Ocupação em Paiçandu, região de Maringá, abriga cerca de 1.200 pessoas e é organizada pela Frente Nacional de Lutas – Campo e Cidade (FNL)

Por Valdete da Graça, especial para a Rede Lume

“Se vale a pena? Nunca me senti tão grato e feliz em presenciar essa grande festa aqui. Estou arrepiado”. Com os olhos marejados e a voz embargada, o sociólogo, teólogo, técnico em administração e segurança do trabalho, Carlos Alexandre Ferreira, o Carlão, 40 anos, afirmou estar realizado, quando perguntado se valia a pena o trabalho como coordenador da Frente Nacional de Lutas – Campo e Cidade (FNL), na Ocupação Dom Hélder Câmara, no município de Paiçandu, região de Maringá.

No último domingo (29), o local ganhou de presente uma festa cultural que reuniu cerca de 1.200 pessoas das 240 famílias que ocuparam os prédios, além de representantes da comunidade, líderes partidários, de coletivos diversos, igrejas e sindicalistas de Maringá e região. As crianças foram as que mais aproveitaram os espetáculos circense, de dança, música e de teatro.

A oportunidade serviu para apresentar à comunidade como funciona uma Ocupação. Os moradores falaram da rotina e do relacionamento num sistema de cooperativa. As irmãs Maria Magda Selmini Evangelista, de 40 anos e Ana Paula Selmini Farias, de 33, entraram no Conjunto já no primeiro dia da ocupação e levaram a mãe, Florita Selmini, de 68 anos, os maridos e os três filhos de Ana Paula.

A vida fora de lá é bastante dura e cara. A crise, agravada no governo de Jair Bolsonaro (PL), empurrou centenas de famílias de baixa renda para as cidades dormitórios, onde os valores dos aluguéis são mais baixos que nos grandes centros. Mesmo assim, o preço pago por moradias pequenas e sem nenhum tipo de conforto chega a ser insustentável para quem ganha pouco mais de um salário mínimo por mês.

Maria e Ana Paula trabalham como auxiliares de embalagem num frigorífico que fica no próprio município. Elas contam que pagavam, cada uma, cerca de R$ 700 de aluguel. Valor muito alto se comparado ao salário que ganham. Na ocupação estão podendo economizar e, assim, melhorar a alimentação da família. Ainda ajudam os demais moradores que enfrentam insegurança alimentar. Ana Paula colabora na cozinha comunitária e sempre oferece um lanchinho, na casa dela, a quem precisa.

O auxiliar de produção, Alessandro Dias dos Santos, de 45 anos, é outro trabalhador que deixou de pagar R$ 600 de aluguel numa pequena casinha em Maringá para estar na Ocupação em Paiçandu. Ele está afastado do serviço por causa de um acidente de trabalho e mesmo recebendo auxílio do INSS, o valor mal dá para pagar as necessidades básicas. “Aqui temos luz, água e a vida em comunidade é ótima, além do que posso economizar com o aluguel”, diz.

Abandonado há cerca de 10 anos o conjunto, com seis prédios inacabados, pertencia à Construtora Cantareira, de Maringá. A empresa pediu recuperação judicial e abandonou o local, que acabou sendo “habitado” por dependentes químicos e utilizado até para desova de corpos. Hoje, a expectativa é que as famílias façam jardins, hortas e, aos poucos, deixem a localidade habitável.

Ocupação acolhe imigrantes

Aproximadamente 87% dos moradores do Dom Hélder são munícipes de Paiçandu e os 13% restantes vieram de outras localidades, inclusive da venezuelana, como Petra Marin, de 68 anos. Ela conta que chegou ao Brasil há cerca de dois anos, estabelecendo-se em Maringá, incentivada pela filha, que conseguiu se estabilizar por aqui.

A igreja ajudou no começo com a parte financeira. Depois de se mudar de casa três vezes por conta do valor do aluguel, a aposentada veio para a ocupação “tentar a sorte” e, claro, economizar o dinheiro que pagaria para morar. Como todos, fez o cadastro e hoje é uma das 1.200 moradoras da Ocupação.

Petra mora no andar mais baixo, pois a irmã, que também vive com ela no local, sofreu um atropelamento por um motorista bêbado e tem dificuldades de locomoção. Hoje, as duas estão juntas e ajudam a tornar o que antes era um conjunto de prédios inacabados rodeado por um imenso matagal e buracos com água parada em lares habitáveis.

Mesmo estando em um local ainda precário, em termos de água, esgoto e energia elétrica, Petra tem como ponto primordial permanecer no Dom Helder, apesar do receio que tem da Polícia. A meta agora pode parecer pequena, mas para ela é ponto forte: “Montar um jardim e deixar o local bem florido”.

A língua é um fator que acaba dificultando a integração da venezuelana, mas ela conta que integrantes de uma igreja em Maringá a estão ajudando com aulas de português, e isso auxilia também no relacionamento com os demais imigrantes, como os da Guatemala e Haiti.

​​​Casa própria: sonho de todos

O Dom Hélder está quase 100% ocupado. Em dois dias, o lugar recebeu os trabalhadores que já estavam cadastrados pelo FNL. Na primeira fase, como conta Carlão, foram feitas as entrevistas, depois o recadastramento e, na etapa final, a consolidação. O local vinha sendo estudado há mais de nove meses como ponto para suprir a necessidade dos moradores que, como todos, sonham com a casa própria.

As regras por lá são bem rígidas e o regimento interno é bem claro. Quem entra assina um termo de compromisso, que compreende manter a limpeza do local, não fazer barulho após às 22 horas, jamais fazer uso de drogas e bebidas alcoólicas nas dependências comuns. Quem pode, deve ajudar na cozinha comunitária, seja fazendo o almoço ou jantar ou trabalhando na limpeza.

Pode fazer parte da ocupação somente quem, comprovadamente, tenha renda familiar de até dois salários mínimos mensais, pague aluguel ou esteja em situação de despejo ou de rua. Hoje o cadastro já conta com uma lista de espera de mais de 400 pessoas que se enquadram nesses requisitos, como uma senhora que mora num container e outra que vive numa Kombi.

Num país em que há mais casas sem gente do que gente sem casa, experiências como esta acabam sendo uma luz no final do túnel para todos que sonham com um lar. A iniciativa mostra, ainda, que no grave momento de crise pelo qual estamos passando – agravada pela ausência de programa habitacional voltado para famílias de baixa renda -, a luta se faz necessária e ajuda a mostrar que o direito à moradia, assegurado no parágrafo 6º da Constituição Brasileira, precisa estar assegurado não só no papel, mas também na prática.

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