Reivindicação de moradia digna e terra foram os temas centrais da marcha que reuniu mulheres sem-terra, indígenas e urbanas na Jornada de Lutas pelo Dia Internacional da Mulher
Da Redação
Fotos: Juliana Barbosa/MST
Com diversidade de cartazes, bandeiras e faixas, mais de 1,5 mil mulheres partiram em marcha pelo Centro de Curitiba na tarde desta terça-feira (7). A ação integra a Jornada de Lutas “Mulheres em resistência, contra todas as formas de violência. Por Terra, Teto e Trabalho, democracia e sem anistia”, em referência ao Dia Internacional da Mulher, celebrado hoje (8).
Muitas participantes estavam acompanhadas dos filhos, vindas de acampamentos rurais de todas as regiões do Estado, de comunidades indígenas e de dezenas de ocupações urbanas de Curitiba e Região Metropolitana. Elas fazem parte da articulação Despejo Zero, organização que há um ano une movimentos sociais populares do campo e da cidade.
Protagonizada pelas mulheres, esta é a primeira grande mobilização da articulação Despejo Zero desde a eleição do presidente Lula, trazendo para a marcha o grito por democracia e avanço do respeito e nas políticas públicas para as mulheres, desmontados na última gestão federal.
Após marcharem da Praça 19 de Dezembro até a Praça Nossa Senhora de Salette, no Centro Cívico, uma comissão de 150 mulheres participou de uma audiência com representantes do poder público, no auditório do Palácio das Araucárias.
Entre os presentes estavam os desembargadores do Tribunal de Justiça Maria Aparecida Blanco e Fernando Prazeres; Roland Rutyna superintendente Geral de Diálogo e Interação Social do governo do estado (SUDIS); Nilton Bezerra, superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária no Paraná (INCRA/PR); Aline Bilek e Regis Sartori, do Ministério Público Estadual (MPPR), além de parlamentares e representantes de prefeituras.
Bruna Zimpel, integrante da direção nacional do MST e moradora do acampamento Terra Livre, em Clevelândia, apresentou a pauta com foco nas demandas das mulheres do campo, especialmente as que vivem nas 83 áreas de ocupação.
“Nós, famílias camponesas, vemos no campo o nosso espaço de vida, para além da geração de renda.”
Ela frisou a viabilidade de resolver as situações de conflito: “Todas essas áreas ocupadas têm condições políticas e jurídicas de avançar na regularização”.
Bruna lembrou que as ocupações incluem áreas declaradas improdutivas pelo descumprimento da função social, de devedores da União ou áreas públicas.
Sylvia Malatesta, integrante da coordenação do Movimento Popular por Moradia (MPM), ressaltou que “as ocupações urbanas, principalmente, são lideradas por mulheres”.
“Isso não é um detalhe […] São as mulheres que sentem na pele a dura realidade e a violência da falta de saneamento básico, da falta de energia elétrica, de saúde de qualidade, de lazer. Todas conquistas sociais que são negadas para muita gente no nosso país”.
Ceia Bernardo, da União das Artesãs Indígenas pela Casa de Passagem e Cultura, denunciou a precariedade das condições da Casa de Passagem Indígena, mantida pela prefeitura. A reivindicação é por melhores condições no local.
“A gente não tem cama no espaço, quando chove, chove mais dentro do que fora do espaço. Nós estamos aqui lutando e vamos resistir até o último.”
Representantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), o Movimento de Trabalhadores Por Direitos (MTD) e a União de Moradores e Trabalhadores (UMT) também apresentaram suas pautas centrais às autoridades presentes.










Democratização do acesso à terra é questão de classe, raça e gênero
Em sua primeira agenda pública como diretora de Mediação e Resolução de Conflitos do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Claudia Maria Dadico enfatizou a intenção de avançar em soluções para os conflitos no campo.
Com experiência de 37 anos de atuação na Justiça Federal, ela lembrou que o projeto que está na constituição do Brasil é de “democratização do acesso à terra, de função social da propriedade, como questões de classe, de raça e de gênero”.
O projeto orienta, ainda, a erradicação da pobreza, das desigualdades sociais: “Que por meio da democratização do acesso à terra a gente combata a fome”.
Claudia destacou, também, a questão da raça, por ser caminho para “superar injustiças seculares, estruturais, que também afetam as populações negras, indígenas, quilombolas”.
“É uma questão de gênero porque com a democratização da terra e do acesso ao trabalho com dignidade, se combate a exposição violência de gênero, também resgata a dignidade do povo LGBT”, completa Claudia Dadico.
Das mãos das camponesas para a mesa das mulheres da cidade
A tarde desta terça também ficou marcada pela solidariedade. Arroz, feijão, fubá, mandioca e batata estavam entre os mais de 850 kits de alimentos partilhados pelas mulheres sem-terra com as mulheres das periferias de Curitiba que participaram da marcha.
Ao todo, foram 17,3 toneladas de muita diversidade vinda de acampamentos e assentamentos do MST-PR, além de 1,8 mil litros de iogurte produzido pela Cooperativa de Comercialização e Reforma Agrária União Camponesa (Copran), de Arapongas.
Thaile Lopes, da direção estadual do MST-PR, explica a simbologia dessa variedade de comida boa e saudável. “É uma produção bastante diversificada que expressa a qualidade do produto da Reforma Agrária e produzida pelas mãos das nossas mulheres camponesas”, afirma.
As ações de solidariedade ganharam força entre as famílias sem-terra desde o início da pandemia. As iniciativas foram uma das formas de resistência contra a fome que assola mais de 33 milhões de brasileiras e brasileiros. Mais de mil toneladas de alimentos foram doadas pelo MST do Paraná desde abril de 2020.
Na luta por terra e incentivo à produção de alimentos saudáveis
Para as mulheres do MST do Paraná, as ações realizadas na tarde desta terça-feira fazem parte de uma jornada de três dias, iniciada nesta segunda e com programação até esta quarta-feira.
Mais de 500 camponesas participam da ação, que integra a Jornada Nacional de Lutas das Mulheres Sem Terra “O agronegócio lucra com a fome e a violência. Por terra e democracia, mulheres em resistência”. A centralidade das lutas e denúncias foca no problema da fome no Brasil, da violência e da destruição da natureza.
Para além da negociação realizada no período da tarde, duas audiências ocorridas no pela manhã expressaram a força das mulheres. Cerca de 120 camponesas Sem Terra protagonizaram a primeira audiência de negociação de 2023 com o INCRA, na sede estadual do órgão, em Curitiba.
Na plateia, camponesas vindas de todas as regiões do Estado traziam em comum a urgência na consolidação das 83 comunidades ainda em condição de acampamento no Paraná. A pauta de reivindicações foi apresentada pelas companheiras Dilce Noronha e Jocelda Oliveira, da direção estadual do MST.
“Que sejam suspensas todas as reintegrações de posses previstas para um período próximo, considerando que todas essas ocupações estão consolidadas em todos os aspectos da vida humana e são passíveis de destinação para reforma agrária”, dizia um trecho do documento entregue às autoridades.
Ao todo, 7 mil famílias sem-terra vivem em acampamento. A maior parte das áreas têm de 10 a 20 anos, mas há casos de até 35 anos de demora da efetivação da reforma agrária.
Mirian Maria Kuntath, integrante do Setor de Educação do MST-PR, falou sobre a urgência da cessão das áreas para a construção e formalização de escolas e colégio do campo, a retomada de cursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), entre outras pautas.
O superintendente substituto do INCRA-PR, Nilton Bezerra Guedes, garantiu que irá trabalhar pela criação dos assentamentos.
“Nós temos que juntar as forças para combater isso. Queremos deixar como marca a regularização dos assentamentos.”
A produção de alimentos foi tema da audiência realizada na manhã desta quarta com a Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Paraná (Seab). Cerca de 90 mulheres sem-terra entregaram pauta com as reivindicações das acampadas e assentadas da reforma agrária, para o desenvolvimento da agricultura camponesa.
Entre as demandas estão questões de infraestrutura nos assentamentos e acampamentos, de fortalecimento e fomento da agroecologia e atividades de produção administradas por mulheres camponesas.
A pauta foi entregue ao diretor geral da Seab, Richardson de Souza, e apresentada pelas companheiras do Setor de Produção do MST Marli Brambilla e Cristina Sturmer. Também estavam presentes representantes do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR). Richardson reafirmou o compromisso da Seab em dialogar e construir em conjunto com as mulheres do campo.
“O 8 de março abre nossa jornada de lutas, é um começo, então essa foi uma ótima abertura para os debates que vão vir. Certamente teremos outras oportunidades durante 2023 para dialogar e fazer todas essas questões que a gente colocou aqui frutificarem em nossos territórios e a gente avançar em construir uma agricultura sustentável, que inclua as mulheres, jovens, pessoas LGBT e que seja a cara do nosso Paraná”, finalizou Cristina.
A programação da Jornada das Mulheres Sem Terra tem formações sobre a conjuntura atual, questão agrária e o enfrentamento à fome, as relações emancipatórias e o autocuidado. Nesta quarta, haverá visitas a museus da cidade, além de uma marcha no centro da capital, organizada pela Frente Feminista de Curitiba, RMC e Litoral. A manifestação terá concentração na Praça Santos Andrade, às 17 horas.
(Com informações da assessoria de comunicação do MST)
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