-feira (26), onde participou de uma conferência sobre democracia e golpe e conversou com a reportagem da Rede Lume.

O historiador compara o movimento que levou à eleição do ex-presidente dos EUA Donald Trump (2017-2021) ao bolsonarismo. “Bolsonarismo e trumpismo não são idênticos, mas são parecidos. São sustentados por pessoas que têm um certo ressentimento contra sua situação atual”, alega.

Medidas tomadas pelos governos em benefício dos mais pobres irritam a classe média tanto aqui como nos Estados Unidos. “Começam a criticar as cotas nas universidades e o fato de não poderem mais contratar empregadas domésticas que estariam exigindo muitos direitos”, declara.

Os populistas de direita como Trump e Bolsonaro, segundo Green, apelam às frustrações dessas pessoas para fazê-las defender ideias mais radicais, que põem em risco a democracia. “A direita defende que todo mundo tenha uma arma na bolsa para se proteger de inimigos e perigos que imaginam que estão ameaçando sua vida”, explica.

O historiador considera curioso como as ideias bolsonaristas ganham mais força em determinados segmentos, como entre taxistas e motoristas de aplicativos, por exemplo. “Não têm capacidade de elaborar um discurso que não seja o que ouvem na Jovem Pan ou nas redes sociais. Repetem esse discurso o tempo inteiro e não conseguem entender contradições como a das urnas eletrônicas.”

“Como pode o Bolsonaro criticar as urnas sendo que ele e a família sempre foram eleitos por elas?”, questiona. “Mas essas pessoas não querem saber. São irracionais com visões rígidas e é muito difícil dialogar com eles. Deixei de tentar.”

Também é difícil para Green, que participou de uma igreja protestante progressista durante a juventude, entender como a extrema direita consegue se apresentar como representante do cristianismo. Ele lembra que Cristo era pacifista e todos seus ensinamentos estão relacionados com amor e compaixão. “Não dá para entender. Essas pessoas defendem as armas como sendo um valor da religião delas. Isso não está na Bíblia.”

O pesquisador acredita que Bolsonaro pode tentar um golpe, caso não seja reeleito, mas duvida do sucesso da iniciativa. “O Brasil ficaria isolado internacionalmente. Hoje é muito diferente do que era em 1964, quando as forças internacionais, no contexto da Guerra Fria (entre Estados Unidos e a antiga União Soviética), apoiaram a ditadura brasileira.”

Green ressalta que o atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, vai se contrapor a um suposto golpe no Brasil. Ele ainda cita a declaração do senador democrata Bernie Sanders na semana passada. O democrata afirma que vai propor uma resolução ao Congresso norte-americano estabelecendo o corte de qualquer ajuda financeira ou militar ao Brasil em caso de ruptura democrática.

Também pesa contra Bolsonaro, na visão do historiador, a reação da sociedade civil em torno da Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito, proposta pela Universidade de São Paulo (USP), que teve a assinatura de um milhão de pessoas. “Foi importante porque não reuniu apenas a esquerda, mas empresas e bancos e a grande imprensa”, justifica.

Por outro lado, Green lembra que Bolsonaro é “irracional” e pode tentar o golpe, apesar de tantas forças contrárias.

Ele não acredita na reeleição do presidente tendo em vista que o adversário Luiz Inácio Lula da Silva é franco favorito entre os mais pobres, segundo pesquisas do Instituto Datafolha. Green aposta, no entanto, que Bolsonaro vai ganhar pontos nas intenções de voto dos brasileiros até a eleição. “Com tantos milhões de dólares gastos no orçamento secreto e em benefícios é natural que ele cresça, mas não a ponto de ganhar a eleição.”

Trump também não deve voltar a governar os Estados Unidos tendo em vista os processos que estão sendo abertos contra ele.

Arquivos da CIA

James Naylor Green morou no Brasil nos anos 1970 e 1980, onde foi perseguido pela ditadura. Há oito anos, ele fundou o projeto “Opening the arquives”, que reúne documentos do governo norte-americano a respeito do regime militar brasileiro. O projeto é realizado por parceria da Brown University com universidades brasileiras.

“É muito difícil e caro viajar para os Estados Unidos. Estamos, então, oferecendo oportunidade para centenas de brasileiros e brasileiras que pesquisam os arquivos americanos. São 70 mil documentos já digitalizados”, conta.

O projeto entra em nova fase. “Começamos agora a digitalizar a documentação dos brasileiros exilados em Paris, que foi o centro do exílio das pessoas que resistiram a ditadura no período pós-golpe do Chile.” Quando os militares tomaram o poder em 1964, muitos intelectuais e militantes brasileiros se exilaram no país vizinho, onde os militares só deram o golpe em 1973.

O PROJETO

A conferência de Green faz parte do projeto “Os documentos inéditos dos arquivos do SNI (Paraná)”, que integra o “Opening the arqhives da CIA”. Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação Araucária, o projeto é coordenado na Universidade Estadual de Londrina pelos professores Fábio Lanza, do Departamento de Ciências Sociais, e José Wilson Assis Neves júnior, do Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Clique aqui e leia mais.

Alguns dos documentos sobre o golpe estão expostos na réplica da Igreja Matriz de Londrina, na UEL.

Uma resposta para “Frustrados e ressentidos são base da extrema direita”

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