Eu gosto muito de passear pelos armarinhos no centro da cidade. Sou encantada com a maciez das lãs, a suavidade das fitas e com os emaranhados das meadas de linha. Armarinhos são poesias amareladas e amarradas com laços de renda.
Dias destes, numa das minhas idas ao armarinho, encontrei uma amiga, pessoa muito querida, que há anos eu não via.
Entre abraços e saudade, a conversa correu solta.
Ela me falou sobre a filha médica e do filho advogado que lhe proporcionou dois netos.
O assunto é farto quando se fala de netos e cada uma de nós exibia para a outra as gracinhas destas criaturas que adoçam nossos dias.
Com a vida corrida de nossos filhos, ficamos vaidosas em ser para eles uma grande rede de apoio. Buscar na escola, levar para lanchar ou dar um simples banho é festa.
Minha amiga me disse que contava com a ajuda da ‘Neguinha’, filha da ‘Nega’, sua passadeira há anos.
Então eu lhe pergunto:
— Como é o nome da Neguinha?
Ela me diz:
— É Luana, mas desde que a ‘Nega’ engravidou a gente já esperava pela ‘Neguinha’ ou pelo ‘Neguinho’. É uma forma carinhosa de tratamento e elas gostam. São da família!
Mas Luana é um nome tão bonito! Por que você não faz uma brincadeira para seus netos? Um novo batizado para ‘Neguinha’ voltar a ser Luana!
— Ah! Só você com estas ideias engraçadas!
E assim nos despedimos.
Dias depois recebo um telefonema da amiga: “Eu não imaginei como esta simples brincadeira de batizado deixaria uma mocinha tão feliz! ‘Neguinha’ agora é Luana!
E eu não imaginei como uma visita ao armarinho tivesse um final tão feliz!

Esta história me lembrou também do livro que estou lendo: “Um Defeito de Cor”, romance de Ana Maria Gonçalves.
A personagem principal, uma menina africana que foi escravizada e comprada por um senhor de engenho da Bahia, conta, com doçura, sua resistência ao deixar o seu nome de batismo, dentro dos padrões de sua crença, e adotar o nome que os brancos lhe deram: Luísa.
E o que fica desta história é que ‘neguinhas’, ‘neguinhos’ e Luísa são pessoas com nomes próprios e devem assim ser nominados.
*Odette Castro é artista, escritora, ativista social. Através da sua experiência com a dor e o luto, mostra que é possível seguir em frente e ser feliz. Já foi servidora pública e também empresária. Hoje é cronista do cotidiano, criadora dos projetos “Uma flor por uma dor” e “Fale certo”, autora de “Rubi”, ativista de inclusão social, mãe e avó.
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