Debate da Rede Lume, Rádio UEL e Portal Verdade mostrou que a educação dos jovens na escola pública piorou muito com a reforma
Nelson Bortolin
O Novo Ensino Médio (NEM) precisa ser revogado porque é confuso, substitui conhecimentos básicos por conteúdos irrelevantes, prejudica os estudantes que trabalham, tira a autonomia dos professores, entre outros fatores.
Essas foram as principais conclusões do debate “Novo Ensino Médio: os impactos para a educação pública”, realizado na noite de quarta-feira, 12 de abril, na Universidade Estadual de Londrina (UEL). A promoção foi da Rede Lume de Jornalistas, UEL FM e Portal Verdade, com apoio do Observatório do Ensino Médio/UEL.
“Eles não estão entendendo nada. Igual a mim.” Esta foi a resposta de Kainan Ferreira de Araújo ao ser questionado durante o evento sobre a percepção dos estudantes em relação ao Novo Ensino Médio. Ele estuda no Colégio Estadual Maestro Andréa Nuzzi, de Cambé, e foi um dos quatro convidados a participarem da mesa do debate. O jovem é presidente do Grêmio Estudantil Diversidade da escola e representante da União Paranaense dos Estudantes Secundaristas (Upes).
A mesa também contou com a presença da professora Sandra Garcia, do Departamento de Educação da UEL e coordenadora na universidade da Rede EMpesquisa (Ensino Médio em Pesquisa), que reúne cerca de 150 pesquisadores de mais de 20 universidades brasileiras. Também é coordenadora do Observatório do Ensino Médio/UEL.
Outro participante foi o professor Rogério Nunes da Silva, que dá aula de sociologia na rede estadual e é secretário de assuntos jurídicos da APP-Sindicato. A Secretaria do Estado da Educação (Seed) foi convidada, mas não mandou representante e nem justificou a ausência.
“No papel, o Novo Ensino Médio é muito bom. Mas na prática não. O intuito dele é promover igualdade para os alunos, mas faz o contrário”, disse Araújo, que faz curso técnico de administração.
A formação técnico-profissional é uma das cinco áreas estabelecidas pela reforma pelas quais, teoricamente, os estudantes podem optar desde o ano passado. Essas áreas são chamadas de itinerários. As outras são: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; e ciências humanas e sociais aplicadas.
Na prática, nenhuma escola oferece todas as opções. Muitas, segundo disseram os debatedores, só disponibilizam um itinerário. Os defensores do NEM, implantado por medida provisória durante o governo Michel Temer, em 2016, alegam que a mudança, entre outras coisas, traz autonomia e poder de escolha para os jovens, o que não aconteceu nas escolas públicas.
“O meu colégio, que é um dos cinco maiores do Paraná, só conseguiu oferecer dois itinerários. Imagina os menores”, reclamou o jovem.
De acordo com o professor Rogério Nunes, nenhuma das 2.100 escolas estaduais do Paraná oferece mais que três itinerários.
Novo Ensino Médio aprofunda a desigualdade
“No papel, o Novo Ensino Médio é muito bom. Mas na vida real não funciona. O intuito dele é promover igualdade para os alunos, mas faz o contrário”, afirmou o representante dos alunos. “No meu colégio, as aulas deveriam acabar 12h45 porque são seis aulas, mas tem aluno que entra no trabalho às 13 horas. Então a escola tem de liberar mais cedo”, contou.
Se, de um lado, os alunos não ganharam a prometida autonomia, do outro, os professores perderam, pelo menos no Paraná, onde o governo implantou uma série de plataformas on-line pelas quais os estudantes fazem atividades e obtêm parte de suas notas. O estado também disponibiliza slides com aulas prontas para os professores replicarem nas escolas.
Entre as plataformas, o jovem citou Inglês Paraná e Redação Paraná. Todos os dias, os estudantes recebem o que chamam de quizzes, pequenos questionários que respondem pela internet, como parte das lições de casa.
No curso técnico de Araújo não são oferecidas, por exemplo, as disciplinas de filosofia, artes, física e educação física. Há muita educação financeira e até comércio exterior.
Disciplina ensina a fazer brigadeiro
Uma disciplina comum a todos os itinerários é o que chamam de Projeto de Vida, que segundo os debatedores ninguém sabe ao certo o que representa. Numa escola de São Paulo, chegou-se a ensinar como se faz brigadeiro como projeto de vida. A nomenclatura pode variar. No Rio de Janeiro, surgiram aulas chamadas de “O que rola por aí…”
Para Araújo, em vez de atrair os jovens, a reforma vem causando aumento na evasão escolar. Tanto que o colégio onde ele estuda perdeu porte o que, segundo o site da Seed, é um conjunto de fatores que define a quantidade de profissionais que atuará na instituição de ensino.
“Por que o porte caiu?”, questionou o jovem. Ele mesmo respondeu: “Porque não tem alunos.” Para o representante dos estudantes, é preciso revogar o NEM, mas não para voltar ao que era antes, porque seria “um retrocesso maior ainda, mas para implantar um projeto que seja discutido com alunos e professores”.
Projetos desmontam a Constituição
Professor do ensino médio em quatro escolas públicas, Rogério Nunes da Silva defende que a implementação do Novo Ensino Médio está alinhada a um projeto de interesses empresariais manifestados nos últimos anos no País que inclui as reformas da Previdência e Trabalhista.
“Em 1988, a sociedade brasileira fez um acordo e constitucionalizou direitos sociais, entre eles, a educação pública”, disse, referindo-se à promulgação da atual Constituição Federal. Na visão de Silva, o projeto desses setores empresariais incluiu o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016.
“Há um projeto para desestruturar o que foi decidido em 1988. O Novo Ensino Médio foi construído nesse contexto”, declarou. A reforma, de acordo com o professor, insere uma lógica empresarial nas escolas.
“Parte da ideia de que qualidade de educação é o que pode ser metrificado.” Ele cita como exemplo bonificações que seriam pagas a diretores conforme a frequência dos alunos nas aulas.
O docente reconhece que há um descompasso entre a juventude e a escola e que é preciso modernizar o ensino médio. Mas acredita que a reforma foi feita a partir da “ilusão do novo”, “de um discurso de que os currículos eram engessados, que o ensino era chato e que o aluno precisava ter mais autonomia para escolher”.
Ele também destacou que, nas grandes escolas, somente dois itinerários estão disponíveis. “O aluno ganhou o direito de escolher entre uma coisa ruim e outra péssima”, criticou.
Silva disse ainda que os itinerários representam “conteúdos ideológicos alinhados aos princípios privatizantes da educação pública”. E contou que, quando começou a dar aula de sociologia, os jovens tinham seis aulas da disciplina por semana. Hoje, numa escola do distrito da Warta onde trabalha, são apenas duas, sendo uma única presencial.
O professor contou que sua posição pessoal e a da APP é pela revogação do Novo Ensino Médio. “É melhor voltar ao que era antes, pelo menos temporariamente, do que continuar assim.”
Proposta de 2011 contrariava interesses empresariais
A professora Sandra Garcia apresentou um breve histórico das discussões sobre o ensino médio. Lembrou que, em 2011, o Ministério da Educação apresentou uma minuta com diretrizes curriculares que havia sido amplamente discutida no Conselho Nacional da Educação. O projeto, que contrariava as fundações empresariais, acabou não sendo implementado.
De acordo com a professora, as fundações passaram a fazer lobby no Congresso Nacional e conseguiram emplacar suas propostas na forma do projeto de lei 6.840, que enfrentou resistência das entidades representativas de professores e trabalhadores em educação. O PL acabou não sendo aprovado.
Quando o ex-presidente Michel Temer assumiu, após o golpe sobre Dilma Rousseff, essas ideias foram implementadas por meio de medida provisória, em 2016. “Não houve discussão com a sociedade”, disse a professora.
De acordo com ela, o “protagonismo juvenil” proposto pelas fundações é um engodo porque os estudantes não têm escolha, e representa um “amontoado de penduricalhos, um esvaziamento do conhecimento”, além de uma desorganização total do ensino médio no País.
“Antes tínhamos 13 disciplinas. Hoje, há estados com mais de 200”, disse.
A docente destacou que a carga horária do ensino médio foi ampliada de 2.400 para 3.000, o que seria positivo se as disciplinas de conhecimentos básicos não tivessem encolhido para 1.800 horas.
“Foram substituídos por conteúdos que não se sabe bem o que é.” Para Sandra Garcia, a reforma é uma “volta ao passado”.
Ela contou que, em sua época de ensino médio, fez os cursos profissionalizantes de magistério e contabilidade, que eram oferecidos na década de 1980.
“Não tive disciplinas como química, física e biologia. Não tive acesso ao conhecimento básico que toda a sociedade tem direito”, destacou.
Reforma coloca a culpa no estudante
A professora lembrou de um slide produzido pela Seed, de uma das aulas de “Projeto de vida”, que ganhou notoriedade na imprensa e expunha a diferença entre “mentalidade de rico” e “mentalidade de pobre”. A primeira seria a de quem assume os próprios erros e a de segunda a de quem culpa as outras pessoas e o governo por seu fracasso.
“O aluno faz seu projeto de vida. Se não der certo a culpa é dele. Ele construiu um projeto que não deu conta de concretizar”, criticou, apontando o viés meritocrático desse pensamento.
Ela também defende a revogação do Novo Ensino Médio. “Há um movimento acontecendo em todos os estados do País. Havia expectativa de que seríamos ouvidos no início do atual governo”, disse.
Mas, segundo a docente, a atual equipe do Ministério da Educação defende a reforma e o presidente Lula só suspendeu o calendário de implementação depois de muita reação por parte da sociedade, incluindo manifestações de rua ocorridas no dia 15 de março.
“É importante deixar claro que a suspensão foi apenas do cronograma, basicamente no que se refere ao Enem”, esclareceu ela. O Exame Nacional do Ensino Médio de 2024 já seria feito com base nas mudanças. “A reforma continua sendo implantada. Está no segundo ano em todo o Brasil com exceção de São Paulo, que já chegou ao terceiro.”
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