Priscila Santos teve a placenta retirada à força por médico plantonista e contraiu uma infecção hospitalar após cirurgia para retirada do aparelho reprodutivo
Mariana Guerin
Foto: Divulgação
Priscila de Almeida Santos, 29 anos, está realizando uma campanha para arrecadar recursos para pagar por um tratamento médico após ser vítima de violência obstétrica durante o parto da sua filha Maya, há 25 dias, no Hospital Cristo Rei, em Ibiporã.
Para ajudar a Priscila a vencer a violência obstétrica, é possível doar para o PIX 06319764937, em nome de Nicholas Augusto Guidi, ou pelo site Vakinha.
Em um relato detalhado e bastante emocionado em sua página no Facebook, a autônoma contou sobre o atendimento que recebeu da equipe médica do hospital enquanto se preparava para o parto da segunda filha e como a atitude de um dos médicos provocou sérios danos em seu aparelho reprodutivo, que a levaram ao centro cirúrgico e, dias depois, a um novo internamento para tratar de uma infecção hospitalar.

“Todo o meu pré-natal foi realizado na UBS do Centro, em Ibiporã, e é importante registrar que o atendimento prestado foi excelente. No final do pré-natal, o médico que me acompanhou me informou que seria necessário induzir meu parto ou fazer uma cesárea.”
“Uma ultrassonografia apontou que eu tinha uma bebê pequena para a idade gestacional e uma placenta envelhecida, além de uma diabetes gestacional. Minha gravidez foi considerada de risco”, contou Priscila.
Ela continua o relato explicando que foi encaminhada para a maternidade do Hospital Cristo Rei com 39 semanas de gestação, onde foi atendida por diferentes médicos. “Para o dr. X eu manifestei minha vontade de ter parto normal. Então, com 39 semanas, no dia 28 de março, ele me disse que meu colo do útero estava ótimo para induzir com ocitocina e começou a indução.”
Priscila, então, passou o dia todo recebendo doses de ocitocina, mas sem apresentar nenhuma dilatação e sentindo dor “de cinco em cinco minutos”.
“Quando trocou o plantão, outra médica desligou minha indução após constatar que não tinha evoluído nada e disse que não faria uma nova indução à noite e que por conta da minha gestação de risco, ela acreditava que eu deveria ser transferida para Londrina”, escreveu a paciente, que decidiu aguardar a decisão da equipe médica no hospital.
Na manhã seguinte, Priscila foi atendida por outro médico, “atencioso e dedicado”, que decidiu realizar um novo ultrassom, o qual apontou que estava tudo bem e que seria possível induzir o parto. Ela, então, começou a receber o medicamento misoprostol.
“Uma outra doutora passou o plantão da noite conosco, muito humana, muito atenciosa. Também explicou tudo para mim e para o meu marido, disse sobre o risco da gestação, sobre a possibilidade de se fazer a cesárea, mas disse que estava ocorrendo a dilatação e que, possivelmente, poderia ser feito o parto normal.”
Mas, ao final da noite, Priscila foi informada de que faria uma cesárea. “Fui para o quarto, tirei meus acessórios, tomei um banho e orei. Acordei meu marido Nicholas e disse que seria cesárea.”
No dia seguinte, 30 de março, dr. X era o médico de plantão. “Para a minha surpresa, ele não foi me ver de manhã, apenas deu a orientação para continuar induzindo com o comprimido. As enfermeiras estavam induzindo.”
Só depois de algum tempo ele foi visitar a paciente. Ela informou que as contrações estavam começando a aumentar e foi aí que a violência obstétrica começou.
Violência obstétrica
“Ele falou ‘é que vocês querem adiantar a natureza. É isso que acontece, sai dos eixos mesmo’ e saiu do quarto. Logo após, eu entrei em trabalho de parto efetivo, às duas horas da tarde. O Nicholas me levou para o chuveiro, para a bola, quando a enfermeira nos informou que precisava fazer a cardiotocografia para verificar o bem-estar da bebê”, relatou Priscila.
Neste momento, suas contrações já estavam mais fortes e enquanto esperava a enfermeira buscar os instrumentos para realizar o exame, ela sentiu que a bebê estava coroando.
“Eu avisei para o Nicholas que a Maya iria nascer e ele foi chamar as enfermeiras. Elas viram que realmente a cabeça da Maya estava para sair e ligaram para o dr. X. Ele falou que não iria descer e que era para as enfermeiras fazerem o parto”, contou Priscila, ressaltando que nenhuma das profissionais era enfermeira obstétrica.
“Eu estava ali, amparada por pessoas de boa vontade, mas que não tinham formação para fazer o que estavam fazendo. Elas acompanharam, porque o médico não quis vir, e meu expulsivo foi muito rápido. Foram três puxos e eu fiquei consciente o tempo todo.”
Priscila informou para as enfermeiras que no parto de seu primeiro filho ela teve a placenta retida, que foi retirada pelo médico com as mãos, sem anestesia.
“Quando Maya coroou, as enfermeiras ligaram para o pediatra ir para a sala de parto. Ele chegou gritando dizendo ‘o que??? Ainda não nasceu? Vocês querem me foder?!?! … O pronto socorro está cheio, as mães lá em cima vão me matar!’”, descreveu a paciente, dizendo que o médico ficou caminhando e reclamando ao fundo da sala de parto, outro ato que caracteriza violência obstétrica.
“E aí a minha bebê nasceu e elas ligaram para o dr. X novamente. Ela estava com o cordão enrolado no pescoço e nasceu roxinha. A enfermeira foi muito rápida. Ela fez uma manobra, tirou o cordão do pescoço dela e a técnica de enfermagem começou a fazer uma cardio na Maya e a chamar por ela. E aí a Maya chorou e elas colocaram a Maya comigo. O pediatra a olhou, auscultou e disse ‘nasceu bem, depois vocês aspiram ela’ e saiu da sala”.
Por conta das complicações com a placenta da mãe, Maya não teve seus primeiros cuidados. “Ela ficou com o Nicholas, esquecida na sala, ninguém nem a olhou mais por cerca de uma hora.”
Priscila recorda que as enfermeiras passaram a massageá-la para induzir a saída da placenta, mas que a dor era insuportável. “As duas enfermeiras massageavam minha barriga de forma circular e tentavam puxar a placenta pelo cordão. Elas enrolaram o cordão numa tesoura e começaram a fazer um movimento de um lado para o outro para puxar a placenta. Aí perceberam que não iriam dar conta.”
Elas ligaram três vezes para o dr. X enquanto seguiam com o processo, sem resultado. “Depois de pouco mais de 45 minutos que a minha placenta não saía, doendo muito a minha barriga, muito mesmo porque é uma massagem desconfortável, eu já tinha perdido muito sangue. O desespero das enfermeiras era visível. Eu não estava aguentando mais”, constatou.
Depois de receber mais uma ligação, dr. X entrou na sala de parto usando calça jeans e camisa polo, sem jaleco e sem luva, “em um mau humor tremendo”, segundo a paciente.
“Entrou falando ‘o que que está acontecendo que vocês não estão conseguindo aqui? Que que vocês estão fazendo? Nossa, você tem uma placentinha chata, hein?’. Em um momento eu falei que estava mal, que estava doendo muito, e ele falou ‘mas eu também estou passando mal’”.
Em seguida, o médico se sentou na cama, de costas para Priscila, se curvou para o lado dela e apoiou os três dedos de forma brusca na barriga dela. “Dizendo a todo tempo, ‘mas que placenta difícil que você tem, hein, menina? Mas que coisa difícil, hein? Faz força! Tô achando que você quer ir para o centro cirúrgico fazendo graça assim’ e começou a puxar com toda força.”
Mesmo depois de Priscila reclamar, o médico repetiu “eu estou vendo que você está querendo ir para o centro cirúrgico” e começou a forçar muito.
“As meninas, segurando a minha mão, estavam nitidamente com medo dele. Porque ele estava gritando com todo mundo. Gritando e apertando minha barriga com os três dedos com tudo, sem parar, sem dar uma pausa e aí eu falei que estava doendo muito.”
Gritos e socos caracterizaram violência obstétrica
Priscila conseguiu afastar a mão do médico e avisou que ele a estava machucando e que ela estava passando mal, ao que ele respondeu: “Eu estou achando que você está com graça. Estou achando que você está querendo mesmo ir para o centro cirúrgico”.
“Nessa hora ele fechou a mão em formato de soco e deu um tranco na minha barriga. Deu como se fosse um soco e puxou a placenta. A hora que ele fez isso o meu útero saiu para fora pela vagina. Eu estava de cócoras e vi um ovo enorme para fora, com muito sangue. Olhei para o Nicholas e ele entrou em desespero. E eu falei que eu realmente não estava bem e vi que minha pressão baixou na hora”, detalhou Priscila.
Nesse momento, o dr. X se desesperou e pediu para uma enfermeira ligar para o centro cirúrgico. Ele enfiou o útero de novo na vagina de Priscila. “Ele me disse: ‘viu, você estava com graça, agora a gente vai ter que ir para o centro cirúrgico, você conseguiu ir para o centro cirúrgico’. E se levantou para sair da sala. Ainda falou, ‘coloque ela numa maca e leve para o centro cirúrgico’ e virou as costas.”
O marido dela, que assistia a tudo com a filha no colo, precisou ajudar as enfermeiras a colocar Priscila na maca. “O Nicholas viu. O útero estava para fora da minha vagina e eu fui para o centro cirúrgico.”
Em seu relato, Priscila reforçou que ninguém no hospital apoiou o marido. “O Nicholas tinha em seus braços o novo amor da sua vida e viu sua mulher sendo levada praticamente morta. Ele ficou quase uma hora com a Maya até que a enfermeira voltou do centro cirúrgico e fez a pesagem e as medições. Ele ficou em uma outra sala, com a Maya, sentado no chão.”
“No centro cirúrgico me sedaram e eu não lembro de mais nada. Depois me contaram que tive uma parada cardiorrespiratória”, completou Priscila.
O Samu foi acionado e Priscila foi encaminhada ao Hospital Universitário de Londrina. “O Nicholas ligou para a minha amiga Ana Gabriela, que veio para o hospital em menos de dez minutos para ficar com a Maya, e foi para o HU para dar entrada na minha internação.”
Priscila conta que teve outra parada respiratória, de seis minutos, na ambulância, a caminho do HU e foi reanimada. No hospital, o atendimento foi muito rápido e a cirurgia foi um sucesso.
“Fiquei entubada e tiveram que retirar meu aparelho reprodutivo. Fiquei umas 36 horas em coma, desacordada. No dia seguinte, tive alta da UTI e fui para a enfermaria. Um dia depois, tive alta para casa.”
Em casa, Priscila estava totalmente dependente do marido. “Eu havia saído da sonda, da fralda, mas dependia dele para ser carregada no colo para ir ao banheiro, para comer, para tudo. Única coisa que eu fazia era amamentar a Maya, deitada.”
Para Priscila, tudo o que ela viveu durante o parto da filha se resume ao erro do dr. X. “Se ele tivesse atendido a primeira ligação, se tivesse tido o cuidado de me encaminhar para a retirada da placenta no centro cirúrgico… Ele tinha várias maneiras de tirar minha placenta e escolheu a brutalidade. E desde então eu estou vivendo essas consequências”, disse.
A história, que poderia ter terminado com Priscila em casa, amamentando Maya enquanto se recuperava da cirurgia, ainda está longe do fim. Depois de três dias em casa, ela sentiu dores muito fortes, teve febre e foi encaminhada ao HU novamente.
“Minha barriga estava inchada. No HU, me disseram que eu estava com uma infecção e que o tratamento seria hospital dia. Ou seja, eu ia até o hospital, passava na triagem, fazia a medicação na veia e ia para casa. Só que com cinco dias desse tratamento, eu ainda estava sentindo dor. Minha barriga foi endurecendo. Eu estava com febre.”
“Fui tirar os pontos da cirurgia e tive febre muito alta. Minha cicatriz abriu e começou a sair um líquido. Eu ia todo dia ao HU e os médicos diziam que eu precisava ter paciência e esperar o remédio fazer efeito, mas eu estava piorando cada vez mais”, reforçou Priscila.
Mãe vive violência infindável
Ela, então, decidiu se consultar com um ginecologista particular. “Eu conhecia o doutor Fabio Minotti e queria me consultar com ele. Descobri que ele atendia no Hospital do Coraçãozinho. Pensei que iria passar por uma consulta, que ele me passaria uma medicação e eu iria para casa, não imaginei que iria ficar internada.”
Priscila foi diagnosticada com uma infecção hospitalar gravíssima e permanece internada no Hospital do Coraçãozinho, em Londrina. Sem condições de custear a internação, o casal decidiu fazer uma vaquinha. “Sem medicação, sem exame, só a diária do quarto é R$ 2,5 mil.”
Depois de realizar uma tomografia que mostrou que nenhum órgão está comprometido, Priscila, agora, está fazendo uso de antibióticos. “Os exames apontaram que eu tinha duas bactérias de UTI ao mesmo tempo. Mas a minha infecção já baixou bastante.”
O tratamento está, hoje, em R$ 37 mil e, com a vaquinha, o casal já arrecadou R$ 24,3 mil. “Este mês, eu e o Nicholas estamos parados por conta de toda a situação e somos autônomos. Por isso ainda peço que divulguem a vaquinha e ajudem.”
“Eu estou melhorando fisicamente, mas o meu emocional está bem ruim. Eu estou bem chorona, o puerpério não é um período fácil, é uma mudança hormonal muito grande, e passar por todas essas coisas…”, comentou Priscila.
“Você acha que vai melhorar e vem outras dificuldades. E quando você lembra que tudo é culpa de um médico, que se ele não tivesse feito aquilo, tudo seria diferente”, lamenta Priscila, que está com dificuldades para produzir leite.
“Eu não consigo tomar banho sozinha, não consigo usar o banheiro sozinha, preciso de assistência 24 horas. Temos uma empresa, funcionários, a nossa casa de reza, mas nossa vida parou.”
Priscila contou que seu filho primogênito, Stefan, prestes a completar 5 anos, nasceu com dificuldade de respirar e ficou 21 dias internado. “Eu não tive oportunidade de ninar ele, não tive oportunidade de pegar ele no colo porque ele estava sempre no oxigênio. E agora de novo, não posso cuidar da minha filha, não pude acompanhá-la. Eu nunca mais vou ter oportunidade de vê-la nos primeiros dias, nunca mais vou ter oportunidade de cuidar dela nos primeiros dias. E o pior, nunca mais vou ter oportunidade de ter mais filhos e viver isso porque meu útero foi retirado.”
Priscila e o marido devem se consultar com uma advogada para decidir os próximos passos em relação ao atendimento recebido no Hospital Cristo Rei. “Estou detalhando tudo o que eu passei para parar esse médico. Para que o dr. X não faça isso com outras mulheres”, declara a paciente, que ainda tem medo de revelar o nome do médico.
“Meu marido, minha sogra e minha mãe ajudam com os pequenos. Meu marido está arrasado. Ele viu tudo. Não pode comemorar o nascimento da filha. E vive o dia todinho cuidando de mim e da Maya. Vamos processar aqueles que forem culpados.”
A psicóloga Suzana Cordeiro fez o acolhimento inicial por meio de uma amiga em comum e encaminhou Priscila para uma psicóloga perinatal e obstétrica. “O que já podemos dizer com exatidão é que ela está sentindo um medo constante, com sintomas de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), e a sensação de impotência ao ser violentada, que é frustrante”, resumiu a psicóloga.
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