Círculo de diálogo na Escola Estadual Tiradentes, em Londrina, foi uma das iniciativas para conversar com adolescentes sobre o tema
Cecília França
Foto em destaque: Círculo de diálogo realizado na Escola Tiradentes/Cecília França
Na tarde desta quinta-feira (20), estudantes da Escola Estadual Tiradentes, região central de Londrina, participaram de um círculo de diálogo, conduzido pela educadora social Lua Gomes, sobre violência no ambiente escolar. O objetivo foi ouvir os estudantes e despertá-los para a responsabilidade na criação de um clima escolar positivo. A Lume acompanhou o primeiro dos três círculos, envolvendo cerca de 25 estudantes dos 6º e 9º anos.
Desde o ataque ocorrido na Vila Sônia (SP), em 27 de março – quando um adolescente de 13 anos matou uma professora e feriu outras – e, mais fortemente, do atentado a uma creche em Blumenau (SC), onde um homem de 25 anos matou quatro crianças, o medo passou a imperar entre a comunidade escolar. Ao menos 13 adolescentes foram apreendidos no Paraná desde o início do mês por ameaças de ataques.
Muitos boatos e informações falsas alimentaram o clima de temor, fazendo com que pais mantivessem seus filhos em casa. Na Escola Estadual Tiradentes o diretor Samuel Gonçalves da Silva estima que entre 15% e 20% dos 180 estudantes não tenha comparecido às aulas nesta semana.
O dia de hoje, 20 de abril, era considerado crítico por ser uma data simbólica para grupos extremistas. Foi neste dia que aconteceu o massacre de Columbine, nos Estados Unidos, quando 12 jovens foram assassinados. A Polícia Militar e a Guarda Municipal anunciaram reforços no patrulhamento em todas as unidades escolares de Londrina. Em todo o Estado, dez adolescentes foram apreendidos hoje.
Dentre as iniciativas para manter os estudantes nas escolas, escolas ofereceram lanches especiais.

Alunos relatam contato com a violência
O círculo na Escola Tiradentes iniciou com perguntas da educadora Lua Gomes que revelaram: a maioria dos estudantes teve acesso a notícias sobre o ataque à creche em Blumenau; a maioria soube de ameaças de ataques a escolas neste 20 de abril e de colegas que cogitaram não ir às aulas por este motivo; muitos consideram que já receberam tratamento violento dentro do ambiente escolar.
“Hoje a gente está vivendo uma outra realidade de violência nas escolas”, explicou Lua, comparando com o período de sua infância e adolescência. “A gente sempre ouve pais, especialistas, psicólogos, todos têm um olhar diferente, mas dificilmente ouvimos quem faz mais volume na comunidade escolar, que são vocês”.
Por meio de relatos de experiências pessoais, a educadora buscou trazer para os estudantes a discussão de conceitos como “respeito” e “empatia”.
“Quando a gente fala sobre a violência no ambiente escolar ela não é só sobre bullying, ela pode vir de muitas maneiras”, pontuou. “Lendo relatos de pessoas que cometeram ataques em escolas nos últimos 5 anos, todos os agressores falaram em vingança. Então vamos pensar numa dimensão de como pode machucar alguém ser tratado de maneira pejorativa, xingando…”.

Muitos dos estudantes relataram já ter presenciado situações de violência em casa, na rua ou no percurso até a escola. A educadora buscou apontar que a reação a violências sofridas ou presenciadas não precisa ser de mais violência. Há a possibilidade de reagir de maneira mais sadia.
“Eu venho de uma geração em que dar uma ‘coça’ no filho era normal. Quando começou campanha de divulgação de número do Conselho Tutelar eu já estava em idade escolar. E quando eu apanhava da minha mãe eu olhava para ela e pensava: ‘Quando eu tiver filhos eu não vou bater neles’”, lembrou Lua.
Ela ressalta que a escola é reflexo da sociedade, por isso, também enfrenta questões estruturais como o racismo, a LGBTfobia e a violência de gênero.
“Essa conversa não garante que quem foi chamado de gay mais cedo não vá ser chamado de novo; não garante que quem sofreu atitude racista vai deixar de sofrer. É uma tentativa de trazer reflexão para os estudantes sobre qual a responsabilidade para que o ambiente escolar seja menos violento”, destacou.
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Ataques comprometeram o ambiente escolar, diz diretor

Os estudantes das escolas públicas foram gravemente impactos pela pandemia da covid-19, período em que tiveram o acesso à educação prejudicado ou impossibilitado. Em 2022, após o retorno presencial, professores e diretores se depararam com alunos tensos e mais agressivos.
“Quando a gente retornou estava surreal. Por qualquer motivo tínhamos que fazer mediação de conflito, porque eles se desentendiam. Eles estavam extremamente agressivos, também melindrosos. Foi um processo bem difícil. Esse ano que a gente estava, de fato, retomando”, conta o diretor da Escola Tiradentes, Samuel da Silva.
Os ataques a escolas e os boatos que correram após prejudicaram a construção desse ambiente positivo.
“Quando começou a vir à tona essas informações, toda a construção que a gente estava fazendo de um ambiente escolar favorável foi comprometida. Nosso trabalho tem sido de resgatar isso. Muita conversa com os alunos, com os pais. Todo dia estamos atendendo pais com dúvidas ‘O que está acontecendo? Quais medidas estão sendo tomadas? Esse risco é real? Não me sinto confortável em mandar meu filho para a escola’”, relata.
Fake news é tema abordado na escola
Nas duas últimas semanas, as polícias deram várias orientações para que pais e estudantes não repassassem sobre notícias falsas e boatos de ataques em escolas. Os conteúdos devem ser encaminhados às autoridades para investigação.
Segundo Samuel Gonçalves, o tema das chamadas fake news é abordado dentro da escola na tentativa de educar os alunos.
“Um dos temas cobrados na prova do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), que é aplicada para o 5º, o 9º e o 3º ano para identificar como foi o desenvolvimento do aluno naquele período, é o aluno conseguir diferenciar o ‘fato’ da ‘opinião’. Ler um texto e conseguir identificar o que é fato, e quais são os indícios que demonstram que aquela informação é fato, ou que caracterizam como uma opinião do autor. Esse é um descritor que os alunos demonstram bastante dificuldade”, relata.
Diante da fragilidade, este tema tem sido bastante trabalhado pelas escolas. Na Tiradentes, as fake news foram escolhidas como temática do trabalho trimestral que compõe o processo avaliativo.
“O melhor termo é mentira. Você tem pessoas que disseminam e vão fermentar mentiras, e isso, infelizmente, gera um impacto na sociedade. A gente procura conversar e desenvolver (com os alunos), como tentamos por meio do projeto”.
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