Relações de pertencimento são cultivadas no dia a dia.
As redes sociais geram a ilusão do pertencimento. Mas, se não criarmos espaços no mundo real para a convivência fraterna, corremos o risco de ficarmos isolados.
Pertencer a grupos no mundo real gera sentimentos positivos de identidade, autoestima, confiança, enraizamento, cumplicidade, intimidade, reconhecimento dos próprios valores e potencialidades.
Pertencer possibilita partilhar com maior intensidade e liberdade o amor, a alegria e os sonhos.
A convivência cotidiana influencia a forma como lidamos com a vida.
Alguns grupos reforçam nossas qualidades e crenças em nossa capacidade de vencer, apesar dos obstáculos.
Tem grupos que fortalecem a nossa energia para resistir, denunciar e lutar por um mundo melhor.
Outros nos desqualificam, diminuem, menosprezam, ironizam, fazem fofocas. Geram divisão, desconfiança e baixa autoestima.
Em prol de nossa saúde física, psíquica, emocional e espiritual, temos que nos afastar de grupos tóxicos.
Que a cada amanhecer possamos nos abrir para uma relação densa e intensa com o mundo real. Dar atenção e afeto para aqueles que estão ao nosso lado e deixar as conversas nas redes sociais para o momento em que estamos sós.
Ao frequentar bares, cafés, restaurantes, parques e praias, observo como as pessoas ficam totalmente vidradas no celular, absortas e ausentes em relação ao que está acontecendo ao seu redor. Não querem perder a velocidade das informações do mundo virtual e fecham os olhos para histórias interessantes e engraçadas que estão rolando naquele ambiente de lazer.
Fico muito sensibilizada quando vejo crianças brincando alegremente enquanto os pais não desviam os olhos do celular. Que mensagem transmitem para a criança com essa postura? “O celular é mais importante do que você.”
A criança precisa de atenção dos pais, de tempo de qualidade, de troca de olhares, de palavras de reconhecimento e estímulo. As redes sociais estão desviando o olhar dos pais desse pequeno ser em desenvolvimento e que é puro amor.
O tempo voa. Eles crescem rápido e nós deixamos passar trocas que são essenciais para a alegria e harmonia da família e do nosso planeta.
Não estou negando a importância das redes sociais, elas facilitam para reencontrarmos pessoas queridas e grupos que tiveram um significado em nossas vidas. E quando isso ocorre é uma festa.
Em contrapartida, as redes sociais também ampliaram as fake news, mentiras que desestabilizam, ameaçam e dividem. Muitos se fecham numa bolha de informações e não conseguem ter um olhar diferenciado sobre o que está acontecendo realmente.
Com a pandemia, com o isolamento em nossas próprias casas, as redes sociais e os encontros online passaram a ser a única forma de comunicação. E se antes as pessoas já estavam viciadas em celular, essa dependência aumentou.
Precisamos estar atentos para que esse comportamento compulsivo em relação ao celular não predomine quando estamos com amigos, familiares e com as crianças.
Olhar nos olhos das pessoas, observar seu sorriso, perceber seu jeito de ser, suas expressões faciais e corporais. Ouvir o que têm a dizer. Confirmar sua beleza e originalidade.
Trocar experiências sobre sentimentos que brotaram nesse período de isolamento. Que vivências negativas e positivas? Que histórias ficaram guardadas para serem partilhadas com gratidão, alegria e intensidade? Que histórias tristes que possibilitaram crescimentos e aprendizados?
Somos convidados a ressignificar a comunicação virtual, introduzindo novos hábitos ao mundo real. Desenvolver a empatia, a capacidade de ouvir e acolher.
Desejo que em 2023 possamos parar e rever como estamos construindo e cultivando os grupos que geram em nós sentimentos positivos de pertencimento.
Que valores e atitudes incorporamos nesse momento de retorno à convivência?
Vamos cuidar dos laços, fortalecer o benquerer, alimentar o diálogo, regar as flores, deixar que o sol entre em nós e que a luz se espalhe a partir do nosso interior.
Vamos dançar, ouvir música, cantar, pintar, bordar, desenhar, jogar uma bola, namorar, beijar, dar e receber prazer e amor. Transformar o mundo pela arte, pela fé e pela alegria que inunda.
Que o meu conceito de felicidade não se restrinja ao bem-estar da minha família. Sou chamado a ser sensível e solidário com os pobres e abandonados, com os desempregados e injustiçados, com os maltratados e torturados, com aqueles que não têm um teto para morar. Lutar por um mundo mais justo, igualitário e humano. Cuidar do nosso planeta terra e de suas criaturas. Ser solidário com os povos indígenas. Cultivar a fé e ações concretas de amor.
Ser presença amorosa e fonte de alegria para aqueles que me cercam. Sentar para brincar com as crianças. Ficar inteira para suas demandas e necessidades.
Investir nas crianças. Estimular sua criatividade. Colocar limites com assertividade. Falar de suas qualidades, reconhecer suas potencialidades. Apostar em seu futuro. Cultivar a cooperação e não a competição. A generosidade e não o egoísmo. O respeito e não o preconceito.
A semente de amor é plantada na mais tenra idade.
Por isso é necessário desenvolver gestos de gentileza e valorização do outro. Respeitar as diferenças. Abolir palavras que destroem e dividem.
Exercitar o perdão, expandir o amor, incluir todos numa dinâmica de igualdade e respeito.
Está parecendo receita de bolo? Mas não é. São desafios complexos que exigem atitudes permanentes de atenção e revisão do nosso modo de viver, de relacionar com o mundo real e virtual.
Para fazer um bolo é só misturar os ingredientes, respeitando a quantidade necessária. Para viver bem, em paz, dialogando, com respeito e harmonia, é preciso avaliar permanentemente os ingredientes. Ter ousadia para substituí-los, reconhecendo meus limites, bem como sentimentos de prepotência e superioridade.
Ser mais simples e humilde, dando um salto de qualidade constante na relação com o mundo. Ter coragem de admitir erros e recomeçar sempre.
Ficar um pouco mais distante das redes sociais e mais inteiro para aqueles que desejam o nosso olhar, a nossa escuta, o nosso abraço afetuoso e a nossa palavra construtiva e amorosa.
Quais são os seus desejos para 2023? Vamos sonhar juntos? Vamos transformar esse sonho em realidade?
Que possamos fazer a diferença ao ouvir e cantar “Aquarela” com Toquinho.
“Numa folha qualquer
Eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo
Com o lápis em torno da mão
E me dou uma luva
E se faço chover
Com dois riscos tenho um guarda-chuva
Se um pinguinho de tinta
Cai num pedacinho azul do papel
Num instante imagino
Uma linda gaivota a voar no céu
Vai voando
Contornando a imensa curva, norte, sul
Vou com ela viajando
Havaí, Pequim ou Istambul
Pinto um barco à vela branco, navegando
É tanto céu e mar num beijo azul
Entre as nuvens vem surgindo
Um lindo avião rosa e grená
Tudo em volta colorindo
Com suas luzes a piscar
Basta imaginar e ele está partindo
Sereno indo
E se a gente quiser
Ele vai pousar
Numa folha qualquer
Eu desenho um navio de partida
Com alguns bons amigos
Bebendo de bem com a vida
De uma América a outra
Eu consigo passar num segundo
Giro um simples compasso
E num círculo eu faço o mundo
Um menino caminha
E caminhando chega num muro
E ali logo em frente
A esperar pela gente o futuro está
E o futuro é uma astronave
Que tentamos pilotar
Não tem tempo, nem piedade
Nem tem hora de chegar
Sem pedir licença, muda a nossa vida
E depois convida a rir ou chorar
Nessa estrada não nos cabe
Conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe
Bem ao certo onde vai dar
Vamos todos numa linda passarela
De uma aquarela
Que um dia enfim descolorirá
Numa folha qualquer
Eu desenho um sol amarelo (que descolorirá)
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo (que descolorirá)
Giro um simples compasso
E num círculo eu faço o mundo (que descolorirá)”
*Beatriz Herkenhoff é assistente social. Professora aposentada do Departamento de Serviço Social da UFES. Com doutorado pela PUC-SP. Autora do livro: “Por um triz: Crônicas sobre a vida em tempos de pandemia” (2021).
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