Super representação dos negros entre os mortos pela polícia sinaliza perspectiva racista; é preciso rever a política de segurança pública, ressalta pesquisadora
Cecília França
Atualizada em 15/03 às 14h
Foto em destaque: Ato marca os 4 anos do assassinato de Matheus Evangelista/março.2022
Dados do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Paraná, divulgados no último dia 2, mostram que 488 pessoas foram mortas em operações policiais no estado do Paraná em 2022. Destas, 51% eram pardas (247), 7% pretas (33) e 42% brancas (203). Na população geral, pretos e pardos representam cerca de 30%.
A disparidade entre a presença da população negra no Estado e nos índices de mortes pela polícia foi destacada pelo deputado estadual Renato Freitas (PT) em discurso na Assembleia Legislativa (Alep), no último dia 7.
“Por que o dobro dessa população, porque essa super representação? Será que é a super representação que falta aqui? Se somos 30% então porque não há 30% de deputados e deputadas negras nesse local, mas as vítimas são 60%? Nós negros temos propensão ao crime? Seria isso? Eu acredito que não. Eu acredito que há uma seletividade das forças de segurança pública”, declarou.
O discurso de Freitas levou a um pedido de punição ao deputado por parte do secretário estadual de Segurança Pública, Hudson Leôncio Teixeira.
Para Andréa Pires Rocha, doutora em serviço social, docente da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e autora do livro O juvenicídio brasileiro: racismo, guerra às drogas e prisões, o número de mortos e a super representação de negros é motivo de tristeza e alerta.
“Em 2015 foram 247 mortes (no Paraná); em 2022 esse número saltou para 488. São quase 500 pessoas mortas, uma prova de que essa forma de resolver conflitos e problemas está totalmente errada e tem gente morrendo. E quando as pessoas são mortas pela força policial comprova quem é que tem esse poder de deixar viver ou deixar morrer. E ainda quando a gente observa que dessas 488 pessoas, 247 eram pardas e 33 pretas, formando 58% do total, é um absurdo, dói. Isso a gente nunca pode naturalizar, a dor é muito profunda. E quase 60% dessas pessoas são jovens. Então quem é o alvo?”, argumenta.
Andréa será uma das participantes do debate Letalidade Policial: Um retrato da violência no Paraná, promovido pela Rede Lume em parceria com a UEL FM. O evento acontece nesta quarta-feira (15), das 19h às 21h, na sala de eventos do Centro de Comunicação, Educação e Artes (Ceca) da UEL e também pode ser acompanhado remotamente. Saiba aqui.
Para a docente, o número de 488 pessoas mortas pela polícia é gritante e uma prova de que estamos “num estado de guerra, tanto no sentido mais amplo da expressão e também dentro do próprio Estado, quando a gente olha um número tão elevado desses de morte”.
“As 247 mortes, em 2015, já era um número elevadíssimo. Esse salto em sete anos para 488 mortes é gritante. E aí a gente precisa repensar toda a política de segurança pública, a lógica da guerras às drogas, os elementos que conduzem mentes numa perspectiva racista. São muitos os elementos que a gente precisa pensar e a gente não pode naturalizar de forma alguma”, alerta.
Para Andréa, é preciso uma junção de forças para repensar este cenário e apontar caminhos.
“Frentes de luta das mães, dos grupos e das organizações populares e também o movimento do Estado, de pegar esse diagnóstico e não se orgulhar disso. Esse diagnóstico precisa ser levado com muita seriedade para que essa política de deixar viver ou deixar morrer seja repensada, superada. Então é um desafio para todo mundo e a gente precisa cobrar do Executivo e do Legislativo do Estado do Paraná”.
‘Todo mundo já viu alguém morrer parado’
Natália Lisboa, da Frente Antirracista de Londrina, diz que o papel da polícia foi moldado historicamente com cunho racista de cerceamento da liberdade das pessoas pretas.
“A polícia foi criada pra perseguir pretos há mais de um século, quando era crime capoeira, candomblé (coisa de preto). Por fim também criminalizaram o jogo do bicho, porque quem vendia os bilhetes eram os pretos. Mais tarde veio a Ditadura Militar e a polícia se aperfeiçoou em tortura. É essa a estrutura da nossa polícia”, declara.
A ativista comenta que a impunidade favorece a ocorrência de crimes por parte de policiais. “Pode chegar em qualquer periferia que todo mundo já viu alguém morrer parado e depois passou no jornal que foi confronto”, afirma.
“Não precisa nem ser bairro muito afastado, tem muita gente que já viu e ninguém vai denunciar porque tem medo”.
Ela ressalta que são poucas as famílias que lutam para esclarecer as mortes, como as de Matheus Evangelista, assassinado por um Guarda Municipal em março de 2018, e de Cristiano Rodrigues de Jesus, morto em abril de 2021.
“E não é um absurdo não denunciar ou ter medo porque na maioria esmagadora os culpados nunca serão punidos. E sobre medo…nós da frente antirracista temos medo até de vir aqui falar nesse tipo de matéria porque, em geral, ninguém será punido” diz a ativista.
Para Natália, a instalação de câmeras nos uniformes policiais inibiriam pelo menos um pouco ações truculentas que culminam em mortes.
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