Alceu Valença com sua poesia musical fala da solidão com muita propriedade.
“A solidão é fera, a solidão devora. É amiga das horas, prima-irmã do tempo. E faz nossos relógios caminharem lentos, causando um descompasso no meu coração.”
A solidão é sentida em todas as idades.
Cresceu 43% o número de pessoas que moram sozinhas, bem como o de adolescentes que dizem que não têm amigos na escola e de jovens trancados em seus quartos jogando videogames.
Convivemos com sequelas de um longo período de isolamento devido à pandemia. É fundamental que os pais estejam atentos para apoiar psíquica e emocionalmente as crianças, adolescentes e jovens que precisam de ajuda.
Importante também que os filhos ofereçam uma presença amorosa e cuidadosa a seus pais, que estão envelhecendo e sentido os sintomas da solidão.
A solidão é positiva quando possibilita autoconhecimento, mudanças e crescimento, mas também pode ser fonte de tristeza, depressão, medo, paralisia, autopiedade e vitimização.
Muitas vezes, tamponamos a solidão e a ansiedade usando a internet ininterruptamente; abusando de substâncias químicas; comprando compulsivamente; frequentando baladas freneticamente; estabelecendo laços com pessoas que nos desqualificam, entre tantas outras atitudes.
Esses comportamentos afastam-me do diálogo e da escuta comigo mesma e com o outro.
Christian Dunker, psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), afirma que a narrativa da solidão como desamor, desamparo e fracasso gera medo e insegurança. É preciso dar o salto qualitativo da solidão para a solitude.
Solitude é uma habilidade que me leva a ter um tempo para mim. Conhecer melhor quem sou, minhas qualidades e finitudes. Dialogar com as luzes e sombras que habitam em mim. Gostar da minha companhia, ter tempo para silenciar, ler, orar, bordar, pintar, escrever. Tempo para crescer psíquica e espiritualmente. Compreender que sempre estou sozinha, mesmo quando acompanhada.
A solitude potencializa o amor próprio e a autoestima.
Quero encontrar-me ou tenho medo do meu eu?
Como lidar com o medo da solidão?
A sociedade limita o conceito de felicidade quando cria expectativas de que “temos que ter alguém”. Como se estar só fosse algo ruim.
Entretanto, é uma ilusão achar que vamos parar de sentir solidão quando tivermos um grande amor.
Ainda mais se esperamos que o outro nos salve de nós mesmos e preencha nosso vazio existencial.
Ninguém preenche vazios de ninguém. Ninguém vai dar um sentido à minha existência.
Muitos casais caminham lado a lado, mas conversam pouco ou nada. Vivem a solidão a dois.
Por medo da solidão, ficamos com quem controla nosso jeito de ser e estar no mundo e não nos valoriza.
Permanecemos em relacionamentos tóxicos para não correr o risco de começar de novo.
Quando eu mergulho em mim e me torno plena e inteira, posso decidir se quero ter um amor especial ou não. Muitos são felizes e realizados sem um companheiro/a.
Escolher alguém, não porque a sociedade exige, mas porque é um desejo que brota de minhas entranhas.
Criar um espaço para mim contribui para identificar o que quero e como quero. Quais são meus sonhos e projetos.
Christian Dunker afirma que a viagem interior é difícil porque nossa vida psíquica não é um paraíso. O encontro consigo não é um mar de rosas. Somos forçados a encarar nossas feras, perceber as versões de nós que gostaríamos de manter escondidas.
Por isso ficamos inseguros. Não é fácil entrar em contato com sentimentos de raiva, ciúmes, inveja, tristeza, prepotência, competição, autossuficiência, entre outros.
Para Dunker, quando fugimos desse diálogo interior, guardamos mágoas, ressentimentos e enfraquecemos nossa capacidade de amar, perdoar e ir ao encontro do outro.
O destino do ser humano não é estar acompanhado o tempo todo. Por isso precisamos aprender simultaneamente a viver sozinhos, a dois, em grupo e em comunidade.
Nessa dinâmica, ao mesmo tempo em que crio momentos para estar a sós comigo, me abro para pessoas significativas, que trazem alegria e amor ao meu cotidiano; também fortaleço laços de amizade e coloco-me à serviço daqueles que nada têm.
Faz toda diferença quando vivo a experiência de comunalidade. Sentir-me com o outro, participar de construções coletivas em busca de um mundo mais justo, humano e igualitário. Vivências que possibilitam a solitude, criam raízes e sentimentos de pertencimento.
Tiro um tempo para estar a sós comigo mesma? Enfrento meus fantasmas?
Christian Dunker afirma que o medo da solidão é um medo preguiçoso, pois dá trabalho escolher e ser escolhido ou lidar com a frustração de não ser escolhido.
Como não quero correr riscos, abro mão do desejo de amar, da motivação para participar de grupos, para cultivar vínculos de amizade e realizar ações solidárias que dariam um sentido para a minha existência.
Dunker continua: quando partilho minhas angústias e vulnerabilidades divido minha solidão e adio atos intempestivos.Conversar sobre a solidão liberta. Mas, a nossa cultura é avarenta de espaços para conversar.
A palavra está em desgaste e é proporcional ao aumento da solidão patológica.
É importante identificar também quando a solidão está associada à depressão, desesperança e desespero, ao desejo de desistir da vida.
Quando isso acontece, precisamos pedir ajuda profissional.
O Centro de Valorização da Vida (188) oferece uma escuta protetora e eficaz. Nos momentos agudos de solidão podem salvar vidas.
Vou encerrar com um depoimento de uma senhora com mais de 90 anos. Ela relata que com o envelhecimento perdemos as referências de parentes mais próximos. Todos vão morrendo: mãe, pai, tios, amigos. Perdemos os grupos sociais. Para manter-se ativa e com a autoestima boa, temos que renovar os grupos sociais. Fazer parte de eventos, ler, ouvir música, atualizar-se, buscar conhecimentos abrangentes. Hoje, existem serviços interessantes, que levam os idosos ao teatro, a museus, exposições de arte, entre outros. Atividades que possibilitam novos conhecimentos e a participação em grupos diferentes.
Que diálogos você deseja estabelecer a partir dessas reflexões? Vamos partilhar nossos medos, angústias, conquistas e superações? Vamos dividir nossa solidão?
*Beatriz Herkenhoff é assistente social. Professora aposentada do Departamento de Serviço Social da UFES. Com doutorado pela PUC-SP. Autora do livro: “Por um triz: Crônicas sobre a vida em tempos de pandemia” (2021).
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