Grupo Mãos Solidárias promove festa com música, guloseimas e entrega de produtos de higiene para detentas da Cadeia Pública Feminina de Londrina
Cecília França
Fotos: Cecília França
A.F., 45 anos, está presa há 2 anos e 7 meses. Tem acesso a xampu e outros itens de higiene somente quando chegam doações à Cadeia Pública Feminina de Londrina. “Ontem mesmo eu estava falando ‘Ai Deus, me manda um xampu, que o meu está acabando’”, contou ela à Lume na última terça-feira, 7 de março, quando o grupo Mãos Solidárias promoveu na unidade uma festa alusiva ao Dia Internacional da Mulher, com música, guloseimas e presentes para as detentas.
No kit entregue a elas havia xampu, condicionador e um hidratante corporal, itens indisponíveis dentro do sistema carcerário. “A cadeia não dá xampu, só um sabonete que não faz nem espuma. A gente fica feliz, se sente lembrada, não se sente tão esquecida, tão abandonada”, comenta J.R., 38 anos, presa na unidade há um mês.
Dentro da cadeia pequenos detalhes da vida cotidiana ganham outra relevância. Em todas as nossas visitas à Cadeia Pública Feminina as detentas se queixam da falta de xampu, absorventes de qualidade, e outros itens de higiene que só chegam por meio de doações.
“Já passei por aqui, daí fui para Curitiba e saí, faz 10 anos. Eu acho muito legal esse tipo de ação, especialmente para as presas que não têm família, ajuda muito. De 100% acho que uns 20% só recebe visita e sacola. Eu, graças a Deus, tenho minha mãe que me ajuda. Mas não é para sempre também, né?”, declara.
C.F. faz aniversário no dia 8 de março. Completaria 23 anos no dia seguinte à ação e considerou a festa promovida pelo grupo Mãos Solidárias como uma festa em sua homenagem. Dançou ao som do forró tocado e cantado por paroquianos.
“Eu nunca tive um aniversário com festa, música, com gente batendo palma. Lá fora eu nunca tive uma atenção dessa como estou tendo aqui dentro. Se eu estou aqui dentro não é por acaso. Deus deve ter me livrado de uma morte ou uma coisa assim”, disse, emocionada, após o parabéns cantado em coro pelos voluntários e voluntárias e as demais presas.


O grupo Mãos Solidárias congrega paroquianos e paroquianas das igrejas Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora Aparecida, o pároco José Cristiano Bento dos Santos, funcionários do sistema socioeducativo, integrantes do Ministério Público, do Poder Judiciário, dentre outros. Eles já haviam promovido uma festa nesses moldes dentro da Cadeia, com música e dança, às vésperas do Natal.
Carolina Sodré trabalha no MP, integra o grupo e participa da organização Mulheres do Brasil. Ela esteve na ação de Natal e retornou à unidade na última terça-feira distribuindo abraços e afeto às mulheres.
“O projeto é uma iniciativa de várias pessoas da sociedade que resolveram ter um olhar mais atento para aqueles que nunca são olhados. Nós tivemos uma primeira ação em dezembro aqui com as meninas, um pouquinho antes do Natal, e a gente planeja ter ações em datas mais emblemáticas junto a essas mulheres. Porque a gente percebe que as pessoas privadas de liberdade das penitenciárias masculinas suas companheiras, suas mães, suas filhas não deixam de visitá-los, mas isso não acontece aqui. Elas são muito abandonadas”, afirma.



Carolina concorda que a posição social destinada às mulheres impacta na forma como as detentas são vistas e tratadas. “Eu tenho estudado e eu tenho sentido cada vez mais, nessas leituras, que a mulher é o grupo oprimido há mais tempo na história da humanidade. Acho que desde que a gente existe enquanto ser humano a gente sofre opressão”, lamenta.
Para ela, os avanços têm acontecido, embora lentos. “O avanço é lento porque implica em mudança cultural, mas eu vejo boas perspectivas. Eu vejo que mais pessoas estão se mobilizando em torno da causa, estão ao menos curiosas em saber sobre isso, em saber o que que significa o feminismo. Eu acho que já é um início. Apesar de todo o preconceito, de toda a desinformação que a gente ainda tem”.
Presas sentem olhar humanizado
J.L., 43 anos, agradeceu ao microfone, em nome das presas. “Estou há dois anos e pouco aqui. Minha família é do Mato Grosso do Sul, meu pai do Rio Grande do Norte, eu participei da outra vez que teve (no Natal) e quando a dona Soraya (diretora da unidade) comentou que o pessoal viria nós ficamos muito felizes, porque vocês gostaram bastante da gente e jamais vou esquecer”, declara.
‘Aqui dentro é um lugar bem ruim, mas tem esses momentos para maravilhar a gente’
“Não consigo falar porque vou chorar…Eu não vejo minha família há dois anos e pouco”, lamenta J.L. Ela diz que a unidade sempre recebe doações, o que ameniza as carências. Ré primária, ela espera conseguir cumprir o restante da pena em liberdade.
“Eu pedi oportunidade para fazer tratamento lá fora, com tornozeleira. Se eu não puder ir pro meu Estado, o pastor falou que tem uma casa de recuperação e eu até me proporciono a ajudar ele com os serviços da igreja pra fazer meu tratamento lá fora”, conta.
Segundo a diretora da Cadeia, Soraya Ursi, a ação promovida pelo grupo Mãos Solidária no Natal trouxe muitos benefícios para as presas.


“Nós percebemos que foi uma ação muito positiva. A música é diferente do que elas estão acostumadas aqui, mas muito próximo do que elas tinham na rua. De alguma forma elas se sentem mais leves. Em algum momento aquilo ali fez elas esquecerem que elas estão presas. O fato de ter pessoas ali na porta, abraçando, dançando com elas, olhando para elas de igual para igual, isso traz um acolhimento muito grande”, avalia.
Trazer um pouco da vida “lá fora” ajuda a reviver momentos de lazer mais próximos do antigo cotidiano dessas mulheres. Soraya também destaca o impacto da dedicação dos voluntários e voluntárias ao colocarem-se disponíveis para as presas, e não visitarem a unidade apenas por curiosidade.
“Elas se sentem acolhidas por essas pessoas que estão aqui hoje, elas percebem o tempo que foi gasto para preparar tudo aquilo, os kits, as cartinhas, os bilhetinhos, que vieram da outra vez e hoje vieram de novo. Dessa vez esses bilhetes foram escritos pelos menores do Cense (Centro de Socioeducação), isso já tem uma simbologia gigantesca. Então é um trabalho que elas vêm que teve muito tempo e elas sentem o reflexo”.
Cadeia tem 206 mulheres para 169 vagas
A Cadeia Pública Feminina de Londrina recebeu mulheres de unidades que eram mistas, como a de Apucarana, e está superlotada. Na última terça-feira (7) eram 206 mulheres para 169 vagas. Ainda assim, a diretora, Soraya Ursi, aponta que estar em uma unidade exclusiva para mulheres traz vantagens, como o acesso a estudo e possibilidades de remição.
“Elas estão tendo acesso a escola, a educação, uma série de coisas que elas não têm lá (em unidade mista) e uma vigilância maior no processo. E é um número que vai rodando muito. Eu tenho sempre aqui o pessoal de Defensoria Pública rodando os processos, vendo o que dá para fazer. Então não acabam ficando essas 206 aqui perdidas”, afirma.
“Quando eu vim para cá, em 2009, eram 80 mulheres. Aí a gente ampliou a estrutura, ampliou as vagas também, foi pra 169. Ficamos muito tempo com 180 e agora, nos últimos dias, foi para 206. Talvez reflexo também do tempo de recesso das férias e agora tem retomada de audiência, de processos, tem presas saindo toda semana. Várias saíram da semana passada, em reflexo do Enceja, porque concluíram a prova e conseguiram bastante remição em cima disso”, conta.
Muitas detentas também prestaram a primeira fase do vestibular da Universidade Estadual de Londrina (UEL) no domingo passado, outra oportunidade que elas não acessariam se permanecessem em uma unidade mista.
“Teve uma delas que chorou porque não tinha RG e não fez vestibular no ano passado. Agora ela disse ‘Eu realizei meu sonho ao prestar um vestibular da UEL. Eu não me importo se eu vou estudar, se eu não vou, mas prestar um vestibular de uma universidade é uma coisa que eu nunca imaginei na minha vida’. Me dói saber que elas só têm acesso a essas coisas porque estão presas”, comenta Soraya.
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