Por Beatriz Herkenhoff*
Fotos: Carlos Monteiro
Quando eu me aposentei, há dez anos, decidi que só faria atividades que me proporcionassem prazer e alegria. Construí um cotidiano intenso, movimentado, solidário e amoroso. Atenta para colocar meus desejos em primeiro lugar e também para aqueles que precisavam de um ouvido amigo, uma oração, boas gargalhadas, um gesto desprendido, um abraço aconchegante ou um momento inesquecível. Vivi experiências ricas em todas as áreas.
Pensei que não tinha mais caminhos a percorrer, que já estava tudo pronto, sedimentado e costurado. De repente fui surpreendida com o fluir da escrita. As crônicas nasceram despretensiosamente, sem método, sem direção, seguindo a energia, a intuição, a empatia, a indignação, a resistência, a dor, o amor, a solidariedade, a esperança e a sensibilidade.
Minha amiga jornalista Adriana do Amaral passou a publicar minhas crônicas e apresentou-me a Roberto Joaquim de Oliveira, jornalista, doutor em Comunicação Social. Foi quando surgiu a proposta de publicar o livro “Por um triz: crônicas sobre a vida em tempos de pandemia”, em 2021.
Roberto Joaquim realizou a diagramação e o projeto editorial. Publicamos 20 crônicas sobre temas diversos: morte, luto, loucura, dependência química, as crianças na pandemia, o desejo de fartura num mundo justo, a importância dos espaços públicos, a ancestralidade e a potência da raiz da mulher negra, a inclusão por meio do esporte, entre outros. Textos ilustrados com as aquarelas potentes, belas e impactantes de minha irmã, Heloisa Herkenhoff. Escrita e aquarela dialogaram com intensidade num momento de paralisia e medo devido à pandemia. Leitores escreveram que abrimos novos horizontes com esperança. Feedbacks emocionantes.
As trocas com Adriana e Roberto Joaquim não pararam e assim nasceu o segundo livro “Legados: crônicas sobre a vida em qualquer tempo”, em 2022. Escrevi sobre os legados deixados pelos meus avós, pai e mãe, bem como os que estou deixando para aqueles que darão continuidade aos meus sonhos e projetos. Ao descrever a natureza e a beleza de Guarapari, colhi o testemunho de três mulheres sábias: Marta com 80 anos, Helida com 87 e Sofia com 90. Ao afirmar a força transformadora da água percorri o litoral de Vitória e do Espírito Santo, bem como o Parque da Chapada Diamantina (BA). Mergulhei em temas como a potência da escrita, da música, da educação, do útero, do cuidado com o nosso Planeta Terra e suas criaturas.
Roberto Joaquim fez a diferença nos dois livros. Uma de suas características é a postura dialógica, permitindo a construção coletiva. Ele deu asas para que eu pudesse voar, reafirmou permanentemente minha autonomia como autora. Possibilitou que eu me sentisse empoderada como escritora!
Este livro trará um elemento inédito: fotografias! Assim, surgiu um novo parceiro. Despedi-me de Heloisa com gratidão e redirecionei meu olhar para novas perspectivas, desta vez recebendo Carlos Monteiro, que deu luz e forma às minhas palavras e emoções. Fotógrafo competente, comprometido, ético e sensível. Carlos passou uns dias em Vitória e Guarapari registrando o nascer do Sol, da Lua, o pôr do Sol, a orla, o convento da Penha, as paneleiras, a Ilha das Caieiras, entre tantos cenários lindos que falam de minha história e dos meus legados.
Pedi a Carlos Monteiro que escrevesse sobre essa experiência e ele colocou sua visão através das lentes de sua câmera: “Senti imensa satisfação na imersão dos textos e transpô-los para imagens; tudo foi grandioso, confesso. Dois pontos altos sublimaram minh’alma: o pôr do Sol no porto de Guarapari, observando a natureza, esplendorosa, concluindo mais um ciclo diário e a montagem do painel de conchas, búzios, caramujos, pedrinhas sobre a areia preta que encima, no vai e vem do balanço dos mares a praia homônima, ‘colhida’ ao amanhecer. Sentir a energia, de cada uma delas, deixada pelo doce avô Délio, me levou a uma catarse nunca vivida em meu tantos anos de vida; momento ímpar em sua singularidade. Foi um privilégio participar desta obra”.




Depoimentos
Roberto Joaquim também fala de suas percepções: “O livro da Beatriz traz uma novidade: o registro da paisagem e do ambiente que marcou e ainda marca sua vida. As fotos, meticulosamente escolhidas, mostram cenários que fazem parte da memória afetiva da escritora. Aqui são desvendados carinhos e carícias da vida familiar e social de uma personagem apaixonada pelo Espírito Santo (no seu duplo sentido – espiritual e local). Ao leitor é necessário dizer que crônicas e fotos fazem parte de uma mesma narrativa. As primeiras encantam pela sutileza dos detalhes e vivacidade das ações. A seguir, o registro fotográfico detalha um imaginário que só quem viveu intensamente os momentos geradores dos textos pode ser capaz de trazê-los de volta. E, mais importante, deixá-los como legados para todos, para os leitores de um futuro vocacionado ao fraterno, ao solidário, ao verdadeiramente humano. Justamente o que propõe o livro: relatar histórias que possam mostrar que a existência humana vai sendo lapidada pelo tempo numa relação frenética e rápida geradora da consciência de que uns precisam dos outros para a construção de momentos existenciais inesquecíveis. Enquanto um só ser não tiver vida em plenitude, não será possível falar em civilização. Se este conceito parece distante para alguns, o livro da Beatriz indica os caminhos para que ele se materialize entre nós”.
Alcir Santos, além de fazer o prefácio, deu seu parecer sobre o livro aqui: “Faço uma divisão arbitrária de cronistas. De um lado os que escrevem sobre o que veem, observam, colhendo informações para, a partir dali, tecer comentários, criticar, estabelecer paralelos, buscando levar ao leitor o seu entendimento. De outro, os que escrevem sobre as suas experiências de vida, quer seja no trabalho, quer seja na vivência diuturna com pessoas das mais diversas condições sociais. Este é o caso de Beatriz Herkenhoff. Suas crônicas são atípicas porque carregam o diferencial que é a escrita feita com o coração. Beatriz se entrega, põe a alma em cada linha do que escreve. É puro sentimento! Melhor, deixemos que ela mesma se defina ‘…são muitas as intensidades vividas por mim, então tenho que deixar brotar no momento certo’. Portanto, uma cronista que só escreve sobre o que sente e o que vive”.
Adriana do Amaral também escreveu: “A experiência de vida vai se acumulando em anos até que ela tem de reverberar, multiplicando em novas formas de expressão. Por isso, testemunhei com naturalidade a transição da Beatriz mulher, cidadã, assistente social, cronista eventual para escritora de fato e direito. Afinal, histórias e testemunhos de vida como os da autora precisam atingir os leitores. Eu, leitora, sorvo cada palavra e sonho junto com Beatriz, que faz da vida poesia, da memória literatura, da palavra escrita sua arte!”
Confesso, porém, que eu só consigo seguir esse caminho como autora independente porque tenho amigos e familiares que apostam em mim, que caminham de mãos dadas, que construíram uma rede de apoio amorosa.
O livro está pronto para ir para a gráfica, mas, em seis meses a inflação duplicou os custos de sua produção. Como seria inviável seguir com esse projeto, mais uma vez vou fazer uma pré-venda para que eu possa bancar o valor da impressão. Em breve, anunciarei o financiamento coletivo, com preços especiais, e contarei com vocês para materializar “Legados: crônica sobre a vida em qualquer tempo”.
*Beatriz Herkenhoff é assistente social. Professora aposentada do Departamento de Serviço Social da UFES. Com doutorado pela PUC-SP. Autora do livro: “Por um triz: Crônicas sobre a vida em tempos de pandemia” (2021).
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