Com uma performopalestra e um documentário em andamento, a historiadora entende que os resultados da pesquisa acadêmica devem provocar a sociedade para além dos artigos científicos
Mariana Guerin
Fotos em destaque: Reprodução/Instagram
“Mesmo assim, eu ainda me levanto.” A paulista de Araraquara, a historiadora Marina Stuchi, 40 anos, doutora em Estudos Literários com foco em dramaturgia e teatro, levou para os palcos paranaenses um espetáculo que ela batizou de performopalestra, no qual ela expõe o público às pequenas – e grandes – violências as quais as mulheres são submetidas diariamente.
Em “Me chame pelo meu nome”, que faz parte da programação cultural do Mês das Mulheres em Londrina, com apresentações em múltiplos espaços da cidade, uma delas neste domingo (12), na Vila Triolé Cultural (Rua Etienne Lenoir, 155), às 19h30, Marina combina memórias e experiências pessoais para discutir a importância do feminismo.
“Um sonho a realizar é poder circular com a performopalestra pelo Brasil todo, principalmente nas regiões Norte e Nordeste”, confessa a artista, que atualmente se dedica à produção do documentário “Pés vermelhos, Memórias pretas”, sobre o apagamento da população negra na história da construção de Londrina.
Ousadia define a personalidade e o trabalho da artista que cresceu em Ribeirão Preto e mudou-se para Londrina aos 16 anos. “Acho que sempre fui uma criança que queria crescer logo e ser adulta.”
“Mas eu era bem ativa, gostava de brincadeiras de correr e competição, era muito briguenta e teimosa e gostava de fazer lutas. “
“Tenho um irmão mais velho e uma irmã oito anos mais nova. Atualmente, não tenho relações familiares com minha família de origem. Minha relação familiar se dá com minha filha e meus amigos, a família que construí em Londrina.”
Marina conta que já era rebelde na adolescência: “Gostava de sair, comecei a fumar com 12 anos e com 15 já tomava meus porres. Mas sempre fui muito estudiosa, curiosa e sempre amei ler.”
“Namorar não namorava ninguém, meu negócio era curtir com as amigas. Comecei a namorar com 18 anos e fiquei quase 18 anos com a mesma pessoa, que é o pai da minha filha e um grande amigo”, diz.
Apesar das obrigações impostas pela vida adulta, Marina não vive uma rotina entediante, “por trabalhar com arte e de forma autônoma”. “Normalmente acordo bem cedo, levo minha filha na escola e faço exercício físico. Em alguns dias tenho ensaio pela manhã.”
“Atualmente estou trabalhando num projeto de um documentário sobre a memória preta em Londrina. Tenho feito as entrevistas ou pela manhã ou à tarde. À noite, dou aula três vezes na semana”, descreve.




Marina e os sonhos
Umas das coisas que ela aprendeu na juventude e que sempre busca resgatar agora, aos 40 anos, é acreditar nos sonhos e nunca desistir. “Talvez as coisas não aconteçam na hora em que desejamos nem da forma que queremos, mas se realmente queremos algo não devemos desistir”, ensina.
Nas horas vagas, “quando elas existem”, Marina gosta de ler sobre os mais variados assuntos, desde livros de ficção até teoria. “Tenho lido muito sobre feminismo e racismo, que são assuntos que permeiam minhas pesquisas.”
“Tenho escutado muito músicas feministas brasileiras e também ouço sempre os podcasts Mano a mano e Meu Inconsciente Coletivo, sobre psicanálise, outro assunto que me interessa bastante”, declara a historiadora.
Ela também gosta de assistir minisséries e documentários sobre os temas de seu trabalho: feminismo e racismo. “Procuro ocupar meu tempo sempre de forma muito produtiva.”
O doutorado foi uma conquista para Marina, que decidiu transformar sua pesquisa acadêmica em arte. Uma arte que dialoga com o público. “Minha ideia sempre foi poder comunicar um assunto tão sério e urgente como a violência de gênero para uma grande parcela da população, para podermos nos sensibilizar com o assunto.”
“Para mim, poder chegar nos espaços em que estou chegando atualmente é a realização de um projeto de longa data. Poder sair da minha bolha, poder alcançar outras pessoas, diversas subjetividades.”
Assim como poder debater o racismo: “Dar voz e protagonismo para pessoas que sempre tiveram seu lugar de fala roubado ou negado”, destaca.
Para Marina, seu principal desafio, hoje, é poder construir uma ponte entre o que se constrói na academia e como se devolve isso para a população.
“É um privilégio poder cursar uma universidade pública, poder fazer um doutorado com bolsa de pesquisa, mas é necessário ter a consciência social de abrir o diálogo com outras frentes, dar o retorno social da minha pesquisa para aqueles que não tiveram o mesmo privilégio que eu”, avalia.
Seus projetos atuais são, justamente, sonhos que ela está realizando: a circulação da performopalestra “Me chame pelo meu nome”, em Londrina, e a produção do documentário “Pés vermelhos, Memórias pretas”.
“Outro sonho é poder ampliar a discussão do documentário para todo o território nacional”, planeja.
A ideia do documentário surgiu durante visitas ao Museu Histórico de Londrina, onde ela sentiu estranhamento por não ver a população negra representada ali, em uma cidade que tem 33% de pessoas que se autodeclaram negras.
“Somando a isso, sabemos ser o racismo estrutural um grande problema no Brasil. A ideia veio para podermos contar a história de Londrina sob uma nova perspectiva, pois sabemos do perigo de uma história única, fazendo alusão a fala da Chimamanda Ngozi Adichie”, pontua.
“Acreditamos que dar voz, rosto e lugar de fala à população negra é de suma importância no combate ao racismo estrutural, mas é também uma forma de reparação histórica para uma população que tem constantemente seus direitos humanos negados.”
“Basta pensarmos onde essa população habita aqui em nossa cidade e qual é a infraestrutura dos bairros, como é a saúde, educação, saneamento básico e acesso ao transporte público”, enumera Marina.
“O documentário vem, então, para ser um resgate dessas memórias, uma exaltação do povo preto como pioneiro e construtor dessa cidade, mas é também uma forma de denúncia da exclusão e do descaso do poder público.”
Leia também:
Mais de 1,5 mil mulheres se unem em marcha em Curitiba
A Lume faz jornalismo independente em Londrina e precisa do seu apoio. Curta, compartilhe nosso conteúdo e, quando sobrar uma graninha, fortaleça nossa caminhada pelo PIX (Chave CNPJ: 31.330.750/0001-55). Se preferir contribuir com um valor mensal, participe da nossa campanha no Apoia-se https://apoia.se/lume-se.
Deixe uma resposta