Por Beatriz Herkenhoff e Bira Dantas
Minha infância e adolescência foi povoada por histórias em quadrinhos. Um mundo de fantasias que me transportavam e faziam sonhar.
Meu universo incluía: Cebolinha, Cascão, Chico Bento, Horácio, Manda Chuva, Flintstones, Mônica, Magali, Mafalda, Pato Donald, tio Patinhas e seus sobrinhos. Urtigão, Peninha, Mickey, Zé Colmeia, Pepe Legal e Babalu. Luluzinha, Pimentinha, Bolinha, Pinduca, Recruta Zero e Pica Pau.
Personagens com os quais eu me identificava.
Projetava em cada um algo da minha história. Essas leituras traziam prazer e alegria para o mundo das letras e para a relação com os primos e amigos.
Na adolescência imaginava como seria o universo de seus criadores.
Em 2023 tive a grata alegria de conhecer Bira Dantas (que trabalha com HQ, ilustrações e charges), com quem pude estabelecer ricos diálogos sobre sua arte.

Propus a Bira que partilhássemos nossa conversa com os nossos leitores, pois acredito que todos que se encantam com as histórias em quadrinhos gostariam de saber mais sobre essa criação.
E se para mim as histórias em quadrinhos eram um mundo de fantasias que me fazia sonhar, para o Bira, como quadrinhista, as HQs são uma forma de trazer as pessoas, os leitores, para dentro do sonho dele.
Quando contei para Bira quais eram as minhas histórias em quadrinhos preferidas, ele contou também um pouco das suas.
Confira um dos diálogos entre o quadrinista e Beatrix, apelido carinhoso e cheio de significados dado a esta colunista por Bira e sua família.
BIRA: Também transitei no seu universo da Turma da Mônica, Hanna-Barbera, Disney, adorava Pinduca e Recruta Zero. Mas Mafalda foi muito marcante pra mim por trazer um questionamento mais profundo das coisas da vida, bem como Charlie Brown. E Asterix também por toda a história da Gália e do Império Romano. Os roteiros do Goscinny e os desenhos do Uderzo eram maravilhosos.


BEATRIX: Sim, Bira, muitas histórias em quadrinhos trazem questionamentos profundos sobre a vida e seus desafios, introduzindo um olhar crítico sobre os acontecimentos.
Poderia nos explicar qual a diferença entre HQ, ilustrações e charges?
BIRA: HQ é uma história gráfica contada em quadros, com ou sem balões de fala.
Ilustração é um desenho que ilustra uma matéria.
Charges e cartuns são desenhos de humor, o primeiro baseado em fatos jornalísticos com texto ou não, o segundo em temas universais, geralmente sem texto para compreensão geral.


BEATRIX: O que é preciso para se escrever uma HQ?
BIRA: Se pensarmos que uma HQ é uma história contada, ficcional ou realista, qualquer pessoa poderia produzir uma HQ, ainda que o desenho seja rudimentar. Só precisa ter uma história interessante para contar a um público interessado em lê-la e traduzi-la, em desenhos.
BEATRIX: Bira, você poderia nos contar um pouco da sua trajetória?
BIRA: Decidi ser desenhista de quadrinhos ainda criança. Não existiam cursos que possibilitassem minha formação como desenhista. Fui criando estratégias para conseguir me tornar aquilo que sonhava ser. Com uns 11 anos tive um colega de classe tão apaixonado por desenhos quanto eu. Criávamos centenas de super-heróis.
Com 16 anos comecei minha carreira nos Quadrinhos, desenhando os Trapalhões.
Depois, fiz estágios em estúdios, como Mauricio de Sousa e Ely Barbosa, e comecei a ter contato com outros profissionais através da AQC-SP.
Por orientação de um professor do ensino médio, passei a me interessar por livros sobre desenhos, livros de arte, etc. Sou um desenhista autodidata em que minha escola foi sendo a “da vida!”
Em 1984, me convidaram para o curso de Editoração em Quadrinhos da ECA (USP) como aluno especial. Foi uma experiência incrível. Eu gostaria de ter frequentado essa escola regularmente.
Com o tempo, acabei por me distanciar um pouco dos quadrinhos, pois trabalhar com charges me garantia o sustento. Assim, acabei me especializando em charges sindicais, mas felizmente, há alguns anos eu retornei ao mundo das HQs, escrevendo, desenhando, publicando.
BEATRIX: Bira, te acho uma pessoa incrível. Sensível, alegre, descontraído. Acho que seu jeito de ser passa por sua produção. Em que o seu contexto familiar influencia sua produção?
BIRA: Eu vivo com minha mulher Claudia e minha filha Thaís. A Thaís é artista, quase formada em Artes Visuais pela UFES, além de terapeuta formada em Shiatsu e ser Reikiana. A Claudia, médica, uma mulher sempre muito inspirada e com ótimas ideias para charges, HQs, além de ter se descoberto aquarelista há alguns anos.
Tenho vivido com uma família em meio a pincéis, conversas sobre artes, práticas de saúde alternativas, Yoga, Reiki, Shiatsu, mentalizações e idas às praias de Vitória.
Vivo num ambiente que transpira arte. Tenho sempre muito incentivo e também olhares bastante críticos para o meu trabalho.
BEATRIX: Eu passei a conviver com esses três artistas. Família criativa, intensa, afetiva. amorosa e alegre. Muitos aprendizados! Uma honra conhecê-los!
Quais as dificuldades enfrentadas por aqueles que trabalham com quadrinhos?
BIRA: Temos um problema no Brasil: falta de mercado de Quadrinhos. Quando o mercado era banca de jornal, a coisa era um pouco melhor, gibis de 46 a 60 páginas em papel jornal eram baratos. Os gibis eram populares, operários podiam comprar um gibi por mês e levar para os filhos.
Vários estúdios contratavam bastante gente pra fazer centenas de páginas por mês. Com o tempo, os estúdios que produziam gibis foram fechando. Os Trapalhões, Pererê, Sítio do Picapau Amarelo, Menino Maluquinho, Xuxa, Senninha, Faustão, Gugu, Pequeno Ninja, Smilinguido sumiram das bancas.
Hoje os únicos gibis em banca são da Turma da Mônica, Disney e TEX. O mercado de Quadrinhos migrou para as Livrarias e Internet.
Gostaríamos de ouvir os leitores sobre suas vivências nesse universo.
*Beatriz Herkenhoff é assistente social. Professora aposentada do Departamento de Serviço Social da UFES. Com doutorado pela PUC-SP. Autora do livro: “Por um triz: Crônicas sobre a vida em tempos de pandemia” (2021) e “Legados: Crônicas sobre a vida em qualquer tempo (2022)
*Bira nasceu em SP, em 1963. Publicações: Pântano, Tralha, Porrada, Megazine, Bundas, Retrato do Brasil, Folha da Tarde, Diário do Povo, Correio Popular, Pasquim21, Memórias de um Sargento de Milícias, D. Quixote, O Ateneu. Faz charges pro Sinergia, Sindipetro e Adunicamp. Participou do World Comics Conference e Bucheon Comics Festival na Coréia do Sul, FIBDA (Festival de BD da Argélia). Publica nas revistas PIRRALHA e Grifo. Professor de charge e caricatura da Pandora Escola de Artes, em Campinas-SP de 2001 a 2019. Vive em Vitória desde 2022. Faz caricaturas sob encomenda e em eventos. E-mail para contato: biradantas2000@gmail.com
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