Famílias que tiveram casas invadidas pela água há dez dias sofreram novas perdas em mais uma enchente neste domingo e deverão deixar suas residências

Entrevistas e fotos: Filipe Barbosa
Texto: Mariana Guerin

Moradores de Bandeirantes, no Norte do Paraná, contabilizam novos prejuízos após mais uma enxurrada destruir casas no último domingo (12), no Conjunto Bela Vista e no Jardim Primavera, localizados próximo ao Ribeirão Água das Antas, que transbordou novamente.

Famílias que haviam retornado às suas residências e que tentavam se recuperar do primeiro alagamento, ocorrido após as fortes chuvas de 5 de março, tiveram suas casas invadidas pela água novamente e perderam o que haviam recebido em doações do poder público e de entidades privadas nos últimos dias, como colchões e cestas básicas.

O governo do Estado decretou estado de emergência em Bandeirantes na última sexta-feira (10) e a Prefeitura já havia decretado estado de calamidade pública no município logo após a primeira enchente, há dez dias. O Estado enviou para famílias afetadas colchões, cestas básicas, água, kits de limpeza e álcool em gel.

Um gabinete de crise foi montado para que as autoridades estaduais e municipais determinem as estratégias que serão tomadas para atender as famílias que perderam tudo e como alocar os recursos enviados ao município para a recuperação dos estragos.

Segundo o último levantamento realizado pela prefeitura de Bandeirantes, cerca de 2.350 famílias de 33 bairros foram afetadas pela enxurrada e 200 famílias estão desalojadas. Os bairros mais comprometidos são o Jardim Primavera e Conjunto Bela Vista, que ficam próximos ao Ribeirão Água das Antas.

O repórter fotográfico Filipe Barbosa esteve em Bandeirantes nesta terça-feira (14) e conversou com alguns moradores do Conjunto Bela Vista que perderam tudo após a chuva. As imagens são devastadoras – e tristes. As famílias deverão buscar novos lares nos próximos dias com a ajuda da Prefeitura, pois o bairro tornou-se inabitável.

Enxurrada: ‘Quando sobe, sobe de uma vez’

Adilson Furquim mora no Bela Vista, bem próximo ao Ribeirão das Antas, há 27 anos. A casa dele foi a primeira do bairro a ser atingida pela enxurrada do rio.

“Eu gostaria de ficar aqui, mas, agora, qualquer chuva está enchendo o rio. Nós ficamos com medo. Dá o barulho de chuva, você não dorme mais. Fica acordando de madrugada. E se você não acorda, o vizinho te chama”, diz o morador.

O pai dele pretende alugar uma casa em outro bairro para fugir de novas enchentes. “Você com casa e ter que pagar aluguel, sem poder”, lamenta Adilson.

No domingo, ele foi avisado pelos bombeiros para deixar a casa às três da madrugada e saiu do local às pressas. “Foi o tempo de levantar um pouquinho e ver o rio passando por cima do asfalto.”

“Não deu para tirar nada. Você deixa as coisas para trás porque fica apavorado. Só tirei os documentos mesmo e algumas coisas mais necessárias, mas quando não dá tempo, deixa tudo na terra, não tem jeito.”

“Quando (a água) sobe, sobe de uma vez. Antigamente, podia chover aqui três, quatro dias a fio e não enchia, agora se chover duas horas o rio enche. Não dá para sossegar”, declara Adilson, contando que na casa vizinha, a família de seis pessoas perdeu tudo e decidiu ir embora.

É a segunda vez que Irene perde tudo numa enxurrada

Irene Maria Machado, 67 anos, mora no Bela Vista há 21 anos. A casa onde ela vive sozinha foi totalmente destruída pela enxurrada. “Comecei a ganhar coisas novas depois da primeira chuva, no domingo retrasado, mas já perdi tudo de novo, no domingo passado”, relata.

Ela foi avisada por um radialista da cidade e conseguiu sair de casa a tempo. Também precisou quebrar parte da parede para dar vazão à água acumulada na residência. Hoje, Irene sobrevive com a aposentadoria e a ajuda que tem recebido do Município, por conta do alagamento.

Em 2012, ela foi personagem em uma matéria de jornal, após ter sobrevivido a outra enchente no Bela Vista. “Tá vendo esse jornalzinho, é daquele tempo que venho guardando.”

“Vou falar a verdade: eu perdi tudo, mas não perdi nada, porque Deus me deu a vida para mim e para o meu filho que mora perto de mim. Graças a Deus, o prefeito, os vereadores, todo mundo está dizendo que nós vamos sair daqui. Até semana que vem nós mudamos, porque aqui é para derrubar tudo.”

Segundo Irene, a casa vizinha, onde a filha dela mora com o genro e os três filhos, também foi destruída pela chuva, assim como o muro que separa as duas casas. “Lá está tudo no chão.”

“Ninguém aluga casa com salário de aposentado não. Tem comida, tem remédio. Eu estou me recuperando agora de um começo de AVC e a minha perna não está muito boa ainda. Eu tô conforme Deus quer.”

“Todos nas casas saímos correndo e a hora que salvamos a última pessoa dessa casa, a casa desabou, caiu”, descreve Irene, sobre outra casa vizinha, onde morava a cunhada dela. “A hora que meu menino colocou ela em cima da sacada, a casa caiu. Foi questão de minuto.”

“Tudo o que ganhamos com suor foi embora. Agora é esperar ajuda de Deus. É duro. Eu não quero nem lembrar desse terror mais”, lastima Irene.

‘Eu quero sair daqui agora’

José Marcos Machado viu a casa de madeira que ele mesmo construiu encher de água, por volta da uma da manhã do último domingo. Ele mora sozinho, próximo ao Ribeirão das Antas.

“Eu quero sair daqui agora. Aqui está perigoso. As árvores também deitaram um pouco, tudo para o meu lado. E se acontecer de noite, pronto, elas podem cair sobre a minha casa”, avalia José, que diz não ter para onde ir.

“Só não saí daqui mesmo porque não tenho para onde ir, porque não gosto de morar com parentes”, confessa o morador, que trabalha com reciclagem e tem recebido cestas básicas da Prefeitura, além de um colchão novo.

“É duro, porque (a chuva) é de madrugada, a gente não espera nada, a hora que espera, já está tudo cheio.”

Correria e medo

Juliano José dos Santos recorda que foi uma correria acordar com a água subindo dentro de casa na madrugada de domingo. “Correria e medo. Não deu tempo de tirar nada porque o bombeiro veio e já pediu para evacuar a área.”

“A gente teve que sair e perdeu tudo de novo o que a gente tinha colocado na semana passada”, diz Juliano, sobre os colchões novos que haviam recebido em doação na semana passada e que já se perderam na nova enxurrada.

A família perdeu, inclusive, alguns documentos na enxurrada, como o registro das crianças, e a cesta básica recebida da Prefeitura há apenas uma semana.

Foco da Defesa Civil são as famílias que perderam tudo

Segundo o diretor de Operações e Coordenador da Defesa Civil de Bandeirantes, Richard Damasceno, nesse momento, a Defesa Civil do município ainda faz a entrega da ajuda humanitária que foi recebida no final de semana anterior a esta segunda enxurrada.

“Dentro dessas atribuições de ajuda humanitária está sendo entregue às famílias que novamente foram afetadas e perderam tudo do que começavam a conquistar”, informa.

“Está sendo feita a entrega de cestas básicas, kits de limpeza, tem também um kit dormitório e um colchão, além da água potável, por conta do racionamento e do rompimento de algumas adutoras no último domingo novamente, tendo em vista as enxurradas que transbordaram o Ribeirão Água das Antas”, completa o diretor.

Segundo ele, neste domingo, um novo incidente ocasionou danos no Jardim Primavera e no Conjunto Bela Vista, que faz curso com o Ribeirão Água do Caia. A Defesa Civil, no intuito de ajuda humanitária, assiste as famílias em parceria com a Secretaria Municipal de Assistência Social e Assuntos da Família.

“Hoje, aqui nessa ajuda humanitária, estamos sendo acompanhados por uma técnica do CRAS, que é responsável por isso. Então, a função da Defesa Civil no intuito de ajuda humanitária é essa, apoiar no pós-desastre principalmente essas famílias que foram afetadas”, conclui Richard Damasceno.

Leia também: Defensoria atende famílias desalojadas após inundações em Bandeirantes

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