Fotos: Carlos Monteiro

Fomos feitos para o amor e todos os dias temos a oportunidade de ressignificar a vida, elaborar perdas, perdoar e fortalecer o amor que há em nós.

Na última crônica refleti sobre as diferentes formas de amar. O amor generoso, gratuito, grato e gratificante que transforma e é transformado.

Amar com leveza, desprendimento. respeito e compromisso com um mundo mais humano e justo.

O amor dá um sentido especial à nossa passagem por este mundo.

Amor que não se fecha e que se expande para o coletivo. Amor que se conecta com o universo e faz a diferença.

Na convivência afetiva e social, somos desafiados a construir tempos de qualidade.

Ouvir, acolher, olhar, valorizar, reconhecer, tocar, acarinhar, dar prazer, restituir o amor, a alegria, a dignidade, a esperança e os direitos perdidos.

Aperfeiçoar a comunicação e aprender a expressar sentimentos com serenidade e assertividade.

Não somos eternos, deixamos legados de amor para que outros deem continuidade à semeadura.

Somos convidados a exercitar a gentileza, a empatia, a compaixão, a solidariedade e a solitude.

Como evoluir espiritualmente e psiquicamente nas relações? Como aperfeiçoar nossa capacidade de amar? Como permitir que o infinito amor de Deus se manifeste em nós?

Temos muitos talentos, mas, muitas vezes, usamos nossos dons narcisicamente, em benefício próprio. Não conseguimos entender que enquanto um indivíduo estiver passando fome, toda sociedade estará doente.

Não paramos para avaliar as consequências de nossas atitudes. Passamos pela vida de forma apressada, sem tempo para os que nos rodeiam e para nós mesmos.

Naturalizamos o fato de vivermos plugados, ligados nas redes, no celular, na música, no trabalho, mas ausentes de nós mesmos e daqueles que estão próximos.

Por que corremos tanto? Temos uma direção ou estamos gravitando em torno de nós mesmos?

Quais os excessos que conduzem o nosso agir e dificultam a comunicação e a vivência do amor em sua inteireza?

Excesso de consumo, trabalho e busca pelo sucesso?

Excesso de egoísmo, julgamento, arrogância, prepotência, superioridade, vaidade e perfeccionismo?

Excesso de indiferença, desprezo pelo outro, ódio, violência, desamor, preconceito, destruição do nosso planeta e da natureza?

Excesso de mentiras, ganância, injustiça, exploração, corrida armamentista e falta de diálogo entre os países?

Excesso de espelhos para o meu eu e invisibilidade para a realidade daqueles que passam fome e não têm onde morar?

Excesso de autoritarismo, abuso de poder e corrupção?

Muitas são as feridas psíquicas, emocionais e sociais que são obstáculos ao amor. Em nossa trajetória fomos abandonados e rejeitados, sofremos abusos físicos e psíquicos, entre outros traumas que determinam nosso jeito de agir e estar no mundo.

Freud afirma que a pulsão de vida (Eros) divide o mundo psíquico com a pulsão de morte (Tânatos). Eros é a energia que nos impulsiona à busca de bem-estar, satisfação e felicidade. É o princípio da vida que luta para manter a unidade e o equilíbrio do psiquismo. Eros realiza convergência, união e laços.

Tânatos, seu opositor, faz dispersão, divergência, separação. Isto não significa que um é bom e o outro é mal. Às vezes é necessário a presença dos dois na busca do equilíbrio.

Vida e morte dialogam. Tânatos, enquanto morte, pode ser simbolicamente um fim para que nasça o novo, enquanto invenção e criação.

O equilíbrio psiquico depende desse diálogo constante entre a vida e a morte.

Que a energia do amor nos impulsione para a convergência e a união, para a coragem de romper com o que adoece e recomeçar sempre.

O mito do amor romântico também mina um amor que acrescenta e faz crescer.

A sociedade criou a expectativa de que as mulheres precisam ter um homem para serem reconhecidas e legitimadas. Têm que encontrar sua “cara metade”, aquele que realizará todos os seus desejos.

Conceitos que geram a dependência afetiva, pois as mulheres depositam no homem a responsabilidade pela sua felicidade, pela cura de suas dores e decepções.

Concepções falaciosas que enevoam o sentido da vida.

Ninguém tampa os buracos de ninguém.

Só nós podemos dar conta das nossas feridas. Precisamos dialogar com nossa ansiedade, solidão, medos, pânicos, raivas, tristezas, depressões, falta de perspectiva, frustrações e decepções.

Sair de cena para lidar com esse turbilhão de sentimentos e sensações que nos invadem. Identificar em nosso ser a força da vida e da morte.  

O corpo não está desconectado da mente. Quando calamos, o corpo fala, o corpo pede ajuda. A dor psíquica se manifesta por meio da dor física.  

Nessa dinâmica, uma só pessoa não pode ser a única fonte de alegria, amor e felicidade.

É importante termos diferentes pilares existenciais.

Amigos/as, amores, namorados/as, familiares nos completam de formas diferentes. Alguns amam o futebol, malhar, pedalar, caminhar. Outros gostam de praia, de um bom filme, uma peça teatral, um show, uma obra de arte, um museu.

Com alguns sentamos em torno da mesa para experimentar uma especiaria ou um prato simples que resgata a história e tradição de um povo, ou mesmo para saborear um delicioso café.

Temos grupos que amam dançar, viajar, fazer trilhas, explorar novos lugares. Nos identificamos com outros por meio do engajamento social, literário ou musical.

Com alguns temos forte identidade espiritual. E tem aqueles cujo laço passa pelo compromisso político. Tem amigos que nos envolvem em ações de solidariedade e serviço ao próximo. Bem como grupos ecológicos que nos convidam a cuidar do nosso planeta e de suas criaturas.

Ninguém nos completa plenamente. A exclusividade empobrece e enfraquece o amor.

É impossível uma única pessoa atender todas as nossas demandas e necessidades. Somos uno e múltiplos, intensos, densos e diversos, pura energia e paixão pela vida. Florescemos e desabrochamos a cada amanhecer.

Somos seres inconclusos, em permanente construção, nunca estamos prontos. Sempre a caminho, com novas travessias e passagens.

Quanto mais leves e respeitosos somos, maior será a possibilidades de estabelecermos laços profundos, vínculos com raízes, pertencimento e confiança.

Não existe troca e igualdade quando eu dou cada vez mais e recebo cada vez menos.

Na dinâmica do amor que é livre e se multiplica, somos chamados a cuidar e sermos cuidados, ouvir e sermos ouvidos, amar e sermos amados, dar e receber o melhor.

Por isso temos que ampliar as relações, os sonhos, os projetos, as realizações e os momentos mágicos. Voar cada vez mais. Ir sempre além com ousadia e sem medo.

Na perspectiva da fé, os vazios humanos são preenchidos por um Deus de puro amor e misericórdia que nos ama ilimitadamente.

Papa Francisco afirma que “se consigo ajudar uma só pessoa a viver melhor, isso já justifica o dom da minha vida.”

Vamos amar mais e mais. Esse é o sentido da nossa existência.

*Beatriz Herkenhoff é assistente social. Professora aposentada do Departamento de Serviço Social da UFES. Com doutorado pela PUC-SP. Autora do livro: “Por um triz: Crônicas sobre a vida em tempos de pandemia” (2021) e “Legados: Crônicas sobre a vida em qualquer tempo (2022)

Leia também:

Porque anjo não 

A Lume faz jornalismo independente em Londrina e precisa do seu apoio. Curta, compartilhe nosso conteúdo e, quando sobrar uma graninha, fortaleça nossa caminhada pelo PIX (Chave CNPJ: 31.330.750/0001-55). Se preferir contribuir com um valor mensal, participe da nossa campanha no Apoia-se https://apoia.se/lume-se.

4 respostas para “O sentido da vida”

  1. Avatar de Maria Celeste Lima de Barros Faria
    Maria Celeste Lima de Barros Faria

    Sempre muito importante refletir sobre o amor, sobretudo nessa nossa contemporaneidade, quando tudo que faz laço social anda tão desprestigiado. É uma alegria ler os textos de Beatriz Herkenhoff, generosa nas letras, nas ideias e na transmissão de suas reflexões!! Obrigada Beatriz!!

  2. Avatar de MARIA BEATRIZ LIMA HERKENHOFF
    MARIA BEATRIZ LIMA HERKENHOFF

    Que lindo o seu comentário Celeste! Fiquei emocionada. Nem sei o que responder, só gratidão por eu estar crescendo e deixando que a minha escrita flua com intensidade. Como minha terapeuta, você faz parte dessa história

  3. Amor é dado de graça,
    é semeado no vento,
    na cachoeira, no eclipse.
    Amor foge a dicionários
    e a regulamentos vários.
    Tomo os versos de Drummond, minha doce Bia, para levar a você, e aos seus leitores, os meus aplausos pelas mensagens que brotam do seu feliz artigo. Sim, Amor não se explica, mas se sente, especialmente quando é repartido, nas suas infinitas formas de se apresentar, seja para acolher, seja para repartir, seja para se doar. É. Você, como sempre, conseguiu falar de coisas qye não se mensura, mas se sente.

  4. Avatar de Beatriz Herkenhoff
    Beatriz Herkenhoff

    Que reflexão bela e profunda Alcir. Como você disse tão bem: que possamos viver o amor com intensidade, acolher cada vez mais aqueles que são pertos e que estão longe, repartir e doar aquilo que é obstáculo ao nosso Bem viver e à fartura nesse mundo. Gratidão por seu permanente diálogo com as minhas crônicas

Deixe uma resposta

%d