O nascimento é o momento mais impactante na vida do ser humano.
A experiência da gestação é simultaneamente humana e sagrada.
Quando geramos uma nova vida, pisamos em um solo santificado que irradia amor, beleza, gratidão, alegria e continuidade da existência.
O nascimento traz à tona medos, inseguranças, dúvidas e ansiedades. Os desafios são maiores quando a família está inserida num ambiente economicamente instável.
Nesse contexto, um apoio especial se faz necessário para que o pequeno ser de luz venha ao mundo com proteção e segurança.
Quando eu me tornei mãe, tinha percorrido uma longa trajetória aprendendo com outras mães e lendo sobre educação infantil.
Desde então eu dizia que os pais tinham que se unir para trocar experiências sobre a gestação, o nascimento, o crescimento e desenvolvimento da criança.
Faz toda diferença quando pais e mães partilham suas angústias e inquietações naturais referentes à tarefa de cuidar, educar, proteger, estimular, amar, acolher, brincar, dialogar, ter paciência, dar atenção, oferecer tempo de qualidade, colocar limites, entre tantas outras demandas.
Criei com as mães da escola Monteiro Lobato, onde meu filho estudou, laços de confiança, cumplicidade, identidade, apoio, carinho, troca e aprendizado na relação com nossos filhos.
E sempre dizíamos que deveriam existir espaços grupais, profissionais ou não, para que as mães partilhassem suas dificuldades e conquistas.
Em 2017 tive o prazer e a alegria de reencontrar Kedma de Andrade, aluna querida do Curso de Serviço Social da Ufes e que se tornou uma grande amiga.
Fiquei muito feliz ao saber que Kedma fez uma formação como doula e mergulhei em suas emocionantes histórias.
A palavra doula vem do grego e significa “mulher que serve”. A doula tem a função de amparar gestantes, antes e durante o parto e também após o nascimento do bebê.
A doula oferece apoio físico, informacional e emocional de forma especial durante o parto.
Com a palavra Kedma.
“Senti-me motivada a fazer o curso de doula quando uma amiga me escolheu para acompanhar seu parto. Eu sempre quis ser mãe e quis ficar ao lado da minha amiga.”
“Eu me apaixonei e há seis anos acompanho mulheres. É um presente servir como doula. Sou fortalecida a cada experiência.”
“Eu faço um acompanhamento de seis encontros, neles abordo os medos daquela gestante, o papel do acompanhante, o puerpério, o papel do pai, as dúvidas que os pais possam ter sobre essa fase. Cada mulher procura o acompanhamento de doula na hora que precisa. Algumas necessitam desde o início, pois se sentem perdidas tanto na gestação quanto na busca de um médico apropriado para suas necessidades. Outras buscam no final da gestação, pois precisam de suporte apenas para o parto.”
“A doula fica presente durante o trabalho de parto e faz uma consulta pós-parto. Quando orienta sobre amamentação, queda de hormônios, aumento da sensibilidade. Orientações que ajudam o processo de adaptação ao novo ser que chegou ao mundo. Possibilita o diálogo do casal que vai mudar por completo sua estrutura relacional, rotina e dinâmica de vida.”

Em 2011, o Ministério da Saúde lançou a Rede Cegonha. Quando teve início uma série de ações para garantir o acesso ao parto humanizado. Dentre elas, a qualificação de doulas, como forma de melhorar as condições de atendimento seguro e adequado, pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A função de doula já está catalogada no Código Brasileiro de Ocupações (CBO), sob o número 3221-35. No dia 16 de março de 2022, o Senado aprovou a PL3946/2021 que regulamenta a profissão.
O projeto assegura a presença da doula nas maternidades, nas casas de partos e em outros estabelecimentos da rede pública ou privada, desde que solicitada pela grávida durante o trabalho de parto.
A doula não substitui os cuidados familiares e a assistência de profissionais de saúde, mas faz uma ponte entre a grávida e a equipe de saúde.
Kedma continua: “A doula oferece suporte emocional, segurança, apoio e encorajamento. Trabalha com exercícios que irão preparar o corpo para o parto, bem como técnicas de respiração para lidar com as contrações”.
“Ser doula exige preparo, sinergia, sintonia, empatia, sensibilidade para captar o que não é dito, mas é expresso no olhar, no silêncio e nos gestos. Ser uma facilitadora para que os pais expressem seus medos e ansiedades que, muitas vezes, paralisam um trabalho de parto.”
O curso de formação tem duração mínima de 120 horas com prática supervisionada. E muitas doulas ampliam seus conhecimentos através de uma formação em aromaterapia, cromoterapia, massagens para alívio de dor, cursos de anatomia e fisiologia do parto, entre outros.
Cada doula trabalha de um jeito. Algumas formam grupos com as mães no WhatsApp durante a gestação e no pós-parto.
Kedma relata que ainda existem algumas dificuldades quando a equipe médica não aceita o trabalho da doula. Entretanto em alguns hospitais públicos e particulares, a equipe médica assume o parto humanizado e a doula trabalha em harmonia, contribuindo e fazendo a diferença.
“Temos o papel de empoderar a mãe para ela ser firme na hora do parto. Às vezes, o médico rouba o poder da mulher de parir. A doula tem a função de devolver para a mulher esse poder. O corpo sabe o que fazer, ela precisa ter calma, confiança e respirar fundo. Ela é a estrela, ela vai conduzir o processo.”
“Tudo isso é conversado antes do parto. Na hora temos que ficar caladas, não interferir no trabalho da equipe.”
Kedma destaca algumas experiências marcantes. Entre elas, quando presenciou um corte no períneo (episiotomia) para facilitar o parto. “Em procedimentos como esse, a doula não pode ir contra a atuação da equipe médica. Eu segurei em sua mão e fui solidária com sua dor.”
“Tive muitas experiências positivas, destacaria quando uma mulher bancou o parto de cócoras em cima da cama e o marido pegou o nenê. O médico falava que ela não podia fazer aquilo e ela dizia: o parto é meu.”
“Nosso papel é dar ferramentas para que ela se sinta empoderada e assuma o processo com falas firmes quando tentam conduzi-la para outro caminho.”
“Outra vez chegamos ao hospital com a mulher tendo contração de cinco em cinco minutos. A enfermeira gritando que ela tinha que preencher os dados imediatamente. E ela serena, respirando com calma, dizia, aguarde, tenho que parar de preencher para respirar.”
“Já corremos para o hospital com menino coroando e tivemos que fazer o trabalho inverso para o nenê não nascer no carro.”
“É maravilhoso acompanhar partos de amigas. Fortalece os laços de amizade.”
Vocês já conheciam o trabalho de uma doula? Já viveram uma experiência com o suporte de uma doula?
Infelizmente, quando tive filho, a profissão de doula não existia ainda, caso contrário, com certeza eu iria contratar uma doula para me acompanhar.
O empoderamento de mães e pais é essencial nesse momento em que seremos marcados positiva ou negativamente para o resto de nossas vidas.
De tudo que relatei, o que mais me alegrou é saber que as doulas atuam em hospitais públicos.
Muitos avanços já aconteceram para a realização de um trabalho conjunto e harmonioso envolvendo médicos, enfermeiras e doulas.
Desejo que esse apoio fisiológico, psíquico e emocional tenha continuidade nos primeiros anos de vida das crianças. Que possam ser criados grupos de apoio e trocas de experiências entre os pais.
Viva a vida! Viva o dia em que viemos ao mundo!
Meu respeito e admiração pelas doulas. Gratidão Kedma!

*Beatriz Herkenhoff é assistente social. Professora aposentada do Departamento de Serviço Social da UFES. Com doutorado pela PUC-SP. Autora do livro: “Por um triz: Crônicas sobre a vida em tempos de pandemia” (2021).
A Lume faz jornalismo independente em Londrina e precisa do seu apoio. Curta, compartilhe nosso conteúdo e, quando sobrar uma graninha, fortaleça nossa caminhada pelo PIX (Chave CNPJ: 31.330.750/0001-55). Se preferir contribuir com um valor mensal, participe da nossa campanha no Apoia-se https://apoia.se/lume-se.
Deixe uma resposta