Quantas mulheres transexuais e travestis ouvimos este mês? Quantas pretas, indígenas, amarelas? Quantas empregadas domésticas, donas de casa? Quantas mães solo, mães atípicas?
Por Cecília França
Foto ilustrativa: Grafite no Viaduto da Avenida Dez de Dezembro, em Londrina/Vivian Honorato
Ouvi a pergunta título desse texto de uma amiga travesti inquietada com o silenciamento das mulheres transexuais e travestis ao longo do mês de março, considerado o “mês da mulher”. Essa amiga pretendia escrever um texto a partir da provocação que me fez; acabou não rolando. Mas a frase alugou um triplex na minha cabeça e tive que me deter sobre ela.
Partindo do princípio de que não existe “a mulher”, e sim, “as mulheres”, me pus a pensar: será que conseguimos visibilizar as diversas mulheridades nos eventos dos quais participamos e que promovemos ao longo deste mês? Quantas mulheres travestis e transexuais você ouviu no mês de março? Quantas pretas, indígenas e amarelas? Quantas empregadas domésticas, donas de casa? Quantas artesãs? Quantas mães solo, mães atípicas?
A pauta feminista avança e vejo muitas conquistas de representatividade. Nos sentimos mais fortalecidas em redes, organizações e coletivos que visam uma sociedade igualitária. Os inúmeros eventos que vi e acompanhei ao longo do mês foram riquíssimos, diversos, dentro de suas limitações. Mas ainda pecamos nas interseccionalidades de raça, gênero, renda.
Quantas comerciárias ouvimos ao longo do mês de março? Comerciantes, várias. Quantas sobreviventes de violência doméstica? Estudiosas, muitas. Quantas prostitutas? Especialistas em empreendedorismo feminino, bastantes.
Minha reflexão não passa por deixar de ouvir quem ouvimos, mas analisando quem está silenciada é impossível não notar a vulnerabilização como ponto comum entre elas.
Uma amiga muito querida, ativista em uma comunidade da Zona Norte de Londrina, mãe solo de três filhas, foi convidada recentemente para uma atividade na área central. Às oito da manhã. Deu seu jeito e foi. Era uma oportunidade de ser ouvida por empresários e empresárias que, talvez, tivessem interesse em investir em seu projeto. Numa segunda oportunidade, quando apresentariam o resultado daquelas conversas, não conseguiu comparecer. Precisava trabalhar às oito da manhã.
São realidades tão diversas que fica muito difícil imaginar que conseguiremos, como militantes feministas, abarcar todas algum dia. Temos feito o que está ao nosso alcance. Mas a fala da minha amiga que inspirou essa reflexão me leva a questionar: será? Talvez possamos alcançar mais. Talvez consigamos trazer mais vozes para esse março que deveria ser todo mês.
As pautas femininas e feministas estão postas todos os meses e queremos que sejam ouvidas e discutidas de janeiro a dezembro. Nunca esquecendo que há pautas comuns, mas há inúmeras que são de outras manas e não minhas. Quando vamos ouvi-las?
*Cecília França é jornalista, editora da Rede Lume, mãe, feminista, antirracista, militante dos direitos humanos.
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