Coletivo Ciranda da Paz inicia gravação da terceira temporada de podcast no Vista Bela neste domingo

Mariana Guerin

Foto em destaque: Reprodução/Youtube

O coletivo Ciranda da Paz, que atua no Jardim Nossa Senhora da Paz, iniciou a gravação da terceira temporada do podcast “Vozes da Comunidade”, patrocinado pelo Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic). A pauta do projeto reúne histórias do cotidiano da comunidade da Zona Oeste de Londrina, mais conhecida como Favela da Bratac, e de outros bairros periféricos da cidade.

Os integrantes do coletivo são, em sua maioria, moradoras e moradores da própria Bratac, que trocam experiências e vivências com os entrevistados nas gravações do podcast para o canal do Youtube. As entrevistas registram as memórias de quem vive nas comunidades, destacando temas como a luta por direitos à moradia digna, alimentação, lazer e esporte, sustentados na resistência antirracista, LGBTfóbica, feminista e ambientalista.

A primeira e a segunda temporadas trazem três entrevistados que moram, já moraram ou têm alguma conexão com o Jardim Nossa Senhora da Paz, enquanto a terceira temporada terá cinco séries, de três entrevistas cada, com personagens de diferentes bairros periféricos de Londrina e região. Para acessar o podcast e assistir às entrevistas das duas primeiras temporadas, clique aqui.

‘Vozes da Comunidade’ ressignifica imagem da favela

Um dos diretores do podcast, o arquiteto e urbanista Leonardo Antunes Paloco, 24 anos, conta que a ideia de criar o “Vozes da Comunidade” surgiu em 2021. “A gente já tinha uma trajetória de anos desenvolvendo projetos na Bratac, todos amarrados pelo nosso conceito de levar arte, cultura, lazer, educação e saúde para o nosso território.”

Além de Leonardo, integram a equipe de produção do podcast Bruna Moura e Vitor Leandro, moradores da Bratac, Isabely Ramos, Gabriela Meneghelli, Thais Ferreira e Beatriz Melo, que moram em bairros vizinhos.

“Todos os projetos que a gente desenvolve, de certa maneira, têm por objetivo fazer com que as pessoas ressignifiquem a imagem que elas têm da favela da Bratac e, por consequência, de qualquer outra região periférica de Londrina ou do Brasil e do mundo.”

“A gente luta contra esses estereótipos que foram criados pela mídia racista sobre o nosso bairro e todas as regiões periféricas da cidade. Queremos que as pessoas vejam que o nosso território, e qualquer outro território de periferia, é muito potente, que a gente tem muito talento. Não é o tráfico, não é a criminalidade, não é a prostituição, é um cenário completamente diferente”, comenta Leonardo.

Promic viabilizou podcast

Para dar voz aos protagonistas da história da Bratac, o coletivo decidiu submeter o projeto do podcast ao Promic. “A gente pensou: é agora. Que as pessoas, através do podcast, conheçam melhor como é realmente esse território e não apenas pelo que elas veem no noticiário, que sempre assemelha a um monte de coisa ruim.”

Essa foi a primeira experiência do coletivo com editais. Em 2021, o projeto, que deveria ter um tempo de execução de seis meses, recebeu menos dinheiro e teve de ser realizado em menos tempo, por conta de atrasos comuns na liberação da verba pela Secretaria Municipal de Cultura.

“A gente delimitou para aquele momento três episódios, que surgiram a partir de temas espontâneos. Seguimos a ideia de dar voz às pessoas, nos colocando na condição de alguém externo, escutando aquilo”, diz Leonardo.

Temas foram escolhidos de forma orgânica

Surgiram três temas principais, que foram explorados em episódios distintos, de acordo com o contexto do momento de verba, equipe e tempo. No total, oito pessoas se envolveram na produção da primeira temporada do “Vozes da Comunidade”.

Segundo Leonardo, os temas surgiram organicamente. “Decidimos falar sobre a história da favela, os vários nomes que o bairro já teve, como se deu esse desenrolar histórico. E para isso a gente já pensou que automaticamente teria que ser escolhida uma pessoa que está ali há muito tempo. De quebra, já veio a Rosa do Café, que está no bairro há muito tempo e acompanhou o desenvolvimento da história como protagonista”, destaca o diretor.

Na sequência, os produtores pensaram em outros dois temas relacionados à potência que há no bairro, “em inúmeras pessoas extremamente talentosas e que não são conhecidas e que têm o seu trabalho completamente marginalizado e estigmatizado”, emenda Leonardo, enxergando a possibilidade de trabalhar com a música, que é um cenário bem consolidado no bairro, que tem vários MCs, além de músicos de outros segmentos.

Então eles chamaram os MCs Teseu e VH para conversar sobre como é ser artista independente dentro de uma comunidade, trabalhar com rap, com funk, com hip-hop, que são tidos como arte da periferia e marginalizadas como tal.

“Por último, a gente pensou que poderia trazer essa questão do quanto é difícil você viver e resistir como um corpo preto favelado dentro de uma comunidade, para além da história. Como é para o ser, para a pessoa, estar ali. Os moradores especificamente. E aí a gente pensou na Marcelly Marquezinny, que a gente já conhecia do bairro. Então, todos os personagens surgem de uma maneira muito orgânica”, detalha Leonardo.

Visualizações surpreenderam

Ele comemora o resultado positivo da primeira temporada, mas avalia que um dos entraves para projetos do Promic, em geral, é a divulgação. “Trabalhos incríveis são produzidos, mas pouco conhecidos. Não chegam até muita gente.”

“Já o nosso tinha a proposta de trabalhar com a mídia, com a disposição de um produto audiovisual que ficasse armazenado, seja lá em qual plataforma, para que as pessoas continuassem assistindo”, diz o diretor, reforçando que, a princípio, o coletivo não pensou em números, métricas e engajamento. “A gente só pensou que precisava deixar isso disponível para sempre.”

O coletivo decidiu colocar o podcast numa única plataforma, que agrega áudio e vídeo, e que é muito conhecida e usada: o Youtube. “Foi uma escolha assertiva, pensada e funcionou muito bem. As pessoas visualizaram bastante, a gente teve números bem expressivos já na primeira semana.”

Entre os três vídeos iniciais, as visualizações variaram entre 500 e mil, surpreendendo o coletivo, que decidiu investir na divulgação do podcast, principalmente pelo Instagram, onde eles produziram vídeos curtos com trechos das entrevistas que bateram 10 mil visualizações.

“A gente está construindo um público muito fiel, que realmente curte e compartilha, estabelece um vínculo de proximidade e dá feedback. Muitas pessoas passaram a conhecer o trabalho do coletivo pelo podcast. Mas o impacto não foi só virtual, mas também na comunidade, na vivência das pessoas.”

Para as temporadas seguintes, além do Youtube, o coletivo disponibilizou o podcast “Vozes da Comunidade” nas plataformas Spotify, Amazon Music e Google Podcast.

Lançamento e exposição fotográfica

Leonardo recorda um episódio emblemático da primeira temporada, quando o coletivo decidiu realizar a entrevista no bairro e montou o estúdio de gravação na casa de um dos gestores, na Bratac.

“A gente ficou ali umas quatro horas gravando e quando a gente estava desmontando as coisas, nosso telefone começou a tocar. Eram moradores do bairro que já tinham ficado sabendo do que estava acontecendo e queriam ser entrevistados também. Tinham adorado a proposta. Isso trouxe a ideia de fazer um lançamento dos episódios na comunidade. A gente fez um evento em um bar muito tradicional da Bratac, o bar Saideira.”

“A gente transmitiu os episódios do podcast, fizemos uma exposição fotográfica de toda a produção dos dias de gravação, os entrevistados estavam presentes e a gente convidou toda a comunidade. Foi incrível. A gente teve trocas com os moradores, as pessoas puderam opinar e dar sugestões, fazer críticas e foi uma devolutiva muito positiva do bairro.”

A comunidade se sentiu tão representada pelo podcast que o coletivo foi convidado a participar de um sarau organizado pelo Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Canto do MARL. Leonardo lembra que o próprio Ciranda da Paz conta com o trabalho de psicólogos, já que surgiu de um braço de um projeto de extensão do colegiado de Psicologia da UEL, do qual a integrante do coletivo Bruna Moura, fazia parte.

“Fomos até lá para falar do trabalho que os psicólogos podem desenvolver dentro das políticas públicas e das ações sociais. Isso também repercutiu de uma maneira muito positiva entre todas as pessoas presentes ali. E aos pouquinhos a gente vai fidelizando pessoas que acompanham as nossas ações. E isso o podcast possibilitou muito o nosso trabalho, enquanto Ciranda, mesmo sendo um projeto específico.”

Duas novas temporadas

Para 2022, o grupo se inscreveu novamente no Promic, mas com um edital com mais verba e mais tempo de execução – um ano – e uma proposta mais ousada em episódios, mantendo a equipe.

“A ideia era dar continuidade ao podcast, dar voz aos moradores da Bratac, só que, rapidamente, a gente pensou: se vão ter mais episódios, mais séries, por que não levar essa proposta para outras periferias de Londrina?”, sugeriu Leonardo, explicando que ao dar voz a mais pessoas, o podcast ajuda a ressignificar outros lugares de Londrina que também são extremamente estigmatizados.

Depois de um atraso de três meses no repasse das verbas, o cronograma das gravações foi comprometido, levando o coletivo a “enxugar” a proposta inicial. A segunda temporada já foi gravada em dezembro do ano passado e contou com personagens da própria Bratac e neste mês tem início a gravação da terceira temporada, com a equipe visitando outras regiões periféricas da cidade.

A primeira série da terceira temporada será gravada neste domingo (12), no Vista Bela. As outras séries serão registradas em março, no São Jorge, em abril, no residencial Flores do Campo, em maio, no União da Vitória, e em junho, no Assentamento Eli Vive, em Lerrovile.

Luta contra o preconceito

“O podcast é de suma importância. É um tijolinho nessa construção que é a luta contra o preconceito. A gente não fica restrito só ao racismo estrutural, mas também a diversos outros tipos de preconceitos, porque a gente aborda muita coisa dentro das nossas conversas”, avalia Leonardo.

Para ele, é muito importante descontruir as ideias estereotipadas que as pessoas têm sobre como é a vivência dentro de uma periferia, o que é uma favela, o que é um bairro periférico e como são as pessoas que ali residem. “Entender que as pessoas que estão ali são como as de qualquer outro lugar, que aqueles bairros são como quaisquer outros, que são locais de muita potência.”

Segundo o arquiteto, muitas pessoas veem o trabalho das ações sociais como assistencialista e o projeto mostra o quanto esses locais, com nenhum investimento, completamente desassistidos, onde o Estado não chega de nenhuma forma, reúne pessoas incríveis, fazendo trabalhos incríveis e que precisam ser conhecidas.

“Quando você grava, coloca um microfone, monta um estúdio, tem uma câmera apontada para pessoa, você a coloca na situação de protagonista e a pessoa se enxerga de uma maneira diferente e as pessoas daquele local passam a se ver na possibilidade de também terem suas vozes ouvidas. Isso muda completamente a mentalidade.”

Todas as histórias contadas até agora foram impactantes e repercutiram de maneira positiva na vida das pessoas que escutaram e viram o podcast, na opinião do diretor. “As vivências atravessam muita gente”, finaliza.

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