Seu Nelson vive no Aparecidinha; Dona Irene e dona Zulmira sabem bem como é viver em habitação irregular

Texto e Fotos: Nelson Bortolin

Irene Teodoro Rocha não lembra o ano em que veio morar na ocupação da Vila Marísia. Sabe que faz mais de 47 anos, que é a idade do seu filho mais velho, que já tinha nascido quando a família deixou a zona rural.

Embora com boa parte das casas já legalizadas, a vila ainda tem 68 famílias vivendo em imóveis irregulares. É a ocupação mais antiga de Londrina, tendo começado em 1966, portanto, há 56 anos.

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“Quando eu vim pela primeira vez, tinham poucos barracos, poucos mesmo”, conta dona Irene. Com pai, mãe, e um filho, ela teve de sair da zona rural porque começou a faltar trabalho no campo devido à mecanização das lavouras.

“Quando eu cheguei aqui eu fui trabalhar como boia-fria. Saía as 4 da manhã dentro de um caminhão. Depois, a saúde começou a faltar e eu fui catar papel”, conta.

A Vila Marísia é onde fica a sede de uma das maiores cooperativas de reciclagem da cidade, a Cooper Região. Mas a dona Irene prefere trabalhar “avulsa”.

Ela e a filha guardam o material que recolhem pela cidade num barracão perto de casa. “Quando eu comecei essa vida de catar papel a gente usava carrinho de rolimã”, lembra.

Naquela época, ainda não existia um sistema de coleta seletiva na cidade. O material recolhido era vendido para um ferro-velho na Vila Casoni.

Foi catando recicláveis que ela cuidou de pai e mãe doentes e criou quatro filhos, três homens e uma mulher. Dois dos rapazes já morreram. “Também cuidei do meu irmão que tinha problema de cabeça.”

Com o pouco que ganhava ela comprava leite e ovos em quantidade insuficiente para toda a família. Mas era o que dava.

A família fez várias mudanças: para Congonhinhas, Ibiporã, para os Cinco Conjuntos, mas sempre voltou para a Vila Marísia. “Peguei uma casa nos Cinco Conjuntos, mas não deu para pagar”, alega.

Demorou para a recicladora conseguir uma casa regularizada. Foi nos anos 1990. “Deram os terrenos e as cassas eram construídas em mutirão. Cada família tinha de botar pelo menos uma pessoa para ajudar.”

A casa hoje está regularizada e em nome dela e do segundo marido, que faleceu há poucos dias. Mesmo assim, não se sente segura. “Mesmo com papel, não dá para confiar. Com essa folia de mudar de governo, vai que tomam a casa da gente.”

Hoje, ela tem 64 anos e a vida melhorou na comparação com o tempo em que chegou na Marísia. Mas a reciclagem não está numa fase boa. “Caiu bastante o preço do material”, conta.

O quilo da latinha, reciclável bem mais valioso que o papel, está a R$ 5, segundo ela. O neto fez as contas: são necessárias 69 latas de refrigerante ou cerveja para formar um quilo do material.

Ocupação: construindo a casa com pau de café e lona

Dona Zulmira dos Santos lembra que chegou com a mãe para ocupar um terreno na Vila Marísia aos 13 anos de idade. Isso foi no início dos anos 1970. “Nosso barraco era feito de pau de café e lona”, conta. Os paus ela trazia da roça, onde trabalhou como boia-fria desde muito nova.

Assim como dona Irene, Zulmira tem 64 anos, foi uma das primeiras moradoras do local, e também trabalha com reciclagem. Mas na cooperativa. Ela não reclama da vida financeira. Em janeiro, ganhou R$ 1.950 e, em fevereiro, R$ 1,5 mil. “Aqui todo mundo ganha igual”, conta.

Dona Zulmira não mora mais no Marísia. Comprou uma casa nos Cinco Conjuntos. Mas ainda é dona do imóvel regularizado nos anos 1990. “Meu marido ainda toca o bar lá.”

O plano da recicladora é aposentar-se logo. “Meu processo já está com o advogado”. Depois, quer viver uma vida mais tranquila.

Seo Nelson não acredita em regularização

Ao contrário das pioneiras da Vila Marísia, Nelson Bueno Bicudo (na foto em destaque) chegou aos 66 anos sem ter uma casa “legalizada” e vive na insegurança de, de uma hora para outra, ter de deixar a ocupação Aparecidinha (zona norte).

“A gente vive assustado todo dia. Fico pensando: e se eles chegarem e falar que eu tenho de sair? Para onde vou? Quem vai me ajudar, quem vai olhar por mim? Não tenho mais idade para ir para uma nova ocupação”, afirma.

Ele conta que foi um dos primeiros a chegar no local. Não lembra o ano. “Se eu recebesse a regularização da minha casa, estaria perfeito.” “Aqui eu conheço todo mundo, todo mundo me conhece. Me chamam de véinho, tiozinho, está tudo certo.”

De acordo com a Cohab, o Aparecidinha, também conhecido como Bom Jesus, teve início em 2000 e recebeu nova leva de moradores em 2014.

Bicudo diz que sua vida desandou depois que voltou da Espanha, onde trabalhou como pedreiro. Morou um tempo com o irmão na Vila Casoni, depois arrumou um emprego numa empresa de jardinagem, onde teria adquirido dores intensas na coluna e nos braços. “O patrão era generosíssimo, mas o filho muito ruim. Me fez trabalhar além das minhas forças.”

Atualmente Seo Nelson afirma que toma dois comprimidos de codeína e um dipirona logo cedo para driblar as dores.

E é bem descrente quanto à urbanização da ocupação, conforme prevê a Cohab. Ele diz que a região onde está o assentamento vem passando por grande industrialização. E os terrenos estão ganhando muito valor.

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