Fotos: Carlos Monteiro

Em minhas rodas de conversa sempre me deparo com alguma resistência às falas que hoje são totalmente inaceitáveis. O medo do novo, a dificuldade em lidar com mudanças ou a falta de conhecimento faz com que as pessoas queiram deixar este assunto para as próximas gerações.

Das dificuldades enfrentadas a maior, sem dúvida, é quando afirmo que todas as pessoas brancas (eu me incluo) carregam o racismo estrutural dentro delas.

“Eu não sou racista!” é a afirmação mais corriqueira em nossas conversas. Ela vem com os exemplos de sempre: “Minha amiga é preta”, “minha faxineira é da família” etc.

Então começo a mostrar situações diárias onde mora o racismo estrutural.

Minha amiga, para elogiar a comida de sua cozinheira, fez uma afirmativa na certeza de que era um elogio: “A comida de uma preta é especial! Não só a comida! A faxina também! Por isto só contrato empregadas pretas!”.

“Eu chamo minha babá de ‘Neguinha’; acho que é carinhoso”. Você perguntou se ela prefere ser chamada pelo seu nome? Você já mostrou para ela que nosso nome é a primeira forma de não sermos invisíveis? Alguém já te deu um apelido de “branquinha” no serviço? Se já, como você reagiu quando anularam seu nome próprio?

Você já percebeu que quando uma pessoa branca responde ou dá uma opinião com firmeza, impõe ideias e tem presença marcante é chamada de pessoa forte, autêntica e positiva? E quando estes fatos acontecem com pessoa preta, ela é chamada de nariz em pé, metida e prepotente?

Quando olhamos para uma pessoa negra de jaleco no hospital o que vem a nossa mente: esta pessoa é médica ou enfermeira?

Logo pela manhã, ao encontrarmos uma mulher negra se dirigindo ao serviço, vestida de forma clássica, pensamos que ela ocupa um cargo de chefia ou é profissional dos serviços gerais?

Você leva seu olhar para um restaurante e percebe se pessoas negras estão ali como clientes ou funcionários?

Quantos negros são colegas de escola dos seus filhos? Dormem em sua casa?

“Eu faço uma mistura de bicarbonato com limão para minha babá usar como desodorante. Nunca percebi, mas me falaram que as pessoas pretas têm ‘inhaca’”. Este termo é usado para falar sobre algo ou alguém que cheira mal.

Inhaca, na verdade, é uma ilha em Moçambique, nação da África Austral, situada à entrada da baía de Maputo, capital do país, de onde vieram muitos povos escravizados. Como a situação destas pessoas era desumana, aviltante e cruel, já durante a viagem, chegavam ao destino com um odor bastante forte.

Estas questões causam muito desconforto, porque tomar consciência de que o racismo tem que ser combatido todos os dias, hora a hora e que temos uma dívida enorme com pessoas negras é uma constatação muito difícil.

Mas só por meio desta tomada de consciência é que vamos nos tornar antirracistas

Eu faço parte desta luta e você?

*Odette Castro é artista, escritora, ativista social. Através da sua experiência com a dor e o luto, mostra que é possível seguir em frente e ser feliz. Já foi servidora pública e também empresária. Hoje é cronista do cotidiano, criadora dos projetos “Uma flor por uma dor” e “Fale certo”, autora de “Rubi”, ativista de inclusão social, mãe e avó.

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