A arte educadora Giselda Perê vai ensinar, em uma oficina gratuita online, como combater o racismo resgatando mitos e contos que revelam o que há de mais humano de cada cultura

Da Redação

Foto em destaque: Thais Alves/Divulgação

Será realizada nesta quinta-feira (1) a oficina online “Educação Antirracista com Histórias – Um olhar sobre as narrativas em sala de aula”, com a arte educadora Giselda Perê. A atividade faz parte do 11º Encontro de Contadores de Histórias de Londrina, que encerrou a fase de apresentações presenciais em 19 de agosto, mas segue com ações formativas online até 10 de setembro.

Giselda Perê é a fundadora do Agbalá Conta – Núcleo de Pesquisa e Narração de Histórias das Culturas Negras, com sede em São Paulo. O nome Agbalá vem da cultura africana e significa cabaça encantada que guarda histórias cheias de sabedoria ancestral.

Mestra em Arte Educação pelo Instituto de Artes da Unesp, Giselda tem mais de 20 anos de experiência no combate ao racismo baseado na formação de professores por meio de um repertório de mitos e contos. A oficina desta quinta é dedicada aos professores e professoras do projeto Palavras Andantes, da Secretaria Municipal de Educação de Londrina, mas está aberta a todos os interessados.

O conteúdo prevê uma reflexão sobre questões que envolvem quais histórias ouvimos e quais contamos, qual é o perigo de uma história única e os caminhos que podemos descobrir por meio da tradição oral, das histórias de origem e da literatura infantojuvenil.

Para Giselda, o racismo se manifesta nas escolas já na construção do currículo escolar. “Não são incluídas as sabedorias, os conhecimentos e a história da população preta e dos ancestrais indígenas.”

“Mas o racismo tem várias camadas, desde as relações entre professores e crianças que rotulam crianças pretas por entender e julgar que aquela criança não tem capacidade cognitiva, não tem inteligência”, diz a educadora.

Segundo ela, o que está impregnado no imaginário racista está relacionado ao pensamento de que a criança negra não tem família, nem acompanhamento, que tem dificuldade escolar, é violenta e que não tem futuro. “São inúmeros rótulos.”

Outras expressões do racismo também acontecem na escola, de acordo com a educadora, como a dos professores que constroem seu planejamento incluindo as culturas africana e indígena e são perseguidos. “Recebo inúmeros relatos de professores que são perseguidos pelos gestores”, relata Giselda.

“A perseguição também acontece nos aspectos das pessoas que são de religião de matriz africana. Elas não podem expressar, não podem se manifestar, não podem usar suas simbologias dentro do contexto escolar porque são perseguidas, são rotuladas como adoradoras do demônio, por exemplo. Então a gente vive um momento bem difícil.”

Giselda lembra que em 2010 precisou sair de licença médica do seu cargo de professora de artes na rede estadual de São Paulo apenas dois anos após assumir a vaga porque adoeceu. “Tive burnout e a principal razão, que eu consegui identificar no meu processo terapêutico e no meu tratamento, é que para mim foi um choque muito grande, em 2008, ver os mesmos aspectos do racismo que havia na escola da época em que eu era criança, na década de 1980”, confessa.

“Sei que de 2008 para hoje já se passaram 14 anos, mas algumas escolas pararam no tempo. Estão lá ainda na minha infância, onde você precisava se adequar e tentar se encaixar naquele modelo pré-estabelecido. E mesmo com todo o esforço, tentando ser algo que você não era, nunca ser aceito.”

Conforme a educadora, hoje, professores e famílias já têm acesso a materiais que fornecem informação sobre culturas pretas. “Acho que o que muda hoje é que o debate sobre o racismo acontece, não de modo geral, mas em algumas realidades escolares.”

“Mas a gente está muito distante de ter uma escola, principalmente na rede pública, em que exista igualdade de direitos, em que o currículo traga conteúdos que falem das nossas identidades para além do eurocentrismo habitual. Na forma de se ensinar o que é belo, o que é bom, o que é certo”, opina Giselda.

Ela reforça que a história única que se perpetua é a história da exclusão, da exploração e da escravidão, da marginalização e das violências. “E ela se perpetua porque a sociedade continua repetindo essa história nas suas mídias, nos seus livros didáticos, nas formações, nas faculdades onde estão se formando profissionais, porque nossa sociedade vive um racismo estrutural, que só se mantém por reproduzir essa única história sobre nós.”

Para Giselda, o racismo estrutural sobrevive por conta desta narrativa que não associa pessoas pretas ao poder, ao conhecimento, à sabedoria, à beleza, à diversidade. “Somos diversos. As populações pretas são diversas no Brasil, no mundo e no próprio continente africano, que é a nossa origem”, alerta a educadora.

Quando nós conhecemos a cultura preta, por meio dos mitos e contos africanos e afro-brasileiros, temos uma relação mais direta com a voz do protagonista. Não é quem colonizou, quem escravizou, quem explorou que está falando sobre o assunto. É a própria população contando da sua origem”, explica.

Por isso, é importante o professor conhecer a história por essa perspectiva e não apenas pela do colonizador, que está quase sempre colocando sobre a população negra um olhar de estranheza, fazendo comparações com as referências brancas e eurocêntricas. “As histórias tradicionais, incluindo os mitos e contos, nos proporcionam o contato com o que há de mais humano de cada população, de cada cultura.”

“O racismo, na perspectiva da população preta, nos desumaniza, rouba nossa dignidade humana. Quando o professor faz contato com essas histórias, amplia o seu repertório cultural. Exercitar a empatia e o conhecimento sobre o outro é também conhecer a si próprio.”

Para Giselda, esse movimento é, também, um exercício de reconhecimento do racismo. “É importante aceitar que ele está no nosso cotidiano. Por isso a gente precisa rever as nossas trajetórias formativas, para compreender como a gente consolidou essas ideias racistas que, por muitas vezes, orientam práticas pedagógicas Brasil afora.”

Oficina resgata conceito de antirracismo

Na oficina, a educadora traz, primeiro, o entendimento sobre o conceito do antirracismo. “Contextualizar historicamente, compreender como ele nasce e olhar um pouco antes dele. Como o movimento negro constrói essa luta que hoje a gente está chamando de antirracismo, mas que tem uma história anterior”, declara.

Em seguida, o professor é convidado a conhecer histórias e caminhos possíveis de se fazer essas histórias, seja no contexto familiar, escolar e de formação acadêmica. “Tanto por meio das histórias tradicionais da oralidade, quanto as histórias pretas também das literaturas infantis e infantojuvenis.”

“Eu vou apresentar um repertório, trazer referências e provocar reflexões de como essas histórias podem nos orientar, nos dar um caminho para uma educação antirracista em diferentes contextos, principalmente na escola, mas também olhando para a nossa vida privada”, descreve Giselda, que se descobriu narradora de histórias na sua trajetória como professora.

“Me descobri narradora por conta dos meus alunos. Eles é que me disseram, em diferentes momentos e de diferentes formas, que gostavam do meu jeito de dar aula por eu contar histórias”, recorda.

“Nesses momentos, eu comecei a fazer perguntas que culminaram na minha dissertação de mestrado, na qual busquei fazer relações com a prática pedagógica, com aspectos do nosso cotidiano de sala de aula, onde a palavra, a narração, o construir narrativas é algo muito cotidiano”, revela a educadora.

Neste momento, ela correlacionou sua experiência com a dos narradores tradicionais africanos para aprender sobre os valores que eles preservam e as técnicas que eles utilizam para se manter em conexão com a oralidade.

“Eu acho que um professor se torna um bom narrador quando compreende o poder da narrativa, o poder que está com ele cotidianamente em sala de aula, quando ele está ali, construindo narrativas, nutrindo imaginários de crianças e jovens.”

Para Giselda, um professor se torna um bom narrador olhando para a sua própria experiência de vida, para sua própria história de origem, passando a narrar essas histórias. “Compreendendo a sua força e a sua potência para além das histórias que a gente aprende nos livros. Também as histórias das nossas vivências, das nossas experiências, estão relacionadas diretamente com o conceito da oralidade.”

Leia também:

Frustrados e ressentidos são base da extrema direita

*A Rede Lume acredita em um jornalismo mais humano e diverso. Somos três jornalistas e sete colunistas que escrevem sobre assuntos diversos dentro da temática dos direitos humanos. Clique aqui para ajudar o jornalismo da Rede Lume.

Deixe uma resposta

%d